quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Apagão

Pouco a pouco a vela desaparece
Pouco a pouco meu reflexo desaparece
Pouco a pouco eu desapareço
No fim, apenas escuridão.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Carnaval dos tempos idos

Meu cordão de carnaval
Parava a avenida
De uma cidade vizinha
E vinha toda a vizinhança
Para ver uma turba fantasiada
De boi preto que corria solto
Sobre a multidão que corria de medo
Que ria
Que saltava
E vivia intensamente
Uma vida que acabava
Em quatro dias.

Vivi mais do que isso
Mas não vivi tanto
Quanto vivia naqueles tempos
Em quatro dias.

Meu cordão de carnaval
Parava a avenida...

Ao passear pela tarde

Seria bom se pudesse
Atravessar as plantações de trigo
Numa tarde em que o sol brilhasse
Estourando os grãos
Pela extensão dos braços
E seria sol neste momento
E seria também trigo
Seria o mundo inteiro
Não mais existiria eu
Nem você
Nem os amores perdidos
Frutos de uma ilusão
Febril de uma salamandra

Apaziguando a vida sem motivo

Uma casa em ruínas
Conta histórias que o
Esquecimento quer esquecer
Para que numa lousa branca
Alguém possa novamente
Alguma coisa escrever!

Mas somente escrevemos
Das coisas vividas
Ironicamente vividas
De uma forma diferente
Modificada
Para que vida
Seja assim celebrada.

Desconfiava de que a vida
Fosse o tempo todo
Inventada
Pelos poetas
Pelos artistas
Eternos mentirosos
Por não suportarem
Uma realidade que perdeu a graça
E assim a vida também
Tornou-se sem graça.
Mas graças aos versos que se
Inventam por si mesmos
Criam também a vida
Cheio de palavras
Esparramadas
Num caleidoscópio
Movido a cada instante.

Caminhando sem direção

Minha sandália de palha
Onde me levará
Se não tenho um caminho
Em que possa chegar
Em algum lugar.

Nem preciso de lugar algum
Se lugar algum existisse
O que seria de mim
- Pararia de andar.

E como andar cansa
E fere a pé que não descansa
Um instante sequer
E quer caminhar.

Só por caminhar
Sem motivo aparente
Sem nenhum motivo
Que possa assim justificar
Andar
Ou parar
Mas por impulso
Apenas caminho
Com as sandálias de palha
As únicas que tenho
Ainda que venha a rasgar
Inúteis sandálias de palha.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Um Jizo de pedra havia

Numa estrada guardava
Um Jizo de pedra
Uma morte havida
Um Jizo de pedra
Cuidava das crianças abortadas
De mães desesperadas
Dos filhos que se foram
Um Jizo de pedra salva
Aquelas que se foram
Pelas trilhas tortuosas
Dos descaminhos
Um Jizo de pedra
Visita o céu
Visita o inferno
Visita a terra
Sem diferença alguma
Pois todos sofrem
Por suas desilusões
E criando mais ilusões
Num mundo de vidro
Colorido
E cortante
E vazio

Palavra em si

Nenhuma palavra
É inocente em si
Traz dentro de si
Muito mais o que diz
O poeta
Que nada mais faz
Do que deixar a palavra
Dizer
Aquilo que a palavra
Diz

Por demais traumático

E como ferve fevereiro
Um mês inteiro em que
Chove a água quente
Dos olhos dos desesperados.
Enquanto os resignados
Nada mais fazem do que
Fingir
Uma vida fugida
Ignorando mais ainda
Os velhos amigos
Sem importância alguma estes
São jogados à margem
De seus corações congelados
Por uma gota fria
Enquanto tudo o mais
Ferve
Em contradição.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Caminhando pelo fio

Nunca consegui empinar
Papagaios
Que sempre ficavam
Sempre no chão
Pesados.

Nunca levantei vôos
Que fossem realmente
Espetaculares
Com asas de corvo
Colocadas nos braços.

Nada muito especial
Minha vida nunca subiu
Nem ao menos desceu
E ficou a meio fio
Esticado em dois postes
E assim me tornei
Equilibrista
Que faz rir
Quando cai na rede
De um jeito engraçado
Mas não me importo com isso
Mas se importasse
Nada mudaria
E o vento continuaria
Soprando
Para o lado que desejasse
Sem querer agradar
quem quer que fosse
sem preferência
sem preferência alguma.

Ausência sem medida

Ainda a ausência sentida
Não é de alegria
Nem tristeza
Apenas ausência
Que marcará infinitamente
A alma pequena
Sublime ausência
Que alimenta afinal
As letras tortuosas
Que faz da vida
Mais interessante
Mais pelas falhas
Tão imperfeita
Que nenhum erro possa ser
Realmente um erro.

Sendo do contra

Ser do contra se tornou
A contramão dos bons costumes
Só por ser contrário
A qualquer afirmação
Pois negação se tornou
Vocabulário corrente
Dos críticos contumazes
De qualquer aceitação.

Antes de aceitar
Negue dez vezes
Até que a negação
Cai em desuso
Até que a negação negue
A si mesmo
Até que a negação se canse
De tanto negar
E as negas de plantão
Possam assim
Assumir que elas podem
Também dizer sim.

Mas espere um pouco
Antes de dizer
Continue negando
E sendo do contra
Sendo do contra
Não precisa assim
Assumir
Responsabilidades.