terça-feira, 30 de abril de 2013

Pobre demônio

Um demônio esmolava
Na porta da igreja
Ninguém percebia
Ou fingia não ver
O demônio que havia
Em seus corações.

Quem entrava
Não via
Quem saia
Não sabia.

Ao entardecer


Mais escuro fica
o vão dos viadutos
num lento fim do dia.

Outono vai-se tornando
quando as sombras
se debruçam
nos rostos iguais.

Rostos de mendigos
sujos de graxa
fuligem que exalam
os escapamentos dos carros
deste pulmão de aço
em constante pulsar.

As paredes silenciam


O que nos revelam
estas paredes
sujas pelo tempo?

Serão as vaidades
ocultas
nos olhos que não querem
ver.
Pode ser a vergonha
de ser o outro
que mente para si
mesmo.

As paredes
silenciam...

No exato momento


Num só balanço
o braço direito
brande
um sino pequeno.

Alguém nasce
neste momento.
alguém morre.

Alguém vê
a rede de maya
sendo tecido.

Pelo regato correndo
as águas murmuram
a ladainha de sempre
ao bater nas pedras
nas paredes de terra
nos montes de piçarra.

A palavra que falta


Nenhuma palavra
incerta esta
acerta
naquilo que queria dizer
senão dizer
o que não pode ser dito
maldito seja
os santos benditos
tão distantes
dos homens
que silenciosamente
encantam
em caras de abnegação.

Sem velas
sem incenso
continuam sorrindo
infinitamente
dormindo.

Caminhos fora de rumo


Por onde nos levam
estes ônibus da periferia
avançando quebradas
subindo e descendo
sem destino certo?

Até as juntas
desjuntadas ficam
enquanto a alma
vaga
perdida pelas ruas.

Artérias que se expandem
para outros domínios
criados  por consciências
sem ciência alguma
de existências
abaixo dos trópicos.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Anoitecer em outono


este constante
anoitecer
alongam as ruas
centrais da cidade

outono nos olhos
imensos na agitação
que deixaram-se de incomodar

lentamente
as sombras surgem
marcando outros domínios
cobrindo a impureza das
paredes

qualquer ruído
como o sussurro das asas
de um anjo torto
anuncia a calmaria
de uma eternidade
além de toda ilusão















As vias férreas


cada vez mais calosos
estes pés
costumaram-se ao concreto
que tanto pisado
deixaram marcas
que outros pés também
por aqui pisaram

ao caminhar
pelas trilhas marcadas
não sei se os pés caminham
não sei se os caminhos
por si só
são os que caminham
indeterminadamente

se pararmos
continuamos caminhando
sem que realmente
alguém pare de
caminhar

como fosse
possível

Excesso de realismo


mil são os rostos
mil são as bocas
que na multidão confundem-se
num ruído de abelhas
ao repetir gestos
que poucos dizem
senão um  lamento conformado
por falta
de companhia

anônimos somos
mergulhados mais fundo
nas telas de plasmas
fantasmas alimentando-se
dessa apatia transparente
das relações virtuais
sem qualquer envolvimento
orgânico
sentimental
carnal
visceral
cujos instintos de sobrevivência
perderam importância

Balada ao cair da noite


Após tempos passados
novamente o encontro passado
saboreando será
a bebida destilada
num copo de bar.

Aproximo apressado
escolhendo palavras
nem mais belas
nem menos feias
será desespero
penso e calo.

Bebe sozinho
em seu recolhimento
filosófico demais
que me incomoda
por dentro.

Perdido na noite
que avança
que continua a beber
o gosto insosso
da boca amarga.


terça-feira, 9 de abril de 2013

Os passos arrastam


Para onde arrasta
a sola dos sapatos
nesta calçada imensa
esparramada pela cidade.

Estes passos apressados
que vão em direção
incerta
que nunca chegarão
calcando na argila
as marcas de uma vida
pisada firmemente.

Num soprar do vento


As sensações alegres
se foram num soprar
as sensações tristes também
nada mais restando
do que os olhos vivos
e um sorriso nos lábios
de um dia ter vivido.

Os rastros
o vento desmanchou
enquanto a lembrança
restou num monte de fotos
que ninguém quer mais ver.

Numa praça


Vendedor de miudezas
nos pontos de confluência
nada vende de útil
senão o pó-de-arroz
que serve para esconder
os sulcos no rosto
marcados pelo tempo
tempo bom de chuva
tempo bom de seca.

Zona norte


Estas casas de paredes
nuas
sem pintura
sem acabamento
aumentam na periferia.

Aumenta a população
de migrantes vindos de outros
pontos
bolivianos
nordestinos
cujos destinos
vão criando
nos porões secretos
da batida contínua
das máquinas de costura.

A vida numa esquina


Um pé de mamão
havia
numa esquina
sem que ninguém notasse
sem importância alguma
como pudesse alegrar
alguma alma boa
desses olhos sensíveis
ao ver numa esquina
um pé de mamão.

Há de dar um dia
frutos maduros
e alguém virá recolher.

Só resta a esperança
sem nenhuma certeza.

Ônibus da vida


 Estes caminhos longos
são artérias conduzindo
passageiros
moradores das zonas
periféricas da cidade.

São horas vivendo
em conduções
que demoram para chegar
alongando a vida
nos pontos de espera
alongando a vida
nos pontos de chegada.

Os rostos não se cruzam


O homem do boné preto
mantém-se anônimo
entre outras caras
também anônimas.

Cidade de inúmeras caras
que não se olham
não sorriem mais
não vivem mais
qualquer alegria.

O cimento das caras
acabou secando.
As caras endurecidas.

Sem adiantar


Espera na fila
dos ônibus
é longa.
Mas por quê apressar
o dia de nossa
morte?

Deixe a vida passar
deixe a vida ficar
deixe o ônibus chegar.

A vida de alguns


Aqueles que vivem à margem
nas margens dos viadutos
padecem do esquecimento.

Seus chinelos gastos
gastos também suas vidas
perdidas pelos cantos
da cidade que maltrata
os derrotados
lunáticos que sonham
com a vida sem razão.

Se a vida com razão
fosse realmente importante.