sábado, 19 de março de 2011

Irrealidade da vida

Quando acordo
E meus olhos sentem
O brilho do sol
Cada vez mais
Os meus olhos ficam
Cegos
Por um exagero
De informações visuais
Que numa confusão
Confundem
E perdido dentro delas
Sou apenas uma borboleta
Passando diante
De um bosque em floração.

Quando acordo
Um exagero de realidade
Queima pelo asfalto
Numa tarde de verão
Levantando vapores
De um petróleo viscoso
Que gruda em minhas botas.

Quando acordo
Deixo uma outra realidade
Menos impossível de ser vivida
Em que outro ser
Caminha feliz e na liberdade
Habita seu mundo idílico.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Perigos da vida

Uma falta de consistência
Nos passos em que afundo
Mais fundo no barro da existência
Meus pés enfiados em botas
Que esmagam meus calos
Mal formados
Cuja calosidade maltrata
Este corpo em decadência.

Firmar os pés
Onde firmeza alguma
Tem qualquer validade
Como a pisar em nuvens
Nenhuma solidez acontece.

Viver
É correr riscos
De um mundo cada vez mais
Desconhecido
Em que somente os sonhos
São possíveis
Diante da impossibilidade
De uma vida concreta
Em vias de concreto
E cimento armado
Que de duro trincou
Ao menor abalo
De um terremoto de emoções.

Ainda um sonho

Não sei que imagem são estas
Serão estas de um jogo eletrônico
Dessas que brincam as crianças?
Que enfrentam monstros espaciais
Godzilas que chegam do mar
E em instantes destroem a cidade
De Tóquio.

Não se acredita jamais
Que as águas vindas do mar
Possam de fato
Tornar a terra mar
Arrastando barcos
Das casas que havia
Nada mais havia mais
Do que escombros arqueológicos
Do que foi um dia
Uma vila de pescador.

Minha oração é vazia
Silenciosa neste instante
Minha oração é passageira
Como passageira é a vida.

Problema do outro

Uma enxurrada avança pelas terras
Uma enxurrada revela tensões
Descobrindo por onde passa
Um sentimento de medo
De ser engolido de repente
Pelo desconhecido fluido líquido
Que mata e faz nascer também
Um ato de complacência
E de tamanha intolerância
Que na indiferença
Nada mais faz do que
Nada fazer
Enquanto os mortos enterram
Seus mortos em covas rasas
Deixando com que uma maré negra
Penetre pelos arrozais
Nas frinchas da terra salgada
Para que nunca mais
Possa ser cultivada.

Mas a vida continua
Para os que perderam casas
Mas a vida continua
Para os que perderam filhos
Continua inclusive para os que
Leram jornais e telegramas
E minimizaram a dor
Pois a dor sempre foi a do outro.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Lembranças difíceis de apagar

Tão rápido
Como uma onda no mar
As manchetes já são poucas
Que restaram
Penduradas nos varais
Das bancas de jornal
Que vai caindo também
Da lembrança de alguns
Que pra lá nunca foram
E nunca pensam em ir

Mas ainda hoje
Mesmo que aqui dia
E lá noite
A lágrima ainda é mais salgada
A chuva é mais gelada
E o alimento escasso
Em um corpo
Que ficará marcado
Para jamais esquecer

terça-feira, 15 de março de 2011

Todos se foram

Quantas cegonhas tsuru
Terei que dobrar
Para um pouco que seja
Seja para sanar a dor
Daqueles que viveram
Para contar esta história.

O mar veio por terra
E de terra nada mais sobrou
Da terra tudo levou
Para o fundo do mar.

Agora vivem todos
Num castelo de conchas
Para nunca mais voltar.

Agitação do mar

Havia naquele dia
Uma agitação desigual
Anormal para os padrões
Normais da movimentação
Do mar
Que tomado de fúria
Voltou-se contra os homens
Que frágeis pereceram
Afogados
Para não contar a história.

A morte que vem do mar

Ainda que procure manter-me
Distante
Das águas que por lá passaram
Levando barcos e sereias
Por cima de suas ondas
Nunca fiquei tão próximo
Em meu silêncio
Que tudo desconversa
Para não se tragado de vez
Pelos redemoinhos
Que agitam minha consciência.

Meus olhos nunca choraram tanto
Pelas mulheres que afogaram
Seus corpos pesados de encantamento
Seus filhos que nunca serão adultos
Pelo impedimento de terem em suas bocas
O gosto do sal.

Todos os sonhos se foram
Numa maré negra de destruição.
Após a desdita nada mais resta
Do que enterrar em fossa funda
Os destroços de uma vida tranqüila.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Lá de longe

Um homem que caminha pela vida
E deixa a vida caminhar por ele
Sem as preocupações
Suas marcas tatuadas na pele
Pode fechar os olhos primários
Que jamais se perderá
Com os olhos verdadeiros
Guiados por aqueles
Que mesmo longe
Estarão sempre ao seu lado

Não mais Pacífico

Para alguns foi um dia normal
Para mim foi quando as terras e as águas
Levaram, não só meus sonhos
Mas o de muitas outras pessoas

E tão logo são enfeites nas páginas dos jornais
E tão logo são semblantes cabisbaixos
Vagando pela cidade desnuda
Que é mostrada sem pudor
Pela grande mãe sem misericórdia

domingo, 13 de março de 2011

Em profundo silêncio

Ainda que meu rosto
Nada mais revele
Do que um semblante
Branco e ignorante
Minha alma chora
Pelos mortos
E pelos vivos que sofrem
Tamanha destruição.

Uma parte de mim
Também morre
Nas águas em tamanha
Violência.
Em meu silêncio
A pulsão do coração
A dobrar repetidamente
Uma oração.

A invasão das águas

Que as almas levadas
Pelas águas do Pacífico
A inundar as terras baixas
Encontrem paz
Nas espumas do mar
E voltem novamente
A mergulhar nas profundezas
E silenciosas águas
Da inconsciência
Tranqüilas e escuras
Compartilhando com os peixes
Um eterno sono
E assim possam sonhar
E assim possam viver.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Acalanto sujo

Lambida de cachorro
unhada de barata
banho da chuva
beijo de sarjeta

Aqui, onde caiu a calçada
- que onde não havia -
Nessa cabeça esponjosa
mendigo e amanheço.

Sento
Como e
Durmo mendigo
Bebo.

Vagueio

(horas)



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