sexta-feira, 19 de março de 2010

Fenomenologia e imagem poética

Para um leitor de poemas, o apelo a uma doutrina que traz o nome, tantas vezes mal-compreendido, de fenomenologia, corre o risco de não ser ouvido. No entanto, fora de qualquer doutrina, esse apelo é claro: pede-se ao leitor de poemas que não encare a imagem como um objeto, muito menos como um substituto do objeto, mas que capte sua realidade específica. Para isso é necessário associar sistematicamente o ato da consciência criadora ao produto mais fugaz da consciência: a imagem poética. Ao nível da imagem poética, a dualidade do sujeito e objeto é irisada, reverberante, incessantemente ativa em suas inversões. Nesse âmbito da criação da imagem poética pelo poeta, a fenomenologia é, se assim podemos dizer, uma fenomenologia microscópica. Por isso essa fenomenologia tem probabilidades de ser estritamente elementar. Nessa união, pela imagem, de uma subjetividade pura mas efêmera com uma realidade que não chega necessariamente à sua completa constituição, o fenomenólogo encontra um campo de inúmeras experiências; beneficia-se de observações que podem ser precisas porque são simples, porque “não têm inconvenientes”, como é o caso dos pensamentos científicos, que são sempre interligados. Em sua simplicidade, a imagem não tem necessidade de um saber. Ela é dádiva de uma consciência ingênua. Em sua expressão é uma linguagem criança. Para bem especificar o que pode ser uma fenomenologia da imagem, para especificar que a imagem vem antes do pensamento, seria necessário dizer que a poesia é, mais que uma fenomenologia do espírito, uma fenomenologia da alma. Deveríamos então acumular documentos sobre a consciência sonhadora.

BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço: São Paulo, Martins Fontes, 2005, p. 4

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