segunda-feira, 29 de março de 2010

Mulheres de negro

Havia naquela rua em que vivia
A batida dos sapatos em direção à
Praça central em que ficava a matriz.
Eis que passavam as filhas de Maria
Com véus cobrindo a cabeça inteira
Rosários na mão uma medalhinha
Não se sabe de quem amarrada
Numa linha vermelha.
Era assim sábado e domingo
Pisando firme o chão de pedra sabão
De minha memória remota
Que volta agora como fantasma
Do tempo que deixou de existir
Trazendo novamente quando
A semana santa se faz presente.
Novamente em minha presença
O gosto amargo de um chocolate
Retirado gelado de um congelador
De toda minha existência.
Sempre aquelas mulheres de negro
Carregando o pecado do mundo
Elas próprias pecadores e caminhando
Em busca de salvação de si próprias
Ainda existem dentro de mim.

domingo, 28 de março de 2010

Álbum de retratos

Uma foto antiga de minha avó
Num álbum igualmente antigo
Desses contrabandeados para cá
Numa mala a bordo de um
Barco imigrante em tempo passado.
Para cá veio para quê
Não se sabe direito
Talvez fosse um destino ruim
Ao abandonar a florada da cerejeira
Anunciando o início da primavera.

Os sonhos de então de moça sonhadora
Lentamente foram se desfazendo
Papel arroz amarelando lentamente
Um desenho de dois peixes se enrolando
Também desapareceram.

Seu rosto jovem envelheceu
E as rugas vieram mais negras eram
Queimadas pelo sol abrasador
Dos cafezais do interior
Sem deixar saudade alguma.

Desses tempos idos sobraram somente
Um algum de retratos!

A alma vendida

Um pouco de chá verde
Para curar a incômoda insolação
Que aflige a alma doente
Dos que se encontram fora da mão
Da via principal de uma vida
Comportada e temente às leis
Que pune qualquer afronta
Às normais tradicionais
Que de velho caducaram.
Mas obedecer sempre
Foi a condição que alguns
Seguem outros não
Alguns cantam uma ópera
Imitando Caruso
Outros querem ser Don Quixote
Outros ainda não querem ser nada
Além de funcionário público
Com todos os direitos e os tortos
De uma carreira confortável.
E assim continuam obedecendo
Às normas tradicionais
Que de velho caducaram.
Nenhuma desobediência
Por mais criativa que seja
Vale a pena
Nem a criatividade
Vale a pena
Num mundo cada vez mais
Pouco criativo
Pois a falta de criatividade
Está dentro da lei.
Somente a vida inteira
Vale a pena
Mas ela se encontra
Totalmente tonta
Diante das adversidades
E fragmentada como o
Espelho de um caleidoscópio
Comprado quando criança.

sábado, 27 de março de 2010

Dominado pelo mundo

Um cão vira-latas não tem
Um destino sequer traçado
Onde quer que vá sempre
Estará arrepiado de pelo em pé
Não de susto de comiseração
Pelos homens alucinados
Pelas mulheres que deixaram de sonhar
Pelas crianças que não brincam mais
E assim a vida se tornou mais soturna
Em nome do desencantamento
Que nada mais sente que uma dor
Profunda imensamente funda a bulir
Nas artérias de uma existência
Sem consistência alguma.
Por isso temos que rir
De nossa cara de apreensão
Perdidamente absurda
Num mundo igualmente absurdo:
Cai a máscara de repente
Mas o rosto não passa de outra
Máscara idêntica à outra.
Nem ao menos para ser
Diferente!
Diferente é a gargalhada
Da noite que não silencia
E continua a ecoar
Pela eternidade.
Diferente é parar de fazer
O que todos continuam fazendo
O que sempre fizeram
Menos por rebeldia
Sem pedras nas mãos.
Apenas sorrir a ironia
Das contravenções.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Virando a moeda

Quando o dinheiro não chega
Melhor não tê-lo do que a fama
Por inteiro de interesseiro
Sem interesse algum por fama
Compõe poemas de perdição
Para alegrar a vida dos que
Perderam a fé desta vida
Deveras fingida e retida na língua
Um palavrão.
Quando o dinheiro não chega
Ensine o gato a dançar em tempos
De chuva.
Cante uma ladainha para animar
A festa das moscas em tempos
De verão.
Me faça companhia e conversemos
Coisas importantes como
Minha coleção de figurinhas.

Nem alto nem baixo

Nunca vi uma pipa
Subir tão alto assim
Que pudesse causar
Mal estar na retina
Daqueles que sempre
Olham para cima
Para cima apenas
Sem que o resto existisse
Mais.

Alguns morrem de bebedeira
Outros de enfarto fulminante
De briga de faca
De língua afiada que mata
Mais
Que qualquer morte matada.

E quanto a mim
O que me resta senão
Uma folha branca de papelão
Que não serve para fazer pipa
Que não serve para cortar tal faca
Mas o mundo inteiro cabe nela
Num verso ingênuo apenas.

Delete ou de leite

Hoje faço poesia
porquê não há nada para fazer
Faço poesia, e hora,
porquê não me deram dinheiro -
nem um centavo, nem esmola
Faço porquê é simples pra burro
raspar o carvão, sujar o muro
arrancar duas ou três palavras, bestas,
amontoadas como essas, pra fora da cabeça.
E é tão fácil o erro, nunca errei, é só deletar,
fica o que é bom, fica só o certo no ar
Mas, uma coisa me intriga
Para onde vai a rima? — quando não a houve
Para onde vai a palavra mal versada
depois de deleitada? (apaga) de-le-ta-da

Desvãos

"........................"
(........................... )
(.......................... )
(........................ )
(.............................. )
-......................... -
( .............................)
( .......................)
(.......................... )
(......................... )
( ......................)
(..................................... )
(................................ )
(.................. )

O ato inútil de não servir

Ainda a pouco, respirei fundo no meio do jardim,
bem próximo da terra úmida, respirei e prendi
até não agüentar mais, até tudo rodar, quase cai...

No ócio há companhia, por isso vim até aqui.
Nem fui convidado, estou aqui por um mero descuido,
quero dizer, por uma seqüência ruidosa de erros.
Nem mesmo sei o que faço neste campo —
agora passo a mão na bananeira, há um pó branco

Será que há bananeiras na lua?

Estou não servindo para nada,
não há nada por aqui que dê dinheiro,
todo este trabalho, todo este desalinho, em vão.

O tronco da figueira é cheio de irregularidades,
enquanto o da jaboticabeira é liso e descamado, isso
nem vou anotar, pra quê? Arquivo morto não me serve.

Olha, ainda pouco respirei por uma narina só...

Um bem-te-vi! Este sabe ser, em todas as situações
— isso vou anotar, quer dizer, fingir que vou
como eu já disse, aqui não dá dinheiro, passo,
outro passo. Não tenho contrato,
ninguém rezou um para mim,
vou ficando assim,
por aqui...

quarta-feira, 24 de março de 2010

Metas e tetas

Não muito longe daqui
A mulher negra de pedra
Continua amamentando
Com suas tetas fartas
A esperança das crianças
Que se recusam a crescer.

Muito próximo daqui
Nenhuma esperança é possível
Os homens crescidos
Querem agarrar as tetas
Não mais como crianças de antes
Como adultos que perderam
Totalmente a inocência.

Aquela velha casa

Nunca consegui sair
Daquela casa
Em que nasci
Em que cresci
Em que conheci
Meus amigos de então
E eles onde estarão
Um chamava-se João
Dizem que João foi ser escritor
E o preto Pingo
O que a vida lhe ofereceu
De bom e de mal
Ao atravessar a rua
Foi mal:
Um carro arrebatou-o.
Mas tinha também o Zé
Que tocava violão de
Uma corda só
Ficou famoso na região
Foi tocar na religião
Da missa das oito.
E Mariana de cabelos
Encaracolados e loiros
Nunca vi alguém
Com olhos tão azuis
Como os mares do Caribe
Como o Triângulo das Bermudas
Em que naufraguei e acabei
Sufocando todas minhas mágoas.

Aquela casa ainda existe
Dentro de mim

Aquela casa que foi vendida
Depois demolida
Nada mais existe mais
O que lembre a velha casa.

Aquela casa ainda existe
Dentro de mim

E habito seus corredores
Tirando teias de aranha
Dos quartos em que passei
Parte de minha vida.
A velha Benedita na cozinha
Fritando sardinha...

Em teu crespo jardim anêmonas castanhas

Em teu crespo jardim, anêmonas castanhas
detêm a mão ansiosa: Devagar.
Cada pétala ou sépala seja lentamente
acariciada, céu; e a vista pouse,
beijo abstrato, antes do beijo ritual,
na flora pubescente, amor; e tudo é sagrado.

ANDRADE, Carlos Drummond de. O amor natural: RJ, Editora Record, 2000, p.21

Boceta

Arnaldo Antunes

da entrada à entranha
dessa eterna
morada
da morte diária
molhada
de mim
desde dentro
o tempo
acaba

entre lábio e lábio
de mucosa rósea
que abro
e me abra
ça a cabe
ça o tronco
o membro
acaba o tempo

terça-feira, 23 de março de 2010

Um tango em nossas vidas

Foi numa praça de Buenos Aires
Que vi: um casal bailava.
Dramático era o movimento
A mulher fugia
O homem a puxava
E ela arrebatada mirava
Seus olhos nos olhos dele
Olhos de lince e como lanças
Ameaçava e furava a menina
Dos olhos dele.
Antes menina depois mulher
Num cabaré foi viver
Para bailar todas as noites
Com todos os homens de terno
Inglês e sapato de couro alemão
Mas não seria de homem algum
Pois amor não existia
Em seu coração.

Foi numa praça de Buenos Aires
Que vi: um casal bailava.
Como um toureiro controlava
A força instintiva da natureza
Era o touro que ganhava
Era o toureiro que ganhava
Não importa!
Um tapete rubro se formava
Por cima da areia fina da arena.

Foi numa praça de Buenos Aires
Que vi: um casal bailava.
Nada mais cruel do que
Os jogos do amor.

Pela madrugada adentro

Nem sempre pelos caminhos retos
Para encurtar a distância
Prefiro os becos da existência
E me confundir um pouco que seja
Com os vagabundos dos bordéis
Prostitutas de boca pintada que
Vendem seus corpos inflados
De parafina.
Há uma verdade inscrita
Nos esgotos desta cidade
Desaguando o que não serve
Pelo rastro sinuoso da água impura
Que escorre pelos cortiços
Em direção incerta.
Mas sua população ainda assim
Vivendo assim
Quando a noite vem e a madrugada
Sonha com o mesmo céu estrelado
Outras vezes nem tanto assim
E como crianças dormem
E homens se aconchegam nos braços
E seios de suas mulheres.

O poeta é sempre o outro

Essas obras praticamente se impõem ao autor, sua mão é de certo modo assumida, sua pena escreve coisas que sua própria mente vê com espanto. A obra traz em si sua própria forma; tudo aquilo que ele gostaria de aceitar, lhe será imposto. Enquanto seu consciente está perplexo e vazio diante do fenômeno, ele é inundado por uma torrente de pensamentos e imagens que jamais pensou em criar e que sua própria vontade jamais quis trazer à tona. Mesmo contra sua vontade tem que reconhecer que nisso tudo é sempre o seu “si-mesmo” que fala, que é a sua natureza mais íntima que se revela por si mesma anunciando abertamente aquilo que ele nunca teria coragem de falar. Ele apenas pode obedecer e seguir esse impulso aparentemente estranho; sente que a sua obra é maior do que ele e exerce um domínio tal que ele nada lhe pode impor. Ele não se identifica com a realização criadora; ele tem consciência de estar submetido à sua obra ou, pelo menos, ao lado, como uma segunda pessoa que tivesse entrado na esfera de um querer estranho.

JUNG. C.G. O espírito na arte e na ciência: Petrópolis, Vozes, 1985, pp.61,62.

A menstruação quando na cidada passava

A menstruação quando na cidade passava
o ar. As raparigas respirando,
comendo figos pelo ar.
Entre cravos na neve. As raparigas
riam, gritavam – e as figueiras soprando de dentro
os figos, com seus pulmões de esponja
branca. E as raparigas
comiam cravos pelo ar.
E elas riam na neve e gritavam: era
o tempo da menstruação.

As maçãs resvalavam na casa.
Alguém falava: neve. A noite vinha
partir a cabeça das estátuas, e as maçãs
resvalavam no telhado – alguém
falava: sangue,
Na casa, elas riam – e a menstruação
corria pelas cavernas brancas das esponjas,
e partiam-se as cabeças das estátuas.
Cravos – eram alguém que falava assim.
E as raparigas respirando, comendo
figos na neve.
Alguém falava: maçãs. E era o tempo.
O sangue escorria dos pescoços de granito,
a criança abatia a boca negra
sobre a neve nos figos – e elas gritavam
na sombra da casa.
Alguém falava: sangue, tempo.

* continua...
HELDER. Herberto. Ou o poema contínuo: São Paulo, A Girafa, 2006, p.194.

Cinco Horas

Mário de Sá-Carneiro

Minha mesa no Café,
Quero-lhe tanto... A garrida
Toda de pedra brunida
Que linda e fresca é!

Um sifão verde no meio
E, ao seu lado, a fosforeira
Diante ao meu copo cheio
Duma bebida ligeira.

(Eu bani sempre os licores
Que acho pouco ornamentais:
Os xaropes têm cores
Mais vivas e mais brutais.)

Sobre ela posso escrever
Os meu versos prateados,
Com estranheza dos criados
Que me olham sem perceber...

Sobre ela descanso os braços
Numa atitude alheada,
Buscando pelo ar os traços
Da minha vida passada.

Ou acendendo cigarros,
— Pois há um ano que fumo —
Imaginário presumo
Os meus enredos bizarros.

(E se acaso em minha frente
Uma linda mulher brilha,
O fumo da cigarrilha
Vai beijá-la, claramente)

Um novo freguês que entra
É novo actor no tablado,
Que o meu olhar fatigado
Nele outro enredo concentra.

É o carmim daquela boca
Que ao fundo descubro, triste,
Na minha idéia persiste
E nunca mais se desloca.

Cinge tais futilidades
A minha recordação,
E destes vislumbres são
As minhas maiores saudades...

(Que história de Oiro tão bela
Na minha vida abortou:
Eu fui herói de novela
Que autor nenhum empregou...)

Nos cafés espero a vida
Que nunca vem ter comigo:
— Não me faz nenhum castigo,
Que o tempo passa em corrida.

Passar tempo é o meu fito,
Ideal que só me resta:
Pra mim não há melhor festa,
Nem mais nada acho bonito.

— Cafés da minha preguiça,
Sois hoje — que galardão! —
Todo o meu campo de acção
E toda minha cobiça.

Fome

Tenho fome, fome áspera,
e tenho sede, uma Caatinga na garganta
poderia gritar, mas esqueci a voz.
Estou livre, com um céu enorme por cima
havia aprendido uma liberdade noturna, sem nexo (nem uso)
Mas agora caminho rutilante, em acasos azuis e tudo mais,
Sonho em não saber — errante —
o que quer que seja, o que quer

segunda-feira, 22 de março de 2010

A inocência do gesto

Uma das coisas, aliás, que me encanta em si, permita-me que lho afirme, é a inocência, não a inocência das crianças e dos polícias, feita de uma espécie de virgindade interior obtida à custa da credulidade ou da estupidez, mas a inocência sábia, resignada, quase vegetal, dos que aguardam dos outros e deles próprios o mesmo que você e eu, aqui sentados, esperamos do empregado que se dirige para nós chamado pelo meu braço no ar de bom aluno crónico: uma vaga atenção distraída e o absoluto desdém pela magra gorgeta de nossa gratidão.

ANTUNES, Antonio Lobo. Os cus de judas: Rio de Janeiro, Editora Objetiva, 2003, pp.26,27.

Folhinha do macarrão

Quero mesmo é a moça
Da folhinha do macarrão.
Meio despida nada escondia
Era a verdade nada cobria
Nada mais havia para esconder
De pureza selvagem
Dessas esculpidas em pedra sabão
Com mãos de artista.

Quero mesmo é a moça
Da folhinha do macarrão.
Seu sorriso penetrante
De logo me contagiou
Colei em minha parede
Com ela eu sonhava
Com ela eu dormia
Foi ela minha primeira
Namorada.

Quero mesmo é a moça
Da folhinha do macarrão.
Por muito tempo a esqueci
Até mesmo a folhinha
Esquecida e atirada fora.
O que me resta agora
É a névoa de um sonho
Que nunca me abandonou.

Se souberem me digam:
Quero mesmo é a moça
Da folhinha do macarrão.

Ainda que ela não exista
Quero assim mesmo!

domingo, 21 de março de 2010

Haiti chora

Choremos pelas mulheres que
Perderam seus maridos.
Lá no Haiti.
Bem aqui no Haiti.
Choremos porque seus filhos
Também morreram
E descansam agora numa
Praia de coqueirais e pescadores.
Choremos por nós mesmos
Que indiferentes a tudo
Fingimos que nada aconteceu.
Continuamos levando nossa vida
Leviana como sempre foi
Comendo banana nanica
Acelga e almeirão
Só para dizer que come vegetal
Nada de animal.
Mas o Haiti precisa comer
Seja ela o que for
Animal e vegetal
Sobretudo precisa
De amor humano
Sobre-humano é morrer de fome
Desumano é viver na fome.

Poema a Maria Luiza

Se me encontrasse com Maria Luiza
Como seriam seus traços faciais
Depois de tanto tempo passado
Ela se foi com o delegado
Desses que cofiam o bigode
Puxando as pontas para os cantos.
Ela queria ser feliz
Não um amor desesperado
Desses loucamente vivido
Sob o luar refletido num lago
Profundo de imensa amplidão.
Bem ao contrário!
Como seria o seu sorriso
Ainda ostentaria a mesma sublime
Jovialidade de então
Toda frescura da aurora da vida.
Ou nada mais disso haveria
Seus lábios murchos haveria
De dar o beijo como outrora?
Mas secos agora
Secos e quebradiços como a
Superfície lisa do vidro.
Não quero mais vê-la!
Maria Luiza continua existindo
Apenas para mim
A mesma de tanto tempo passado
A mesma que a vejo neste momento!

Uma vida inútil

Passei a maior parte
De uma vida inútil
Fazendo tudo aquilo
Que não serviria para nada
Além de remendar roupas
Velhas que de velhas se foram
Além de colecionar pedrinhas
Coloridas só por serem belas
Por ter conhecido a cabocla Jurema
Na beira de um lago encantando
E por ela ter perdido meu coração
E minha vida antes útil
- Queria então ser motorista
De caminhão
Se perdeu nesta vida
De amores desencontrados
Mas em momento algum
Tive motivos para lamentar
Se minha vida fosse útil
Seria mesquinho em tirar proveito
Alguma vantagem se fosse possível
Um pouquinho de lucro
Pois lucrar é tornar
A vida útil.
Inútil é a vida voltada
Apenas a compor poesia.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Casa vazia

Como amainar a dor
De amor.
Se pudesse nega-lo
Se pudesse nega-la
Seria reconfortante
A dor não doiria tanto
Mas o que seria dela
Sem dor
E negando um amor
Que teve.
Nada mais restaria
Do que uma casa
Vazia
Sem dor
Sem amor.

Fuga para lugar algum

Quero fugir distante
Para uma terra além
Das montanhas em derredor
Lá onde a vista alcança
Lá onde o sol se põe
Lá onde há uma mina de ouro
Em que possa achar a pepita
Mais pura deste mundo.

Sem rei sem bandeira
Sem bazófia
A ordem rotineira
Das mulheres que colhem arroz
Dos homens que plantam milho
Do espantalho que monta guarda
Afugentar o anu preto.


Todos podem compor poemas
Todos podem ler versos livres
Livres de qualquer preconceito
Amar todas se quiserem
Musas gregas e troianas
As primeiras na redondilha maior
As segundas na redondilha menor
Deixando saudades em suas almas
E seus corpos morenos trêmulos
De tanta emoção e êxtase.

Mas ninguém sabe onde fica
Este reino de deleite e felicidade
Que não é para o cidadão comum
Se quiser conhecê-lo
Existe agora neste instante
Sem geografia definida
Em tempo algum.

Ainda que conte a alguém
Que caminho tomar
Poucos iriam
Mas nenhum voltaria mais.

Lá...

Arte sem finalidades

Existe uma bela arte da paixão; mas uma bela arte apaixonada é uma contradição, pois o efeito incontrolável da beleza é a liberdade de paixões. Não menos contraditório é o conceito de bela arte como ensinamento (didática) ou corrigida (moral), pois nada é tão oposto ao conceito da beleza quanto dar à mente uma determinada tendência.

SCHILLER, Friedrich. A Educação Estética do Homem numa série de cartas. São Paulo, Iluminuras, 1990. p.116

Fenomenologia e imagem poética

Para um leitor de poemas, o apelo a uma doutrina que traz o nome, tantas vezes mal-compreendido, de fenomenologia, corre o risco de não ser ouvido. No entanto, fora de qualquer doutrina, esse apelo é claro: pede-se ao leitor de poemas que não encare a imagem como um objeto, muito menos como um substituto do objeto, mas que capte sua realidade específica. Para isso é necessário associar sistematicamente o ato da consciência criadora ao produto mais fugaz da consciência: a imagem poética. Ao nível da imagem poética, a dualidade do sujeito e objeto é irisada, reverberante, incessantemente ativa em suas inversões. Nesse âmbito da criação da imagem poética pelo poeta, a fenomenologia é, se assim podemos dizer, uma fenomenologia microscópica. Por isso essa fenomenologia tem probabilidades de ser estritamente elementar. Nessa união, pela imagem, de uma subjetividade pura mas efêmera com uma realidade que não chega necessariamente à sua completa constituição, o fenomenólogo encontra um campo de inúmeras experiências; beneficia-se de observações que podem ser precisas porque são simples, porque “não têm inconvenientes”, como é o caso dos pensamentos científicos, que são sempre interligados. Em sua simplicidade, a imagem não tem necessidade de um saber. Ela é dádiva de uma consciência ingênua. Em sua expressão é uma linguagem criança. Para bem especificar o que pode ser uma fenomenologia da imagem, para especificar que a imagem vem antes do pensamento, seria necessário dizer que a poesia é, mais que uma fenomenologia do espírito, uma fenomenologia da alma. Deveríamos então acumular documentos sobre a consciência sonhadora.

BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço: São Paulo, Martins Fontes, 2005, p. 4

terça-feira, 16 de março de 2010

Finjo uma verdade fingida

Que pode ser oculto
Na face que ainda sorri
Se no coração uma
Tristeza enorme
Não mais se contém.

Pode ser de fingimento
Já que todos fingem juntos
Num teatro de sombras
Tamanho deslumbramento.

Mas se fingimento é comum
Chegará um dia
Que fingimento será verdade
E verdade de antes fingimento.
A dor de antes sentida
Deixará de ser
Será ela uma mentira!
Só para não sofrer mais.

No silêncio de nós mesmos

Quando nem mesmo as paredes
Revelam a verdade contida nos
Pigmentos de cal
Emudecidos tal qual caracol
Nada mais resta que no silêncio
Buscar morada
Confundindo-se com o som mudo
Dos que não dizem nada.

Pedras de um jardim milenar
Juntando-se a musgos e algas
Até se tornar em simbiose
Uma massa biológica que pulsa
Sem sentimento algum.

Mas o que interessa é a beleza
Da maneira que sempre foi
Intocada pelas mentes e desejos
Da alma errante que assombra
Pela rudeza dos modos civilizados
E de bárbaros montados em cavalos negros
Cavalos alados de um tempo distante.

Em linguagem não falada
Só restam imagens oníricas
Confusas em natureza inalterada
Que nos convida apenas a
Observar atentamente.

Não importa mais
O desespero que não existe mais
Não importa mais
O amor que deixou para trás
E também acabou diluindo
Num vendaval movediço
Quem possa maldizer
A violência de um mundo
Vulcânico cheirando enxofre
Fumaças em desalinho.
Os pés sangrando
até a morte correta.
Calmo é o caminho

domingo, 14 de março de 2010

Salto profundo

Quem me impedirá
Que eu salte neste abismo
Profundo
Desconhecendo o que possa
Ser encontrado lá
Sombras de uma existência
Desconhecida
E vivendo nas bordas de
Um pântano irreal
E fazendo de minhas angústias
Tintas frescas em que pinta
Um painel de abstração
Aberração nas cores primárias
Marcando a pele branca
Sinais de tatuagem.

Sem mais como retirar
Aquilo que impregnou
Por onde anda fica a marca
Prisioneira de um destino
Marcada em sua alma.

Neste reino obscuro
Todo sofrimento em vão
Dos amores contrariados
Dos jogos de vida perdidos
Numa partida de dados
Encontra abrigo
Escuro e sinistro.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Meus amigos poetas

Onde estão meus amigos
De versos atirados ao vento
Que gostavam de poesia
Compunham toda a insignificância
De uma vida construída das ruínas
De uma memória assustadora.
Memória dos desencontos
Com nossos pares igualmente
Desafortunados.
Por isso não cediam jamais
Ao chamado sedutor das ondinas
Que queriam sua alma em desespero.
O que resta dos poetas
Se tudo já levaram
Só resta a sua alma
Sem ela não sentiriam
A tristeza do mundo
Que se arrasta sem alma alguma.
Por isso compõe poemas
Para aliviar a dor que sente
Por um mundo que nem dor
Mais sente.

Que sentido tem viver assim!

O amor que se foi...

Pelas ondas de um rádio
Velho canta melancolia
Quando na sala vazia
Apenas sobrou uma xícara
Ainda impregnada com
O baton dela.
Vermelho carmim
Era assim o seu destino
Que por onde ficava
Morava enfim nos corações
E deixava quando menos
Se esperava.

Sem morada fixa
Errava pelas estradas.
Se encontrava abrigo
Por algum tempo ficava
Depois se ia
Evadia-se desta vida
Monótona e solitária
Das pessoas ordinárias.

Queria viver
Conhecer todos os amores
Todas as cores do infinito
E galgar o arco-íris após
A chuva de primavera.

Só ficou a saudade
E uma crença felina
Que um dia ela volte
E novamente tome café
Na mesma xícara
Que jaz em seu sono
De esperança
Desesperança que se desfaz
Em fumaça branca.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Descaminhos caminhando

Numa tigela rasa tomo
Mingau.

Para saciar a minha fome
De arte e traquinagem
Queria ser malabarista
Para as mulheres de queixo
Caído ovacionarem em êxtase.

Numa tigela funda tomo
Mingau.

Para saciar a minha fome
De amor e politicagem
Queria ser comunista
Assim distribuiria aquilo
Que tenho e não tenho também.

Não tenho a amor que quero
Só quero o amor da musa enjeitada
Para compor versos atravessados
Malcriados e mal nascidos.
Meu verso é delírio para
Os alumbrados da contravenção
Que acreditam nos próprios
Descaminhos!

Numa tigela apenas tomo
Mingau.
Mingau com mel
Mingau com sal.

Sem substância

Numa sala de espelhos
Onde me perdi.
Nem mais sabia quem era
A imagem refletida
A imagem reflexa
De uma cara
Igual a outra
Ou era esta cara
A cara da outra
Num caleidoscópio
Que não começa jamais
Nem acaba jamais
Havendo apenas
Um semblante pálido
Que desconheço
Não conheço minha
Própria cara
A não ser uma névoa
Fantasmagórica
Farinha branca
Pulverizada em manchas
Vítreas e cristalinas
Sem alma aparente
Corpo transparente
De um sonho letárgico
E mágico!

quarta-feira, 10 de março de 2010

Nesta data querida!

Se você não existisse
O mundo existiria assim mesmo
Seria mais soturno
Todo mundo andaria de coturno
E marcharia a passos dados.

Se você não existisse
A alegria teria que ser ensinada
Em cartilhas de alfabetização
Desta forma toda formação
Estenderia-se à escola.

Se você não existisse
Não estaria aqui compondo
Poemas sentimentais
Só para comemorar uma data
Especial em nossas vidas.

Se você não existisse
Não teríamos que comemorar
Aniversários ao final do verão
Bebendo todas e cantando
Tal qual um folião

Que continua sonhando
Com o carnaval passado.

Se você não existisse
“Amigo” seria palavra inútil
Como inútil é a lágrima deixada
Em momentos de emoção.

Que bom compartilhar
Deste bolo enfeitado
De serpentinas e ilusão!
Que bom...

Aniversário do poeta Igor Venturini (12 de março)

terça-feira, 9 de março de 2010

Resposta que não diz

Se perguntassem
Não diria
Para quê compor poema?

Um poema pode ser
Um momento fugaz
Sem intenção que seja
De qualquer planificação
Pedagógica e institucional
Municipal ou estadual.

Uma resposta bem posta
Antes mais uma pergunta.

Se perguntassem
Não diria
Para quê compor poema?

Somente os heréticos
Têm a resposta.
Somente os poetas
Apenas compõem.

Ninguém mais fala

Ainda que pergunte incessante
Nenhuma palavra
Garatuja da incompreensão
Risca minha parede branca.

E num imensamente
Silêncio de toda ação
Travo uma conversa
Carregada de emoção.

Sinto minha alma se elevar
Como alma alguma existisse
Peso e forma singular.
Nada mais me importa
Atiro porta afora
Tudo aquilo que incomoda.

Não se vive do passado
Meu futuro é incerto
Meu presente angustiante.
Mas se alguma coisa importa
Resta a enevoada tarde
De outono que chama a noite
A cobrir o corpo nu do
Anjo decaído que bebe
O líquido proibido da fruta
Que consola e ilude
Para viver mais um dia.

Apenas desencontros

Nenhum encontro se fez
Mais além que um desencontro
E nunca mais se ouviu falar
Do amor que não se realizou
Como jamais tivesse acontecido
Tudo como antes voltou
Sem nada revelar
Tudo por revelar
Uma frase não dita
Como pudesse saber
Bendita seja a vida
Dos alquimistas que manipulam
Esta trama concebida
Que é vida por fazer.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Metrópole cinzenta

Nesta minha cidade congelada
De formas retas e parabólicas
Rasgando o cinza da fumaça que paira
Queimando a retina
A narina das senhoras intrometidas
Que folheiam o almanaque cultural
Revista que conta tão somente
Escândalos da vida banal.

Mergulhando em seu próprio desespero
Nenhum caminho leva a um ponto inteiro
Que seja solução
Pelo reverso
Continua errando continuamente disperso
Entre a população.

Existe certa tristeza desejada
Pelas esquinas de ruas escuras
Que não escondem mais
Corações maltratados
Pelos amores que passaram.

Em completa desilusão
Ainda há a beleza da bailarina
Numa caixinha de música
Que dança indiferente a toda
Destruição.

domingo, 7 de março de 2010

Um ato solitário

Uma solidão imensa assola
Meia população desta cidade
Que dorme enquanto as sombras
Caminham a passos dados
Pelos becos e bares repletos
De seres efêmeros
Alimentando-se do desespero
Dos que jamais dormem.

Esta solidão sentida
Minha companhia fugaz
Sou também o ser da noite
Que dorme
Que acorda
Que sonha uma realidade
Além das aparências
Das formas arredondadas
De uma coluna que sustenta
O dia que se faz presente
Na claridade que mais cega
Ofuscando os olhos que não vê
Mais do que formas arredondadas.

Sem que nenhum olhar cruze
Um desconhecido cruza a
Grande avenida repleta.
Nunca se sentiu tão só!

Um cão abandonado
Num ponto de ônibus
De coleira e prato de grão
Abana o rabo
Para quem passa.
Sem dono!
Sem dono!

Máscara de papel

Tal qual carnaval
Veneziano
De máscaras postas
Dissimula um sorriso só
Que deixou de expor
Ou o sorriso da cara
Endurecida pelo papel
Do ator que representa
Um drama escrito além
Da vontade de somente
Representar.

É da vontade dos outros
Que impede a cara expressar
Outros sentimentos
Mas apenas um
Unicamente aquele
Que a própria cara tem
De si próprio.

De tanto usar a máscara
Mesmo que a retire
A cara fica com a cara
Dela. Sem diferença.

Afinal
Que máscara usamos?

Mas se a máscara
Rasgou
Com que cara
Ficamos?

Somos máscara o tempo todo...

Viver sem ousadia

Uma certa falta que faz
A ausência sentida dela
Que numa noite qualquer
Como esta se foi de repente
No rabo do vento sorrateiro
Para não voltar mais.

Queria ser feliz
Queria colecionar figurinhas
Nada mais do que
A vida comum
Tão comum que não serviria
Para ela
Tão cheio de vida
Sonhada e transgressora
Feita à sua imagem.

Uma vida comum
Não passa de repetição
De gestos cansados
Que por acomodação
Nada faz de diferente.

Uma vida incomum
Tem os perigos da ousadia
Vencendo as dificuldades (ou não)
De uma trilha nova
Que pode ser provocação.

Nesta a felicidade
Não é condição.

Importante é a vida
Na contramão dos
Acontecimentos.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Contracorrente amorosa

Amor somente em condição
Que não ofenda os bons costumes
Sociais e morais da instituição.
Que seja morno
Sem muita insinuação
Se for transgressor
Não há amor que possa
Resistir
As paredes que podem
Ouvir
Atrair enfim o Procurador
Geral
O general de brigada
Defensores da família
Da propriedade unidade
Da tradição falida.

Amor
Tão somente uma
Fantasia irreal e irrevogável
De poetas vagabundos
Que passam a vida toda
Versejando a toa
Tamanha contradição.

Filhos da noite

Mergulho nesta noite
Profunda de insanidade
Em que todas as sombras
Cavalgam ferozes corcéis
Passando por cima
Dos milharais maduros
Causando estragos
Por onde as patas
Marcam o chão duro
Com sinais do ferro em chamas
Átila o rei dos hunos.

Por um fio

Que sentido existe afinal
Nas escolhas que realizamos
Que realizaram por nós
Se a vida continua por um fio
Tecido por uma aranha
Que se importa menos
Com nossa própria existência
Muito mais em continuar
A lançar fios cada vez mais finos
No teto de um palco de teatro
De bonecos articulados
Títeres de vontade ferida.

Mentiras criadas

Fazemos de conta
Que somos felizes
Apenas
Fazemos de conta
Como nada mais importasse
E sorrimos um sorriso falso
Só para enganar
Nós mesmos
E continuamos nos enganando
Com mentiras criadas
De um discurso fechado
Fachada de uma cara
Que não temos
Maquiladas ao extremo
Tatuagem marcada
Por toda epiderme branca
Aquilo que não somos
Sombra de um fantasma
Que continuamente
Assombra a alma doente
De todo desespero contido
Num mundo cada vez mais
Absurdo.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Metro raso

Se você vier competir,

vou perder, olhe só

Vou perder porquê ouço a ti, observo

Respeito nada sua opinião,

como se não soubesse o mal que ela faz

Como amigo eu diria a você:

não a considere


Com um carrapato sangue-suga

em carapaça esverdeada,

você exibe ferozmente sua falsa jóia opaca

empresta o corpo,

divide seu alimento com tal coisa.

Ainda se esta fosse um animal...

assim ao menos seria real


Então, digo sem pressa,

se você quer ganhar,

vou perder...

quarta-feira, 3 de março de 2010

Chuvas de março

Toda vez que passo
Arrastando meus sapatos gastos
O tempo se foi em instantes
Sem que me desse conta
Da chuva de março visitando
Meus sonhos de verão.
Meu último carnaval
Passado sem serpentina
Sem fantasia de folião
Foi quando percebi
Que nada disso precisava
Era o próprio personagem
Fantasiado de eu mesmo
O mais engraçado de todos
Mais do que o palhaço Rabecão
Porque pensa ser sério
Apenas pensa ser alguém
Tudo aquilo que não é
Barnabé de um batalhão
De Brancaleone.

.

terça-feira, 2 de março de 2010

Soneto do prazer maior

Amar dentro do peito uma donzela;
Jurar-lhe pelos céus a fé mais pura;
Falar-lhe, conseguindo alta ventura,
Depois da meia-noite na janela.

Fazê-la vir abaixo, e com cautela
Sentir abrir a porta, que murmura;
Entrar pé ante pé, e com ternura
Apertá-la nos braços casta e bela:

Beijar-lhe os vergonhosos, lindos olhos,
E a boca, com prazer o mais jucundo,
Apalpar-lhe de leve os dois pimpolhos:

Vê-la rendida a Amor fecundo;
Ditoso levantar-lhe os brancos folhos;
É este o maior gosto que há no mundo.

Du Bocage

A moça da janela

Para a moça da janela
Ninguém manda flores.
Ninguém escreve uma
Carta de amor.
Ela que sempre espera
Por um beijo lançado
De qualquer moço que seja
Deste bairro afastado
De toda beleza da cidade
Grande.
Mas pequeno é o coração
Dos homens
Que não reparam mais
Na moça da janela
Parada de olhos distantes
Deixou de sorrir
Deixou de viver.

Poderia alguém
Conversar com ela
Dizer “Bom dia”
Ao encontrá-la na janela
Perguntar-lhe o nome
Pois ninguém sabe o nome
Dela.
Conhecida apenas por
Moça da janela.
Se alguém se apaixonasse por ela
Tiraria de dentro de seu coração
Todo amargor desta vida
Solitária e perdida
Num canto da janela.

Mas ninguém nota
Por ela
Ninguém sabe que existe
Uma moça na janela.
Tão perto de você
Tão perto de mim
Que por fim desapareceu.

Ninguém acredita que exista
Uma moça na janela.

Jogando dados

- Dados no chão.
Qualquer coisa que se faça
Muito pouco depende de
Minha imposição.
Nem posso exigir que seja
Assim pode ser de outra forma
Diferente daquilo que estimei.

- Dados no chão.
Um tolo pensa que possa ser
Unicamente de sua vontade
Sua única imposição.
Não importa quem seja
Para cima parte sem medir
Conseqüência.

Somente os iludidos pensam
Ser donos do mundo.
Somente os iludidos pensam
Corrigir o mundo.

- Dados no chão.
Ninguém perde
Ninguém ganha
Só perde quem pensa
Em ganhar.
Só ganha quem não pensa
Em ganhar ou perder.

- Dados no chão.
Surpresa!
Pode ser de outra forma
Totalmente impensável.