domingo, 28 de fevereiro de 2010

Caminhos errados

Há sempre no homem
Um ponto vulnerável
Que nem o mais forte
Possa ocultar de si
Pode ser tristeza
Devora a alma inteira
Pode ser lamentação
Corroi todo o coração
Dos desencontros causados
Sem causa sem lei
Se rei fosse não seria
Malgrado nesta vida
Caminhando pelas vias
Tortuosas em desencanto
Errando por amar
Um amor errado
Que não quer ser feliz
Apenas ser o que sempre foi.

O Jaguadarte

Era briluz.
As lesmolisas touvas roldavam e reviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.
"Foge do Jaguadarte, o que não morre!
Garra que agarra, bocarra que urra!
Foge da ave Fefel, meu filho, e corre
Do frumioso Babassura!"
Ele arrancou sua espada vorpal e foi atras do inimigo do Homundo.
Na árvore Tamtam ele afinal
Parou, um dia, sonilundo.
E enquanto estava em sussustada sesta,
Chegou o Jaguadarte, olho de fogo,
Sorrelfiflando atraves da floresta,
E borbulia um riso louco!
Um dois! Um, dois! Sua espada mavorta
Vai-vem, vem-vai, para tras, para diante!
Cabeca fere, corta e, fera morta,
Ei-lo que volta galunfante.
"Pois entao tu mataste o Jaguadarte!
Vem aos meus braços, homenino meu!
Oh dia fremular! Bravooh! Bravarte!"
Ele se ria jubileu. Era briluz.
As lesmolisas touvas
Roldavam e relviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.

Lewis Carroll (Tradução do "Jabberwacky" por Augusto de Campos)

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Fado Menor

Os meus olhos são dois círios
dando luz triste ao meu rosto
marcado pelos martírios
da saudade e do desgosto

Quando oiço bater trindades
e a tarde já vai no fim
eu peço às tuas saudades
um padre nosso por mim

Mas não sabes fazer preces
não tens saudade nem pranto
por que é que tu me aborreces
por que é que eu te quero tanto

És para meu desespero
como as nuvens que andam altas
todos os dias te espero
todos os dias me faltas

Letra e Música : Linhares Barbosa/Santos Moreira

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Amamos as amarras

Num quarto fechado
Cinco demônios compartilhavam
Uma vida comum
Comum era a vida que levavam.
O demônio um importunava
O demônio dois que reclamava
Do demônio três que não concordava
Do demônio quatro que não trabalhava
Do demônio cinco que só mandava.
Um dia a porta se abriu
Um demônio pensou
“posso ir embora!”
Um outro pensou
“o momento é agora!”
Os outros esperaram
O primeiro movimento
Que não aconteceu
E todos voltaram para dentro
Ignorando a própria liberdade.
Continuaram prisioneiros
Das próprias vontades
Dos demônios que precisavam
Para se sentirem humanos.
Desumano era ser
Livre.

Os fios de Arlequim

Num boneco de matéria plástica
Arlequim aparecia dançando
Com passos cruzados uma dança
Inventada pelos pés enfiados em
Botas de ponta curva e afiada.
Cada vez que avançava um passo
Recuava outro em compasso
Cadenciado e belo.
Na ponta dos dedos levava
Cordas suspensas em outros bonecos
Manipulados que eram
Não erravam um único passo
Só fazia o que mandava
O grande palhaço em devoção.

A traição das palavras

Qualquer incompreensão se trata
De uma profunda falta de compreensão
Da palavra que diz trocando as matizes
Do arco-íris de todas as flores
Aquilo que pode ser amarelo
Quem ouve supõe ser azul
Azul é a cor do céu resplandecente
Pode ser a do mar imensamente largo
Mas no céu azul
Não vivem polvos e baleias
Mas no mar azul
Não vivem gaivotas e gansos selvagens
Calar é melhor
Do que qualquer explicação
Que confunde mais que explica.

Poesia inaudita

"A poesia não voltará a ritmar a ação; ela passará a antecipá-la."

Arthur Rimbaud

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Poema inútil em essência

Para que serve a utilidade
Das coisas úteis em sua natureza
Uma cadeira para sentar
Uma panela para cozinhar
Se não fossem úteis
Seriam muito melhores
Na qualidade de não servir
Para nada.
Somente o útil tem validade
Em contradição com a futilidade
Daquilo que deixou de ser
Ser apenas o que é
Sem ser belo nem feio
Nem modesto nem velho
Sem querer agradar
Sem querer desagradar
O chefe da secção
Em busca de promoção.

Fé transparente

Vamos acreditar naquilo que não serve para nada
Vamos, tenhamos fé na inutilidade total das coisas
Tenhamos profunda convicção de que todo esforço é inútil
De que toda certeza é fútil - imprestável

Vamos, de cabeça, de cabeça para baixo mergulhar
Vamos rebolar e chafurdar e deslizar e espremer
Voltar, e voltar, e olhar sem ver nada, e cego desfazer
tudo que se possa adquirir ou roubar, nada temer

Vamos deixar o sangue correr e a saliva inundar
Cortar os cortes e soltar o que bem sempre se moveu em liberdade
Vamos fazer amor com o óbvio, ( ), vamos gritar entre dentes
Abrir os olhos em pleno ar: pobre, burro, ignorante, cadavérico.

Acordar e não encontrar nada, as mãos vazias
Abrir a janela na manhã chuvosa e lamber as gotas
Encarar no armário o único cabide, vazio e inútil
e olhar para si, puro, em pelo, e lívido, com um coração vermelho

E sussurrar para nada ouvir: nunca estive tão acordado, tão feliz
E ser aquele fantasma de luz, sim, e encontrar as pessoas certas
E nelas esculpir uma amizade sem vínculo algum, sem chance alguma
E tornar-se íntimo do caos, e nele sonhar, o fim que os sonhos pedem.
Hoje acabou a luz aqui em casa. Era hora do jantar e as panelas estavam no fogão. Uma vela surrupiada do altar foi para a cozinha. Na sala, acendemos outra, daquelas de espantar mosquito. Depois comemos quase no escuro, brincando de adivinhar o que era cada comida. Agora, de madrugada, enquanto todos dormem, a luz voltou. Entre relógios piscando, luzes esquecidas acesas, bips e leds vermelhos e verdes, circulo pela casa apagando as velas. Depois, tudo arrumado, luzes desligadas e relógios ajustados, aproveito a madrugada em silêncio na sala escura. O restinho do aroma de citrolena que ainda rescende me faz lembrar do jantar divertido.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

sem título 4

Os muros das casas
não oferecem resistência.
Borboleta branca.

Ser escritor

Para mim, ser escritor é reconhecer as feridas secretas que carregamos, tão secretas que mal temos consciência delas, e explorá-las com paciência, conhecê-las melhor, iluminá-las, apoderar-nos dessas dores e feridas e transformá-las em parte consciente do nosso espírito e da nossa literatura.

Pamuk Orhan. A maleta do meu pai: São Paulo, Cia das Letras, 2007, p.27

Triz

de cima do muro
o gato vigia o banho do canário
a vizinha cantarola

Ilusão

Se os muros fossem ruins
Serviriam para não separar os maus
Dos mais maus
Por uma questão de união
Simplesmente para unir
Simplesmente para nada servir
Para o fato de não existirem muros.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

O muro

Se os muros fossem bons
Serviriam para separar os bons
Dos menos bons
Por uma questão de separação
Simplesmente para separar
Simplesmente para dar uma função
Para o fato de existirem muros.

Rima seca

Quando saio à rua
levo nada na cabeça
Levo uma máquina de retratar
e um caderninho de notas

A cabeça segue inóspita
e não pensa rimas
- palavras não são imãs
são coisa seca como folhas soltas

É uma linha, vinte passos
outra linha, uma árvore!
- a casca tão coberta de musgo
num verde de profundo abandono...

Até me livrar delas, das linhas
e das palavras. Até o caminho se livrar.
E no espelho baço dos vidros laminados, não mais.
Se desaparece sem se supor, até mesmo em rabos de olhos.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Somos todos fingidores

Ainda que a sinceridade seja elevada
Mantemos uma postura alterada
Fingimos que somos justamente
Aquilo que não somos
Fingimos que acreditamos em nossas
Próprias crenças fúteis e banais
Fazemos justamente aquilo
Que não faríamos se fôssemos nós
Mesmos. Fazemos para agradar
O diretor de criação da agência central
Que nada mais cria que mais copia
Fingimos para nós mesmos
Sentimentos guardados
Em baús empoeirados da memória
Fingimos que o amor nunca existiu
Só para contrariar nosso orgulho ferido
E passamos o maior tempo indiferentes
Como nada fosse da nossa conta
Cinicamente calados.

Sorriso do coringa

Há algo de sinistro naquele rosto
Há algo de sinistro naquele sorriso
Não sei se ri de mim ou de outrem
Se realmente ri
Se se trata de um riso que chora
Uma amargura ácida
De uma vontade contrariada
De um mundo que lhe deu as costas
E por isso ri
Quem sabe ri de sua desgraça
Rir nestas circunstâncias
Muito mais é difícil
Do que chorar.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Meu último carnaval

Que posso fazer com a velha máscara
De um carnaval que passou
Toda fantasia levada pelas águas
De uma farra de quatro dias.
Se pudesse usar novamente
Diariamente no trabalho e na casa
Se pudesse colocar de vez na cara
Minha máscara de gordo fanfarrão
Nada mais me segurava
De ser feliz em gargalhada
Pelas ruas pelas calçadas
Andar na contramão
Amar a mulher do guarda
Sem medir conseqüências
Cantar todas as árias de uma opereta
Italiana por excelência
Italiana era ela
Minha primeira namorada.

Mas a máscara rasgou após chuvarada
Esfriou em instantes
Meu coração esfriou
Nem posso mais ser feliz.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

um dezenho

Parque

No parque, ao pé das ramagens,
onde nascem os gerânios e o mal-me-quer,
perto de um laguinho esverdeado, quase morto,
a brisa suave trazia um cheiro adocicado, lento,
cheiro que gente deixou ali na urgência dos dias, bagaço humano.
Por detrás dos cachos do Salgueiro Chorão, que balançavam,
pude ver ainda um corpo agachado
mas não,
nem era sombra,
era apenas a brisa...

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Contador de estórias

Que posso fazer do que resta
Da melancolia incutida na alma
Pois passei a vida inteira de surdina
Errando pelos campos de batalha.

Queria ser doutor
Fui perdedor.
Queria ser pianista
Não passei no exame final
Tornei-me taxista
De bandeira dois.
Depois maquinista
Foguista de um trem sem destino
Em cuja fornalha ardia
Todos os sortilégios de amor.

Nada mais resta
Do que rir desta vida desvairada
Errada era a condição
De ser boneco articulado
Nos dedos de um palhaço
Controlado por uma máquina
Que de velho está quebrado.

Mas às vezes enganamos aquele
Rabiscando na parede traços e hieróglifos
De uma cultura proibida
Que jaz nas pedras da inconsciência.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Ilusões de minha vida

Aos pés de Kannon chorei
Não sei o motivo que tinha
Talvez tristezas passadas
De águas levadas pelos bueiros
De uma existência fútil
Desesperadora e inútil
Que nada mais fazia
Do que ler poesia
E acreditar ainda
Num mundo azul
Como bola de sabão
Subindo em direção
Às lanças de um muro
Em derradeira explosão.
Foi quando vi a meu lado
Kannon que chorava
De minha tola ilusão.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Haiku 3

Repique na lata
do engraxate que já chega
jogando confete!

Ó abre-alas

passei parte da vida aspirando à santidade
outra parte, aspirei à canalhice
hoje, inchado de rinite
sufocado de asma
sou um imbecil
soprado pelo
vento

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Batida do sutra

Somente em meu
coração repica
uma batida frenética
de um carnaval que
agora inicia.
Ou será apenas
a batida de meu coração?
A batida de um sutra
que nunca termina
sempre começa.
Será mera ilusão
este carnaval
minha vida também ela.

Mas precisamos
do carnaval
sanar todo o mal
da objetiva apontada
na irrealidade da vida
aceita sem ponderação
absurdamente vivida.

Nada mais real
do que a serpentina.

Haiku 2

Ao tirar a roupa
confetes saltam do bolso.
E a vida se foi!

Como eram lindos meus carnavais

Ao som que ouço de lá fora
É o carnaval chegando.
Quando tira do guarda-roupa
Minha velha fantasia
De tão velha que era
Fora de moda ficou.
Não tenho outra senão esta
Que se preste para alguma coisa
Que preste pelo menos agora
Para num sonho de felicidade
Possa dançar com as andorinhas
Errantes no céu sem medida
Arrastando a sapatilha até
Gastar-se toda ela na avenida.
Mas meus carnavais se foram
Só tenho lembranças
Algumas boas outras más
Retratos empoeirados na
Mala de madeira incrustada
Pedrinhas numa saia de uma
Bailarina solitária que dança.
Nunca mais sairei por ai
Pelos salões das matinês
Da terra onde nasci
Tão distante hoje
Dos amigos que não estão mais
Dos amigos?
Do farmacêutico João Arlindo
Como eram lindos meus carnavais!

Canção do exílio

O capim estala o seu chicote e
as labaredas dançam com o vento

O sol envolve tudo em inevitáveis espinhos de roseiras.
A sombra, como um eu mínimo, mingua e se recolhe sob nossos pés

Caminhamos sobre brasas,
expandimos nossos espaços nessa fornalha.
Com sede e a garganta seca.
Nos pés sandálias de borracha rachadas.

Nossa missão: apagar o fogo,
tratar com o vento e sorrir ao sol.
Cantamos numa língua que não conhecemos
mas cantamos como se apenas um cantasse

O calor nos reúne a tudo.
Os olhos piscam lacrimogêneos
o incenso acre do mato encandecido.
Somos a água que trazemos desde há muito tempo

Como nuvens líquidas o suor brilha em nossa pele
Nossos dentes brancos refletem a luz quase cega do céu
E sorrimos, sim, somos o fogo, a fumaça e o vento
Somos a serpente e o veneno, sim, somos deus, e somos lúcifer.

O capim repica seus tambores
as labaredas dançam e assoviam

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Um mascarado

Rasga essa máscara ótima de seda
E atira-a à arca ancestral dos palimpsestos..
É noite, e, à noite, há escândalos e incestos
É natural que o instinto humano aceda!

Sem que te arranquem da garganta queda
A interjeição danada dos protestos,
Hás de engolir, igual a um porco, os restos
Duma comida horrivelmente azeda!

A sucessão de hebdômadas medonhas
Reduzirá os mundos que tu sonhas
Ao microcosmos do ovo primitivo...

E tu mesmo, após a árdua e atra refrega,
Terás somente uma vontade cega
E uma tendência obscura de ser vivo!

Augusto dos Anjos

Poemas de Ryokan (1758-1831)

Em meu chapéu de palha
Desperto para ouvir
Despencar do granizo
Rebentando todo
Num bosque de bambu.
-.-

Na vila abaixo
O alarido:
Flauta e tambor.
Nas montanhas profundas
Somente o ruído dos pinheiros.
-.-

Travesseiro de capim
Onde quer que eu vá -
Noites em diferentes paradas
O sonho que sonho é mesmo
Da minha terra natal.
-.-

Não sei por quê
Me deixa desolado -
Em minha porta
Primeiras rajadas do vento outonal
Sussurando entre os talos de arroz.
-.-

Peônias em profusão
Explodindo neste momento
Seus botões refletindo -
Tão belas para se colher
Tão belas para não serem colhidas.
-.-

Ao colher violetas
Pela margem da estrada
Esqueci e deixei
Minha caneca de esmola
Que esmolava por mim.
-.-

Eu me esqueci
Minha caneca de esmola
Não havia quem roubasse?
Não havia quem roubasse?
Minha caneca de esmola.

Para não ser o outro

Não pelo fato de ser diferente
Nem queremos ser assim
Só queremos ser aquilo que somos
Não aquilo que querem de mim
Nem de você.

Podemos ser pianista
Se isso nos apetecer
Podemos ser poetas
Se há verve de escrever
Pichador de parede
Relojoeiro e cientista
Um pouco de louco
De santo e pecador
Podemos ser.

Mas vem o medo
E preferimos fazer
O que sempre fizemos
Repetindo gestos de sempre
Falando o mesmo de sempre
Sem nada mais de novo
Preferimos ancorar nosso barco
Em porto seguro
Não em porto incerto
Da liberdade de expressão
Queremos a não liberdade
Para ser igual a todos como
Zebras listradas e iguais
Mas que pensa ser cavalos
Desfilando solene tamanha ostentação.


Que vantagem levo
Se fizer isso?
Se não fizer o que ganho
Com isso?

Só quero ganhar...
A mesmice de sempre
Comum como sempre
E sempre continuamos
Iguais como outros iguais.

sem título 3

A casa vazia.
O cachorro ataca as roupas
Presas no varal.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Maldito Poeta Proscrito!

Maldito é o autor
do que é mau dito
e do mal que é dito.
'Maldito' bendito!
Dizer o mal não-dito
Ignorado
Convenientemente não-visto
Bendito o autor do 'mal' que é dito!
Poeta maldito,
Poeta proscrito!
Falado ou escrito,
Quase bravura pra dizer o mal não-dito!

Falo,
Às vezes provocante como um falo.
Às vezes suave como brisa,
Jeito de gato quando pisa.

Mas aqui (e desde sempre) e em todo lugar
O mal não-dito:
Máscara de bendito.
Escândalo na boca do Maldito Poeta Proscrito.
Por isso prefiro o dito ao não-dito.
Convencional em série, como rito!
Jamais! Jamais 'bendito'!
Crepito, crio atrito, excito e cutuco e transito,
Digo e falo, jamais omito!
Vá lá, que seja maldito meu veredito!

Posso ser maldito,
assim esquisito...
Mas durmo bem.
Só se não falo fico aflito – mas sei bem calar o grito.
Ser maldito! Amor ao 'mal' que jamais é dito:
Só assim ser íntegro e bendito.

Jogo de amarelinha

Pudesse apostar
Minha vida por um fio
Num jogo de amarelinha
Minha vida daria
Se você ganhasse
Mas se eu ganhasse
Ganharia o teu amor?

Num jogo de amarelinha
Jogo meu destino
Por um amor fugidio
Que na impossibilidade de amar
Quase se tornou frio.

Num jogo de amarelinha
Perdi toda vontade de viver
Pelo amor que perdi.

Num jogo de amarelinha.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Carnaval

Neste carnaval
Faria
Se pudesse faria
Uma fantasia de arlequim
Um chapéu de três pontas
Cair na rua
E beberia todas
Só para viver um dia
A folia de cantar
Asneiras e amar
Num baile de máscaras
A colombina.

Uma vontade da contravenção
De tudo aquilo que é contrário
Aos princípios mais elevados
De um Estado organizado e legal
Em nome dos bons princípios
Da família constituída.

Mas no carnaval colocamos
Outras máscaras de papel crépon
Se não chover
Se fizer tempo bom
A alegria será rainha
Serpentinas e confetes
Nesta vida ilusória
Que pensamos ser
Tão real
Irreal é quarta de cinzas
Quando a cortina se fecha
No palco a colombina
Deixa que se vá
O amor de sua vida.

Sem título

O garoto corria corria
não podia saber
da diferença entre as flores.
O garoto corria corria
não podia saber
que na sua terra há
morangos doces e perfumados,
o garoto corria corria
fugia.

Ninguém lhe pegou ao colo
Ninguém lhe parou a morte.

Maria Alexandre Dáskalos, de Angola, em Poesia Africana de língua portuguesa, Rio, Nova Aguilar,2003.

daruma san


CAIA 7 VEZES, LEVANTE 8!!!
XILOGRAVURA DIGITAL

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Contradições do mundo

Que se pode fazer pelos
Meninos que perambulam
Perdidamente extasiados de morfina
À espera pelas esquinas da
Próxima vítima.

Que se pode fazer pelos
Homens de gravata e maleta
Desfilando toda soberba em destaque
À espera pelas esquinas da
Próxima vítima.

Que se pode fazer pelos
Velhos desiludidos pela vida
Senão esperar a morte chegar
Que chegue de mansinho
Devagarinho sem avisar.

Que se pode fazer pelos
Loucos de amor desenfreado
Senão assumir a sua sina
Malgrado e assassina
De toda acomodação.

Que se pode fazer pelos
Poetas? Para estes nada!
Somente permita que eles
Cantem as dores do mundo
Desencontros cometidos
Em nome da ordem.

Mas o queremos mesmo
É a desordem!

Pêssegos



Salve, nobre pessegueiro
de fruto doce, graúdo, cheio
suculento e adocicado

Em teu sumo, me babo
mordo, chupo, me acabo
boca aberta, olhar vidrado...

Macio, agreste, carnudo,
escorrendo, nos lábios desnudo
dedos, queixo, nariz molhado

Nada como um fruto maduro,
um pêssego tenro, provado no escuro
levemente aveludado...

Espero a propícia estação...
o fruto na boca, doce reação:
satisfeito, sorrindo babado.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Feio


Grafite em muro da travessa Tim Maia,
Vila Madalena, São Paulo.
Foto: Bruno Mitih - 2010

Fresca chuva de verão

Solenemente a chuva de verão
Repica de encontro ao vidro
E fico apenas a observar
O murmúrio das mulheres que choram
Pelo retorno de seus amores
Arrancados de seus lares
Quem sabe por outro amor
Forasteiro que ligeiro se foi.

Se toda esta água pudesse lavar
A alma impura de tanto ralhar
Mas nada pode fazer
Diante de tamanha força da razão
Que não aceita comiseração
Pelo amor que foi errado
Amar por perdição
Somente se ama para perder
Melhor dito que a maldição
De amar novamente.

Ainda que venha sofrer
Um amor não correspondido
Um amor renegado
Um amor não merecido
Melhor sofrer do que
Nunca ter amado.

Seja ela viúva, casada ou
Desquitada
Seja ela mãe de santo
Seja ela santo da mãe
Quando o amor aparece
Nenhum título importa
Marquesa pode ser
Manda-chuva pode ser
Ser cega de um olho
De perna de pau
De pele encardida
Marcada e mordida
Maldita hora que te conheci.

Vai

Quando o Souza de casa saia
sua mulher sempre falava:
- Vai com Deus - e ele ia,
ao trabalho não faltava.

Quando era a mulher que saia
toda vez ela falava:
- Souza, fica com Deus.
E o Souza em companhia ficava

Mas no domingo lá na praça
Estouravam fogos pro futebol
Ninguém viu, foi tão rápida a desgraça
A criançada na gritaria nem cismava

Não deu tempo, foi tão rápido, o Souza
com a mão no peito caiu, morreu.
E ninguém disse: Souza, vai com Deus.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Conforma-te, e acostuma

Beijos de despedida
São salgados
Demorados, são uma vida
No adeus dos separados

Num momento,
Um morno abraço
O inexorável que precede
O frio vazio, o espaço

Vem dos olhos para os lábios
Da despedida a vil questão:
Por quê, Amor, que tu nos tira
Quase inteiro o coração?

E então quem antes
Dav' um abraço
Mal tem forças
Num adeus, erguer o braço

O calor que a mão antes sentiu
Agora sente e ouve o vento frio
"Conforme-te e acostuma!..."

Nesse olhar que diz adeus
Em silêncio, não há alegria
Mas um'alma clamando a Deus
Na dor da morte da agonia

Os mil momentos de ternura
Que empregaram lado a lado
Piscar de olhos
Frente a um adeus tão demorado..

E então olhando para o sol
Num lindo dia de Primavera
Vê que ele reflete
A beleza que é só dela

Amor de amada e de amante
Em teu adeus, na despedida
Sentou ao trono, em mim, reinante
A Tristeza - sempre só - em minha vida

Meu coração é teu, somente teu
Como ao mar pertence a escuma
E o vento frio me repetia:
"Conforma-te e acostuma!..."