quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Dragão envelhecido

Uma tatuagem
inscrita no braço
não demorou muito.

Anos se foram
e a tatuagem ficou
e envelheceu
e fora de forma ficou
totalmente amassada
que não lembra mais
sua juventude
belo e formoso
de patas armadas
e de olhos de fogo.

O fogo apagou
as patas amoleceram
e acabaram morrendo
junto ao braço.

Na passagem do ano

Temos a mais insensata
ilusão
de que este ano
pode ser diferente
e bom
se não somos bons
realmente
se continuamos
patinando numa lama
escorregadia da ignorância
e continuamos a repetir
sempre
movimentos de sempre
um bailado sinistro
vestidos de palhaço.

Patinando na lama

Temos a insensata ilusão
que crasso na alma pequena
quando a roda da roda-viva
gira uma roda inteira
como que na próxima rodada
tudo fosse diferente
e a vida fosse diferente.
Se nenhuma mudança faça
nem fora
nem dentro
deste corpo cada vez mais estúpido
que nada mais fez
e deixa de fazer
do que reclamar
dos outros
dos corvos
que indiferentes a tudo
apenas esperam
a roda girar.

Surfista das tormentas vividas

Cada vez mais passageiro
de passagem se torna o tempo
sem que possamos deter
por um instante sequer
as rugas alongando-se
pelo rosto inteiro.

Rugas que sempre
existiram no tempo futuro
do jovem que dança
e balança numa prancha
de surf
equilibrando-se
para não cair.

Mas continuamos ainda
numa prancha
muito mais hábil
do que ontem
contornando golfinhos
e brincando com os
tubarões
sem cair
e caindo sempre
para cair de novo
e de novo deixando-nos conduzir
como Ulisses
pelas sereias
as mesmas que devoravam
as almas dos homens
transformados todos
em carneiros a balir
encantados pela lua.

Sem correção
errando em direção
dum abismo
em que as lavas
de um vulcão
prestes a explodir
consolam diante
dos perigos desta vida
ilusória e maldita
mas vivida intensamente
seus pecados todos
bebidos todos num cálice
de prata.

A nau dos desvairados

Para atravessar um canal
revoltoso
de tempestades
numa nau uma multidão
procurava chegar
ao outro lado.

Da multidão surgiram
revoltas e guerras
amores e filhos
desamores e desaforados.
Alguns eram bons
outros eram maus
outros médios
eram meio bons
eram meio maus
alguns alumbrados
alguns faziam terapia
outros psicanálise
outros ainda nada faziam
senão falar da vida dos outros
só para mostrar que faziam
alguma coisa.

Mas quando soprou um furacão
não importava mais
a condição de cada um
nenhum outro lugar tinha
para ir senão
para o centro da nau
e rezar juntos para a nau
não afundar.

Nenhum outro lugar
tinha.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Uma febre amorosa

Uma patologia
amorosa era
que patologicamente
conheceu a felicidade.

Um dia um especialista
curou a patologia
e da patologia se livrou
conheceu a infelicidade.

Uma banda tocava

Quebrando a monotonia
das ruas
daquela pequena cidade
pequena era a curiosidade
dos que saíam pelos portões
para escutar
uma banda tocar.

Havia duas bandas
uma que portava vestimenta
preta
ou era azul escuro
uma outra
de branco
impecavelmente branco
e que tocavam
enquanto marchavam.

Muito se foi
a cidade pequena cresceu
a banda se tornou
notícia do mural
do museu municipal
que um dia uma banda
tocava
pelas ruas da cidade.

Havia uma banda
que tocava.
Havia duas bandas
que tocavam...

Caixinha de música

Um dia quebrou
a velha caixa de música
e nunca mais tocou.

Definitivamente
aquela melodia triste
deixou de existir.

Nenhuma outra música
foi tocada
e a caixa quebrada
nem sei para onde foi.

Nem música triste
nem qualquer outra música
e o mundo emudeceu.

O padre do bumbo

Pelas ruas da cidade
havia um padre
havia um bando de crianças
e uma tocando bumbo
que ia na frente.

Era o padre que recolhia
as crianças
e levava para a missa das oito.
Era o padre que queria
um público para a salvação.

Quando o padre aparecia
todos iam atrás do padre.
Apenas eu o ignorava
não queria saber do padre
nem da salvação.
Nem fui salvo nestes dias
nem nos outros
apenas vivia
com o padre tentando
salvar o mundo.
Imenso mundo que cabia
no bumbo do padre.

Numa estrada torta

O que se pode dizer
de si mesmo
senão uma breve
lamentação.

Não fui sapateiro
borracheiro não fui
Não fui eletricista
nem metereologista
guitarrista de uma banda
de rock
como existia nas garagens
de minha adolescência.

Meus amigos se foram
meus amores se foram
meus sonhos também.
Só me restou o caminho
das estrelas
em que nada encontro
senão uma poeira fina
de meus pés mesmos
num rastro apagado
atrás de mim.

De fato fui
errado
fui mal e malcriado
fui um pau torto
que nunca tomou jeito
nem se endireitou
pois não havia jeito
sujeito a vagabundice
literária
das letras descompostas.

Castelos de areia

Um castelo de areia
de areia molhada
da água do mar.

Um castelo de areia
em que brincavam
juntos um menino
juntos uma menina.

Brincaram a manhã toda
brincaram a tarde toda
e não deixavam que a água
salgada que havia adiante
carregasse
um castelo de areia.

Até que
de tanto brincarem
no mesmo castelo
na mesma brincadeira
a menina resolveu ir.

Mas antes
pediu sua parte
do castelo de areia
daquela brincadeira.
Nada tinha a ser levado
da parte do castelo
foi quando resolveu destruir
uma parte dela mesma
pois nada daquilo pertencia
ao menino.

Um castelo danificado
foi o que restou
daquela brincadeira
e a menina se foi
e o menino ficou
com as ruínas
que fora um dia
um castelo de areia.

Colonização por todo lado

Cuidado com a Coca-cola
colonização americana.
Cuidado com o Carrefour
colonização francesa.
Cuidado com a Nestlê
colonização suiça.
Cuidado com a Wolkswagen
colonização alemã.
Cuidado com a Honda
colonização japonesa.
Cuidado com a Samsung
colonização coreana.
Cuidado com a Capoeira
colonização africana.
Cuidado com a loira
colonização catarinense.
Cuidado comigo
colonização de minhas palavras.
Cuidado com a colonização
pois será tudo
será o mundo
e o mundo será
tão pequeno
que caberá no coração
cidadão do universo.

Onde quer que esteja
será a sua pátria.
O que quer que coma
será seu alimento.
O que quer que pense
será seu pensamento
colonização do mundo.

Por uma cabeça perdida

Um homem havia a muito
que perdera sua cabeça
procurou de um lado
no lado esquerdo não havia
não havia no lado direito
e onde quer que pudesse
procurar.

Por fim achou uma
não era a sua
não se importou com
isso.
Ficou com aquela cabeça
uma cabeça de papelão
não se importou com
isso.

A cabeça de papelão
de tanto pensar
incendiou-se
e foi-se de vez
a cabeça de papelão.
Buscou outra cabeça
a cabeça que encontrou
era a cabeça de um
cabeça dura
cabeça de pedra.
Melhor do que a outra
cabeça de papelão
cabeça de pedra
que de tão dura
mais dura ficou
trincou por pensar
demais
demasiadamente
dura por pensar.

Procurou por outra
uma cabeça mole
uma cabeça de maria
mole
que de tão mole
amoleceu todos
os neurônios
os plutônios
os parafusos
e derretou.

Toda cabeça encontrada
não lhe servia
e assim resolveu ficar
sem cabeça alguma
e quando precisasse de uma
qualquer uma
poderia lhe ser útil.
Inútil seria buscar uma cabeça
que fosse
que fosse somente sua.

Nem das cabeças somos
donos!

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

A violência diante da beleza

Podemos viver todas as emoções
Senão seríamos insensíveis.

Mas nada mais belo
Do que na emoção mais violenta
Nenhuma palavra violenta
Nenhuma ação violenta
Nenhum sinal violento no rosto
Nem no canto da boca
Nem nos olhos
Cuja menina dos olhos
Placidamente contempla
Apenas contempla.

Nada mais violento
Do que a beleza
Que violenta
Aqueles que se derramam
Em lágrimas
Diante de um perigo
De um movimento quase parado
Que sugere
Apenas sugere.

Em busca de uma causa

Pode ser qualquer uma
Em defesa disso
Por ser outra coisa
Em defesa daquilo
Pode ser do contra
Contra alguma coisa
Qualquer coisa
Discriminação
Discrição
Diletantismo.

Contra os livros
E a favor das matas
Contra a erotização
E a favor da repressão corporal
Contra o sacrifício dos animais
E a favor da alimentação vegetal
Que pode se explorado...

Em defesa dos cachorrinhos
Explorados pelos seus donos
Que precisa tomar banho
Usar sapatinho
E andar de coleira
Como um palhacinho
Sem poder ser livre
(Um cachorro nunca é livre)
A liberdade existe
Apenas para os homens
(E também mulheres)
Senão seremos acusados
De discriminação!
Para escolher o lado
Do contra
Do favor
Do contra ao contra
Do favor ao contra
Do favor a não ter preferência
Por qualquer lado que seja.

Estragos depois das águas

Continua a causar estragos
As ondas do tsunami
Que invadiram as terras
As mentes invadidas
Enlouquecidas
Perdidas pelas ruas
Sem nenhum rumo
Cujo rumo que tinha
Desfez-se no primeiro instante
Quando as águas retornaram
Salgando toda a terra
Para que não nascesse mais
Nem ervas daninhas
Para que não nascesse mais
Nem ervas boas
Para curar a ressaca
Que continua ainda
Enlouquecendo
Ainda

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Quando a bola caiu

Uma bola de tênis
Batida
Rebatida
Num vai e vem
Num saque mais rápido
Mais rápido se fez.

Cruzando os ares
Por cima da rede
Sem cair
Mas há de ser um dia
Mais cedo
Mais tarde
Há de cair.

Não se sabe
De que lado
Daquela rede
A bola caiu!
E perdeu.

Mas o que importa
Isso?
O importante é bater.

Por falar em amor

Quando passava ela
Maltratava
Ela
Não olhava na cara
Simplesmente a ignorava
Não dava boa-noite
Nem me despedia
Nem bom-dia
E quanto mais
Maltratava
Era dela que gostava
Mas não queria
Dizer isso
Ela sabia...
Ela sabia...
Até que ela se cansou
Até que ela se foi
E não voltou
Ele sabia...
Ele sabia...

Uma fuga frustrada

Pensei um dia me retirar
Ir para longe
Fui para a Amazônia
Fui também a Patagônia
Não fiquei muito tempo
E voltei
Ainda que tivesse ido
Nem um passo foi dado
Do lugar em que sempre
Me encontrei
Nunca saí do lugar

Retorno não acontecido

Foi onde nasci
Pelas ruas desconhecidas
Andava
E nada via
Nem se lembrava
Que um dia
Por lá passara
Uma vida inteira
Até que um dia saí
De lá
Voltei outras vezes
Não conhecia mais ninguém
Alguns tinham morrido
Outros também saíram
Só que penso agora
Nunca estive lá

Esconde esconde

Nem todas as pedras
Machucam
Nem todas as palavras
Ferem
Por trás de cada palavra
Outra bem diferente
Diz a verdade
Como pudesse somente
Ser conhecida
Por aquele que lê
Na transparência das paredes

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Por uma questão de maldade

Sem orgulho algum
De sua natureza
O escorpião pica
O outro
Que embriagado
Pelo veneno
Vive para contar.

Quem morre
Sempre
É o escorpião
Que morre calado
Pois sempre o vilão
Deve morrer no final.

Sem se esquecer

Que me importa a indiferença
Sempre me importarei
Distante ainda
Nunca estará
Abrigada estará
Numa mente perdida
Nas geleiras
Mais profundas
Da existência
Lá no fundo
De uma casa de barro
De joão-de-barro
Mas não conte isso
Para ninguém...

Bate coração...

O que você tem agora?
- Arritmia
Que nem sabia o que era
Que motivos
Tinha
Para ter
Arritmia
Fora de compasso
Errando os passos
Batendo descompassado
Um coração maltratado
Que maltratou também
Por isso bate
Bate em ritmo incerto
Bate falho
Uma batida errada
Como sempre bateu
Como bateu antes
Como bateu depois

Criador de mentiras

Por tudo que tenho dito
Pouco se diz da realidade
Talvez sejam mentiras
Ditas como fossem verdades
Que para o poeta
Daquele construtor de imagens
Tornam-se verdades
Para que o tédio da realidade
Não torne o mundo
Demasiadamente formado
Conforme as formas
Das linhas retas e pontos certos
Ao invés
O que me atrai
São as linhas tortas
Naturais
De uma árvore tortuosa
Uma nuvem se desfazendo
Outra se fazendo
Naquilo que o olho percebe
O olho que sabe versejar

Quando a sombra se desfaz

O que realmente as palavras revelam
Se realmente revelam
Revelador seriam as palavras ditas
No auge de maior patologia
Senão uma patologia que revela
Os poros explodindo
Na insanidade dolorosa
Dos amores vividos
Que na errância desta vida
Apenas podemos viver sonhando
Numa fluidez que nenhuma forma concreta
Se mantém
Logo se desfaz em espuma
Na correnteza que tudo
Transforma
E carrega para o mar
Salgando e dando gosto

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Destruindo lembranças

Os monumentos derrubados
Não servem para nada
Senão para ser totalmente
Pisoteados
Para que não deixe
Nenhum vestígio
De um passado
Em que a ilusão ainda
Existia
Nada existe mais
Nada mais do que
Desilusão.

Não esquecemos Fukushima

Se pudesse escreveria
Uma oração apenas
Silenciosa
Sem muitas palavras
Para consolar
Aqueles que morreram
Aqueles que viveram
Para contar
Das águas que varreram
Os arrozais
Negra água da destruição
Fukushima
Fukushima jamais será
A mesma
Após março
Submersa em nossos corações
Cujas lágrimas ainda
Continuam caindo
E inundando ainda
Até que o esquecimento
Possa enfim
Enterrar os mortos
E fazer viver os vivos
Que continuam em seus barcos
Flutuando de um lado para outro.

Quintal em desalinho

Quem foi que soprou aqui?
Quem foi que soprou aqui?
Após varrer todo o quintal
As folhas recolhidas
Novamente se espalharam
Novamente ponho-me a varrer
O quintal de minha mente
E quem sabe sopre de novo
O sopro do meu coração!
O sopro do seu coração!