quinta-feira, 31 de maio de 2012

Era uma creche


Um museu da infância
Guardava as aventuras do presente
Com castelos e dragões
Florestas encantadas
Frutos de imaginações que agora vêem a realidade
Abaixo, em escombros
Tingidos de amarelo alaranjado

*****

A mãe e o filho
Que esperam pacientemente
onde era ali, um reino encantado
Destruído na madrugada
Na esperança de que reste ao meno um livro
Capaz de levá-los dali
À um mundo onde as creches não são destruídas

*****

Somente as árvores
Na manhã alaranjada
A  creche em cacos 

quarta-feira, 30 de maio de 2012

O corvo branco

Nem era amarelo

o corvo que surgiu

o corvo que sonhei

era branco.



Fiz que não o via

fiz que não sabia

do corvo branco

de olhos fundos

profundo era o mar

que nos separava

o corvo que não se ia

e lá ficou

em minha morada

como fosse sua

sempre tivesse nela

vivido.



Um corvo que disse seu nome

Sempre estarei

Ainda que queira me livrar

dele

serei sincero nisso?



Estarei mentindo

mais uma vez

e toda vez que negá-lo

surgirá de novo

o mesmo corvo

a dizer seu nome

Sempre estarei

Não passarei mais frio

medo tampouco

não estarei sozinho

pois

Sempre estarei

estará do meu lado

com penugens brancas

não as de um pombo

que traz a paz

no coração dos homens

mas as brancas de um corvo

que traz a dúvida

que incomoda

que acalenta

a intranqüilidade

do homem que quer

a noite

que o dia cega-lhe os olhos

mas o sereno da madrugada

refresca as artérias

cheias de uma água rala

de beterraba.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Para espantar a solidão

Pela manhã

Pelas ruas de minha cidade

Uma multidão se move

E coça os olhos

Assim espanta o sono

Dessas noites mal dormidas

Em que visita-nos

Os ratos de esgoto

Buscando companhia.



Um murmúrio apenas

Nenhum silêncio se compara

Com o silêncio das cidades

Entre os murmúrios dos desesperados

O choro dos loucos

O gemido dos que se encontram

Em convulsão de um encontro amoroso.



Nada disso incomoda

Meus ânimos acostumados

Com o desencontro das vozes

E dos sons apagados

Que apenas querem se fazer

Presentes nas esquinas

Dos becos cheirando urina

Dos gatos andando como bailarina

Aos saltos

Como que os pés estivessem

Em brasa.



Neste burburinho de ondas

Que se levantam e se afastam

Da areia das construções

Minha voz é apenas

Um detalhe

Que na angústia de sua

Existência

Minha existência

Surge rouca

Afetada por um resfriado

Mal cuidado

Que insiste em ficar

No corpo semeado

De bactérias

E células que vão morrendo...



domingo, 20 de maio de 2012

Sem palavras

Numa dança macabra

Rodopia diante da luz

As asas de cupim.





As ruas de outrora

Por aquelas ruas em que andava

Em cujas fachadas das casas

Havia uma intimidade que saia

Através das janelas e cortinas amarelas

Nada mais restou no local

Mas ainda assim

Em alguma parte de mim

Somente isso continua a existir

Como sempre existiu

Nos olhos de menino

Que continuam existindo.



sexta-feira, 18 de maio de 2012

Noites sem estrelas

Numa sexta-feira

Quando a noite chega

Minha gata preta

Mia e pede atenção.



Sem que ninguém dê

Atenção

O casal de mendigos

Que não fala com ninguém

Como ninguém mais existisse

Prepara a cama

Para um repouso gelado

E sonha com uma cama

Macia

Que nunca teve

Em sua vida

Nem travesseiros

Nem lençóis brancos

Apenas o céu

Sem uma única estrela

Como companhia

Seu único amigo

Pulguento ao lado

E assim podem se aquecer.

Os caminhantes do tempo

Ao entardecer

As ruas são viajantes

De um tempo

Que deixou de existir

E parado

Somente as pessoas

Ainda continuam

Andando

Numa paisagem

Refletida no espelho.



O peso que levas

Nas costas carregava

Uma formiga

O mundo inteiro

Nas costas carrego

Também

O mundo inteiro

Todos os devaneios

Dos que ainda sonham

E não endureceram

Seus corações

Carrego os tolos

Também

Assim se fez o mundo

Havia pela cidade

Um murmúrio

Que nada dizia

Nem se lamentava

Que produzia

Uma constante

Corrente de conversas

Desencontradas

Como fosse o primeiro som

Da criação do mundo

Naquele momento

E assim

Deram-se nomes

E sobrenomes

Naquilo que antes

Nada tinha

Senão

Um depósito cheio

De coisas indefinidas

De uma memória

Ainda prestes a ser

Formada.





 

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Canto natural

Não tenho medo
o que tem medo é o medo 
eu não tenho nada, nada,
nada possuo... 

estou bem 
aqui

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Felina selvagem

Uma gata perdida
Pelas ruas desta cidade
Não quer mais dono.

Uma gata perdida
Foi-se
E perdida vive
Seus devaneios.

Quisera detê-la comigo
Mas nenhuma gata
Torna-se dócil
Mais cedo
Mais tarde
Vai-se.

Das lembranças passadas
Tal como lembranças
Cuidadas com carinho
Lembranças
Que com o tempo caem
Caem no esquecimento.

Esta é uma esperança
Que não esqueci neste momento.

Passeio sem amigos

Nesta manhã solitária
O ruído das máquinas
É um consolo
Enquanto isso
Uma brisa chega
Soprando levemente
Pelo rosto de barba mal feita
E passeia
Pelas ruas de rostos anônimos
Acariciando às vezes
Maltratando às vezes
Desaparecendo por fim
Por detrás das árvores
Cujas folhas caíram todas
E expondo seus galhos
Como braços que avançam
Pelo céu encoberto por
Suave e fina poeira
Uma névoa que esconde
Os pés descalços que calcam
O chão gelado de inverno
Que apenas inicia-se



Diálogos com o louco

Um louco perguntou-me
O que é felicidade
Pensei
Não demorei muito
Porque um louco
Faria tal pergunta
Será que somente
Os loucos buscam
A felicidade!

E nessa loucura
Constante
Percebi
Nunca procurei
A felicidade
Mas a loucura sim

Como invejo os loucos
Que ainda sonham
Com a felicidade

Enquanto os duros de coração
Apenas vivem
Além da felicidade
Apenas vivem
Intensamente

A felicidade presente
A infelicidade também





terça-feira, 1 de maio de 2012

Sem passado

Viajante do tempo

Sem direção alguma

O que me move

Neste instante

Senão

A vontade de sentir-me

Vivo

Sem passado

Sem lembranças

Que tenham passado

Que valha a pena de ser

Repassado