sexta-feira, 29 de abril de 2011

Temores que me perseguem

De todos os santos que havia
Havia um
Que causava uma inquietação
Seu corpo flechado
Agonizante delirava
Enquanto o sangue jorrava
De suas feridas.

Até a ferida que havia
Em meu joelho esquerdo
De uma ralada no asfalto
Num carrinho de rolimã
Não doía tanto assim.

O que doía mais
Era o olhar de Margarida
Mulata que cuidava de mim
Em desaprovação
Às minhas faltas nas aulas
De religião.

O que temia mais
Não era ir para o inferno
Que nunca entendi bem
O que temia era morrer
E não ter onde ir.

Viagem ao longe

Se tivesse que me ir
Para um lugar distante
De meus amigos não me despediria
De meus inimigos
Quem sou eu para ter inimigos?
Iria sem despedida
Iria para as areias do Deserto de Gobi
Onde o calor ainda brilharia
Sobre os cristais aos pés dos camelos
Estes continuariam caminhando
Sem se deter jamais
Cujos rastros logo apagariam
E logo seria esquecido
Livre para alcançar a estrela
Do oriente
Atrás de uma duna
Sonhada sem nunca ter saído
Daqui.
De onde nunca arredei pé.

Minha flauta de plástico

Mais importante do que viver
É aprender a tocar flauta.

Nunca toquei nada
Nunca pintei nada
Mas tive amores
Grandes e passageiros
Pequenos e sorrateiros
Por estar preocupado demais
Nestes assuntos do coração
Esqueci-me de viver.

Se pelo menos tivesse
Aprendido a toca flauta
Minha solidão seria companheira
De uma música inventada na hora
Uma nota de jazz de um negro
Enchendo as bochechas de um sopro
Capaz de encher meus pulmões de vida

A vida é uma nota de jazz
Breve
Imensamente breve e bela
Soprada com toda a energia.

Passou mais rápido

Quanto tempo perdi
Procurando por algo
Que sempre tive e não sabia

Quanto tempo perdi
Estudando economia
E gastei tudo que tinha
Num bar de esquina

Quanto tempo perdi
Perseguindo as andorinhas
Que assim bateram asas
E se foram sem olhar para trás.
E a felicidade não passava
De pura fantasia
Confete atirado num carnaval
Passado
Quando percebi
Nada mais restava
Do que o vapor de uma
Chaleira levantando a tampa
E apagando a chama.
E a vida se foi
E não vivi.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Espelho de bolso

No espelho de bolso
Tenho um rostinho
Com que gosto de conversar
É sempre ele que eu clamo
Quando quero chorar
Ou é pra ele que eu peço
Pra ajeitar meu sorriso
Ou cutucar meu dente do siso
Que também dói no rostinho
Do meu pequeno espelhinho

Lua

Pela noite sigo com os olhos
Caçando a beleza outonal
Formosura que brilha linda no céu
Com formas delirantemente prateadas

Se esconde lá
Se esconde cá entre as nuvens
Fazendo proposital charme
Que enlouquece a vista

Confunde a língua e o pensar
Deixando as ferramentas do homem
Incapazes de compor
Poemas sobre sua beleza
Redonda e prateada

Lá se foi novamente, entre as nuvens!

terça-feira, 19 de abril de 2011

Haikus

Trânsito infernal
Borboleta no vento
Radial Leste
(dedicado à todos os amigos do templo)

Na calçada, ali
Amiguinho sem dono
Gatinho morto

Agora ou jajá?
Ansiedade grande
Final de aula

Você já chegou?
Passou o tempo, nem vi:
Cabelo branco

Olhos nos olhos,
Esfrega, insinua:
gato quer leite.

Jardim já seco
Borboleta laranja
Caneta e papel.
(dedicado aos amigos do Muro, borboletas laranja num jardim já seco)

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Negra neve

No campo coberto de neve, disse o escaravelho à garça branca: gostaria de viver num certo lugar, nem futuro, nem passado, num lugar que é quando não estou aqui. A garça disse: é aí que vivo. E sem hesitar sorveu o pequeno inseto através de seu bico comprido e o digeriu. Mas antes, a paisagem engoliu a garça.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Jogos da vida

Aprendi a jogar amarelinha
Perdia sempre.

Aprendi a jogar bate-caixinha
Perdia sempre.

Aprendi a jogar xadrez
Perdia sempre.

Aprendi a jogar esgrima
Perdia sempre.

Aprendi a jogar jogos do amor
Continuei perdendo.

A vida é um eterno jogo
Que se joga para perder...

Jogos evitados

Se os olhos cruzassem Tudo seria revelado. Mas nenhuma revelação Seria capaz de suplantar Tamanha sedução Do próprio segredo!

Silenciosamente

Quando nada mais temos Que dizer Então podemos mais uma vez Silenciar nossas bocas. Só não podemos Silenciar o fogo que arde Nos olhos Que sempre quer dizer algo.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Cansei, cansei-me e cansei-vos

E eu,
sempre tão disposto,
sempre tão ávido
(de estudar, aprender, ouvir)
sempre tão observador
Cansei, e pior:
Cansei-me de tanto ser
Sempre tão disposto e ávido.
Cansei, cansei-me e cansei a outros
Com meus apontamentos, críticas e sugestões
(tomadas por bravatas baratas de esquerda barata)
Qual a razão de tudo? Pecha de bravateiro?
Volto ao axioma:
Cansei-me, logo calo-me.
Só agora, enfastiado e farto de estar cansado,
Cansei-me do silêncio.
Diabos! Pro inferno as sugestões e o mero silêncio!
Nem raiva, nem depressão, sequer uma bufada de indignação...
Quero aprender latim, e falar sozinho uma língua morta!
Que diferença fará? Não sei... mas fará.
Nojo e desprezo são negativos? Depende.
Alegria e aceitação são positivos? Depende.
Seja o que for, que não seja impositivo...
E eu,
que sempre soube finalizar meus escritos,
Este não sei como acabar.
Que seja.

domingo, 3 de abril de 2011

Louco e presidente

No cortejo
De um ex-vice
Ex-vivo
Presidente da república
Aquele homem
Isolado na multidão urbana
Num dançar louco e frenético
Nas músicas dos automóveis
Nunca viu aquele presidente
Que nunca viu aquele homem

sexta-feira, 1 de abril de 2011