quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O home que gostava de ficar

Era um homem que gostava de viajar
Viajava, viajava
Sempre observando por onde passava
Olhava tudo, cheirava e tateava

Gostava muito de viajar
Mas, mais do que de viajar,
Gostava de ficar

Pra onde ele fosse
Onde quer que ele viaja-se
Lá, pra sempre, ele ficava

Até o final do infinito
Ele permanecia no mesmo lugar
E assim em todos os lugares em que ia
Chegava e ficava para sempre
Até mesmo para onde ele nunca foi,
Já estava lá para todo o sempre

Isso por que gostava de viajar
E mais do que isso,
Gostava de ficar
Dia de verão
No asfalto giram folhas
Quando passam carros

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

domingo, 20 de fevereiro de 2011

As mariposas

Por todo meu caminho
Eram muitas as mariposas mortas
Que nunca foram enterradas
Pois as mariposas não precisam
De uma morada no fundo da terra.

Elas moram todas elas na noite mais escura
Do fundo de minha alma.

As palavras mudas

Toda formalidade das formas possíveis
Do encontro dos olhos
Que dizem algo diferente
Do que demonstram ser
Para que assim um jogo
De palavras não ditas
Possa parecer uma emoção
Que por pura convenção
Procura-se ocultar
Mas que as partes conhecem
Uma brincadeira de esconder
Diante de uma platéia
Que nada faz do que
Desconfiar.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O lírico é sempre social

Essa universalidade do teor lírico, contudo, é essencialmente social. Só entende aquilo que o poema diz quem escuta, em sua solidão, a voz da humanidade; mais ainda, a própria solidão da palavra lírica é pré-traçada pela sociedade individualista e, em última análise, atomística, assim como, inversamente, sua capacidade de criar vínculos universais.

ADORNO.T,Teoria Estética, Lisboa: Edições 70, 1982, p.67

Noites de fevereiro

Bem a noite chega
Uma canção espanta a melancolia
Destes tempos de incerteza
Em que fevereiro muito mais
Incomoda a alma pequena.
Se fosse marinheiro não seria
Se fosse cavaleiro não seria
Solitária alma pequena.
Mas as sombras são bons amigos
Para quem queda na quietude
E por pouco não cai em sono profundo
Em que o mundo é boa morada
Para os que não perderam a esperança
E assim esperam sem se deter
Nunca
Nem com a calmaria
Nem os tufões o amedrontam
Mas medo tem
Dos amores de Maria.

O poema lírico e o univesal

Não que aquilo que o poema lírico exprime tenha de ser imediatamente aquilo que todos vivenciam. Sua universalidade não é uma volanté de tous, não é a da mera comunicação daquilo que os outros simplesmente não são capazes de comunicar. Ao contrário, o mergulho no individuado eleva o poema lírico ao universal por tornar manifesto algo de não distorcido, de não captado, de ainda não subsumido, anunciado desse modo, por antecipação, algo de um estado em que nenhum universal ruim, ou seja, no fundo algo particular, acorrente o outro, o universal humano.

ADORNO.T, Teoria Estética, Lisboa: Edições 70, 1982, p66.

Mensagem de outro

Algumas frases ditas
Estas mesmas
Escritas nas paredes
Sujas e imundas das ruas
Podem ser de serventia
Não uma filosofia barata
Um filosofema apenas.

Dizia aquela
Com todas as letras
E malditas profecias:
“Recordar é sofrer
Esquecer é viver”
Como que falasse
Justamente a mim.

Sem justificativas
Dizia a mim mesmo
Para que viver
Se o sofrimento
É uma condição
Da própria recordação.

Que serve o sofrimento
Se o esquecimento
Se tornar um acontecimento
Vulgar?

Sofremos porque a dor
Incomoda menos
Muito menos
Do que a indiferença
Diante daquilo que não
Pode ser esquecido.

Poesia se torna arte

É isso o que se deve esperar, e até a mais simples reflexão caminha nesse sentido. Pois o teor (Gehalt) de um poema não é a mera expressão de emoções e experiências individuais. Pelo contrário, estas só se tornam artísticas quando, justamente em virtude da especificação que adquirem ao ganhar forma estética, conquistam sua participação no universal.

ADORNO.T, Teoria Estética, Lisboa: Edições 70, 1982, p.66

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Garota trovão

Aquela sim era uma rapariga teimosa
Que falava contra
Ia de frente
Sem se importar com coisas
E nada a tirava de seu rumo

De palavreado forte
Esgrimava tudo e todos que
Tentavam um ponto
Contra seus atos
Que também não tinham nada de calmos
Alarmantes, estrondosos e repentinos

Trovão! Sim, trovão!
Deveria se chamar trovão
Ou ao menos ganhar um apelido carinhoso
Que se seria aceito, já é outra estória!

Que me leva a escrever

Pergunto-me às vezes
Que motivo tenho
Se motivo realmente tenho
Em compor poesia
Se realmente aquilo que escrevo
Seja poesia
Se não for nenhuma diferença
Pode ser uma palavra diferente
Um mundo diferente
Por estar cansado de viver
Neste mundo tão igual
Em que todos pensam igual
Igualmente nada fazem
Do que o que sempre fizeram
Sem nada muito original.

Queria escrever sobre um mundo
Diferente
Em que todos pudessem viver
E falar
E cantar
E dançar
Sem nada ganhar por isso.

Queria escrever sobre a angústia
Que sinto
De continuamente mastigar a mesma
Massa plástica com gosto de frambroesa.

Queria escrever sobre a tristeza
Dos amigos partindo sem despedida
Das meninas que se tornaram mulheres
E não querem mais brincar
O jogo da amarelinha.

Tenho motivo demais
De continuar escrevendo
Pois um incômodo ligeiro
Incomoda meu pé enfiado
Num sapato com pedra.

Um sonho real demais

Alguém me disse
Que uma tristeza sente
Imensa tristeza sempre
Quando o sonho acaba
E vem o dia
E a luz que cega
A janela aberta
Que mais cega do que
Revela
Um mundo totalmente
Às avessas
Daquele mundo
Em que sonhava
Em que vivia livremente
E podia amar livremente
E se sentia gente.

Imensa era a tristeza dela
Só de pensar que era
Tão somente um sonho
Um sonho que não era
Realidade.

Mas esta realidade dura
Engessada e impura
Se põe como a verdade
Em que toda falsidade
Se torna norma comum
Pelo fato dos olhos enxergarem
Pelo fato dos ouvidos ouvirem
Sem saber que nada enxergam
Sem saber que nada ouvem
Que todos os sentidos mais grosseiros
Nada sentem do que um falso sentido.

No sonho
Justamente no sonho
Todas as possibilidades acontecem
Toda ordem é estabelecida
Nem precisa de polícia
Não há batedor de carteira
Todas as mulheres são livres
E suas bocas sedentas de outras bocas
Para alimentarem-se de pão e de amor.

Imensa era a tristeza de saber
Que o sonho acabou?
Mas quem pode afirmar
Que não se trata de outro sonho
O sonho desta vida
De olhos arregalados
E um susto no rosto.
Ar condicionado
Como última saída
Range incansável

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Amor de minha vida

Alguns vivem de amor
Outros vivem de feijão
Outros ainda vivem de filosofia
Pensei que vivia dos três motivos
Nenhum outro haveria de ser
Mas errei.

Vivo agora por causa
De um único ser
Minha vida só se explica
Se existir em minha vida
Losartana Potássica.
Este é o nome
Suave e doce.

Se ela se for
O que será de minha vida?
Não existiria
Só sei que não existiria.

Como fogo ardo

Fevereiro nunca acaba
Minha febre nunca acaba
Que ferve em minha alma
Como um caldeirão em brasa
Um ferreiro malhando bigorna
De uma barra quase derretendo
Numa alquimia líquida
Sem deixar uma pedra fria
Que logo em fogo em fogo forma.

Como acabar com o fogo
Se de fogo fui formado
Sou o fogo que arde
Na epiderme de um louco
Que bebe poesia
Que come poeira.

Por falar demais

Nem uma palavra a mais
Qualquer palavra que fosse
Nada mais seria do que
Uma grande mentira.

Por isso as palavras
Não são necessárias
Para falar
Nem o olhar é necessário
Para olhar
Não se fala
Não se olha
Para falar diretamente
Para olhar diretamente
No mais profundo abismo
Do entendimento humano
Seria desumano se não fosse
Assim.

Quanto mais tentamos
Uma vez
Duas ou três
Enganar a nós mesmos
Enganar os outros
Logo somos pegos
Cometendo o erro mais
Banal
E só nos resta uma vergonha
De estar sempre rodeando
Em constante redemoinho
Um joão bobo da existência
Pantaleão que desejava
Ser sério
Mas de sério
Nem o amor de Iracema.

Na calada da noite

Ao avançar da noite funda
Num vale profundo de todo sono
Sorrateiramente chega
Uma patrulha de assalto
E logo vai carregando na surdina
Tudo o que o mendigo tinha
Suas roupas velhas
Seu colchão e cobertor
Nada mais tinha do que isso
Mas daquele mendigo não levou
A noite quente de verão
O calor da rua que ainda
Esquentava um corpo de ossos
Que doía no chão duro.

Não levou a liberdade
Do mendigo
Nem sua dignidade de ser
Apenas mendigo.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Queria andar de bicicleta

Queria andar de bicicleta
Como todos os outros meninos
Que zombavam de sua cara
Queria andar de bicicleta
Pra poder ir onde pudesse
Pra poder querer ir aonde quisesse
Mas não sabia nem montar
Tanto que, quando foi sozinho
Se esborrachou todo
Com marcas que foram junto com ele
Aonde ele fosse
Só quando já grande
Resolveu se reconciliar
Com a magrela traiçoeira
Que não mantinha equilibrada
A auto-estima do rapaz

É pra carnaval
O andar sincronizado
Na vinte e cinco de março

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O motorista amado

Todos os dias
Ela esperava no mesmo ponto
O mesmo ônibus
Com o mesmo motorista
Mas nunca chegou a entrar.
Tinha medo que seu coração
Fosse guiado para longe
E que assim
Nunca encontraria o caminho de volta
E pior ainda
Se a passagem fosse cobrada
Pagando uma viagem desconhecida
Por isso tudo
Resolveu ficar ali
Sentada
Esperando o ônibus passar
E ir embora
Fazendo essa viagem
Só em pensamentos

Nem é sexta-feira
Mas o happy-hour já
Bebida gelada

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Um castelo em ruínas

Quando vejo o castelo em ruínas
Quanta tristeza me traz
Nada mais resta do que
Um passado que deixou de existir.

Em meio aos muros numa noite
Tenebrosa ainda a lua passeia
Revelando sombras
Escondendo formas.

Os guerreiros que lá lutaram
Morreram todos
Com seus corpos cobertos
Por armaduras
Nas cabeças os elmos
Lanças partidas.

Por um momento
Num sonho novamente
De seus túmulos levantam-se
Os guerreiros do passado
E disparam em seus cavalos
Para nunca mais pararem.

Quisera estar entre eles
Trincando nos dentes
Um ramo de hortelã
Ao cruzar defronte
Da Ursa Maior
No céu noturno de fevereiro.

Sou a contramão da vida

Alguns nasceram para ser
Santo
Outros nem tanto
De santo nada tinham
De um amigo que tinha
De criança queria ser
Santo
Quanta santidade havia
Naquela alma pequenina.

Quanto a mim nada queria
Nem ser santo
Nem ser demônio
Quis ser um dia poeta
Quanto li Manuel Bandeira
E de bandeira levantada
Comecei a compor.

Parei de compor para ganhar
A vida
Perdi toda a vida fazendo asneiras
Do lado de cá
Do lado de lá
Perdi o amor de Maria Luiza
Ganhei o amor de Maria Padilha
E tudo ficou na mesma.

Como invejo meu velho amigo
Que de criança queria ser
Apenas Santo!
Que me resta de mim
Nem poeta fui suficiente
Nem presidente
Sou o lamento que restou
No assobio de um negro
De uma banda de jazz.
Monótono e que faz
Chorar.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Filósofo de fila

Embora todos sentem em fila
A numeração não está na ordem
Quanto tempo deve passar
Quanto tempo já passou
Neste lugar onde a lógica...
- Opa, chegou minha vez.

Metrô

As casas andam muito rápido
Quando ando de metrô
- Parem!
- Assim vão se cansar logo!

O domador

Se fosse um domador
Seria de palavras
Pois nem o leão, o urso e o macaco
Escapariam
Das frases certeiras
E acrobatas
Disparadas num caderno

Chuva de verão
Tampado pelas gotas
Some o horizonte

-

Canários em bando
Voando em disparada
Onde vão pousar?

-

Ouço as palmas
Das folhas que balançam
Brisa de verão

-

Risada singela
Daquele homem grande
Calor do verão

-

Chuva de verão
Cai rápida e certeira
Embaça meus óculos

-

Chove em fevereiro
Rio de rua é como
Rio de matagal

-

Rio da calçada
Que acumula as folhas
Da chuva rápida

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Sem graça alguma

Para quê usar óculos de grau
Se sem grau algum podemos ver
Numa fresta da janela a claridade
Inundando toda a sala em que
Qualquer lembrança não passa
De uma névoa que se abaixa.
Assim que a poeira abaixa
Vem uma tristeza
Pelo fim da ilusão
Pelo fim de toda verdade.

Atravessa neste momento
Um carro alegórico
Que por fim nada tem
De graça!
Quanto coisa no coração!
Dor, alegria, saudade
Glória, coragem e medo...
Amor, mas amor com saudade
Daqueles que dóem gostoso
Com vontade de chorar escondido,
Por trás de olhos serenos.
Tentar esquecer a saudade, a dor,
O medo, a mágoa, a alegria, o desejo,
Abraço mais ainda todos eles;
Saudades de vocês, dela e dos bichos.
Saudades do medo da altura,
Do medo dos helicópteros em rasante
Do meu medo olhando a calma de vocês,
Sentados, eretos, respirando,
Rochas firmes num rio caudaloso:
As águas passam furiosas à nossa volta,
E eu me seguro como posso!
Virar peixe e nadar e me salvar,
Ou morrer afogado como homem?

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Quero ir para longe

Por um longo tempo
Para o Deserto de Gobi
Pensei me ir para sempre
Levando comigo apenas
A roupa do corpo
Um saco de lembranças
Logo esquecidas
Não para começar
Uma nova vida
Nem uma vida já começada
Mas apenas para sentir
O vento soprando
Por cima da areia
Apagando de vez
Os passos deixados
E alguns tropeços
Amores não realizados
Amores que não passaram
De uma noite de verão!

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Um rosto duro

Como posso fingir
Um sorriso que deixou
De existir
Se não existe mais motivo
Nem para o sorriso
Nem para o encontro
Que não se repetiu.

Sino da igrejinha

Quando toca o sino
Da capela da Vila Esperança
Blém... blém... blém...
Alguém acaba de nascer
Assim acaba de anunciar
Numa praça foi ao encontro
De Maria das Dores
De Xico dos Prazeres
Que numa vendinha
Vendia velas e doces de abóbora
Para a alegria das crianças
Em dia de Cosme e Damião.

Mas o palhaço de um circo esfarrapado
Que instalou-se num terreno abandonado
Está apaixonado pela dançarina
Que nada quer senão
Um príncipe encantado.

Quando toca o sino
Da capela da Vila Esperança
Blém... blém... blém...
Começa o espetáculo!

Quando o mundo pára

Ao cair da noite
Um gole apenas de café amargo.
Por cima das ruínas o vento passeia
Sem levantar poeira
E num silêncio demorado
Faz do tempo um tempo parado.
E parados ficamos sem que nada
Mais aconteça.
Acontecimentos que se foram
Confundem-se com acontecimentos
Do agora que nada acontece.
Assim a cidade dorme
Para que a vida aconteça
Nos sonhos em que
O impossível se torna a ordem
Sem pecado algum
Sem culpa
E a sinceridade se torna a ordem
Com toda a verdade
Com toda a disposição.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

a casa do desapego
* última poesia
ou inacabada

Quando você vier à esta casa
vai encontrar o tempo puindo farrapos,
será claro como o vento, será sempre dia e
haverá paredes brancas se desfazendo em cal

Ainda estarei aqui...

Não estarei lá, mas te digo já, pode entrar...
Haverá vultos - impressões, marcas de corpos
- Não se assuste com os tacos gastos

Quando você vier estarei à sua espera e ainda que você me veja terei saído em viagem longa e sob as sombras do nosso jardim de folhas verdes seguindo o caminho sempre longe-longe

Sem cigarra

Mesmo no calor
Essa noite é sem cigarra
Que tanto trabalhou ontem
Hoje trocou seu turno
Com o guarda noturno
Que continuou a zumbizar