terça-feira, 24 de abril de 2012

Tudo parado

Pela avenida havia
Um sinal vermelho
E todos de repente
Paravam
E paravam de viver!
Nada mais faziam
Nem respiravam
Por um momento apenas
E o mundo também parava
De girar

Apenas um Buda de pedra
Que parado olhava
Com seus olhos finos
Sorria
Demoradamente
Sem pressa
Que o sinal mudasse
De cor

Um tempo demorado
De minutos parado
Numa esquina da rua


domingo, 15 de abril de 2012

Caminhante e o caminho

Pelas estradas da eternidade
Apenas o pó sobressaltando-se
Dos sapatos que pisam descompassadamente
Para algum lugar impossível
De chegar um dia
Sem partida alguma
Nunca fora realizada
Poderia parar
Por uma teimosia
E pararia de viver
E pararia de andar
Se isso acontecesse
O próprio caminho
Andaria por mim
Pois nenhum caminho existe
Se inexiste o caminhante
Errar é preciso pelos caminhos
Que não existiam antes
Que existirão para sempre

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Por um momento

Ainda que dolorida seja
Uma dor não pretendida
Não foi por acaso
Um encontro desnecessário
Em que a felicidade não passou
De um vento sorrateiro
Brincando por acaso
Nos papéis picados
Que saltitantes
Assentaram-se depois
No chão
Para serem varridos

terça-feira, 10 de abril de 2012

Jogos da infância

Nunca coloquei uma pipa
A voar
Além dos dois metros
E nunca meus sonhos
Foram além dos dois metros.

Nunca invejei as pipas
Coladas no céu azul
Em linhas esticadas
Unindo a terra
Com todo firmamento.

Pois a minha pipa voava
Apenas dois metros
Até cair
E quebrar-se todo.

Nunca me importei com isso
Como se isso fosse importante
Importante eram os lábios
De Elizabeth
A filha da empregada
Que não gostava de pipa
Que brincava de boneca
Eu era Jack "o Extripador"...

As caminhantes da procissão

Aquelas mulheres de negro
Percorriam a procissão
Nas noites escuras
Iluminadas por velas
Carregadas por elas
Por todos que seguiam
Em passos cadenciados
A longa via de uma morte
Anunciada
Carregando nas costas
O peso do mundo
Com todos os apegos
E sofrimentos
E dores doídas
De uma ilusão que não cessa
De continuar cessando
Uma ilusão que fora boa.

Pelas noites afora
Continuam caminhando
As mesmas velhas
Vestidas de negro
Com seu canto distanciado
Anunciando
Uma nova ilusão
Alimento que nutre
Os eternos iludidos
De uma vida iludida
Que desesperadamente
Quer ser verdade.

Após temporal

As noites cada vez mais longas
E longas são os nossos desesperos
Na procura de algo perdido
Que jamais será encontrado
Senão os destroços de uma casa caída
Após a passagem de um temporal

sexta-feira, 6 de abril de 2012

A moça passava

Passava todos os dias
Na rua em que morava
Passava com seus passos
Em movimentos suaves
Passava despertando
Minha atenção
Tinha mais idade do que eu
Mas nada disso importava
Nem quis falar com ela
Apenas fingia
Que não a notava
Um dia descobri o seu nome
Era Terezinha
Era Terezinha que passava
Na passagem de minha infância
Que ficava cada vez mais
Para trás

E agora
Passados tantos anos
Às vezes sinto ainda
Terezinha passando
Em minha memória
Naquela mesma rua
Em que morava
E ela também
Fingindo que não me via
E eu também
Fingindo que não a via.

Periferia

Deste lado da cidade
Uma favela sem nenhuma
Vaidade comemora o domingo
Na calçada mesmo
Enquanto dos carros
Olhares estranhos
Apenas olham
Horrorizados
A alegria latente
De um homem
Que nada mais deseja
Do que um copo que rola
De boca em boca
Entre iguais.

Sexta-feira Santa

Em algum canto desta
Cidade
Um canto era cantado
Melodicamente
Numa voz melancolicamente
Arrasada
Pois era
Sexta-feira Santa
Que percorria as ruas
Em procissão
Carregando numa maca
Todo o peso do mundo
Todos os pecados
Cometidos
E os não cometidos
Por homens arrependidos
Sem culpa alguma
De serem homens
Apenas homens
E mulheres...

terça-feira, 3 de abril de 2012

Brandindo pela noite

Havia um jeito especial
De por o violoncelo entre
As pernas
E brandir a vareta
Pelas cordas esticadas.

Nada mais havia
De mais belo do que
Tocar violoncelo.

O vento assobiava

Quando passava por aquela rua
Alguém assobiava uma melodia
Uma suave e triste melodia
Alguém sofria pela amada
Que se fora.

Um vento soprava por entre
Os galhos de uma árvore
Que pendia
E pedia água.

Continuava a assobiar
Continuava a soprar
Sem que ninguém pudesse fazer
Pois nada mais havia
Senão ouvir
Pela noite afora.