sábado, 31 de julho de 2010

Adoramos

Imensas tetas mornas
cheirando à leite e suor
Um vale que finda num delta
macio e aveludado, ondulante

Corpo imenso, imenso
lugar de acolhimento
perdição e reencontro
mistério do gozo eterno

Mulher de todos
encarna em nossas camas
o lugar da terra
em nossas bocas
companhia fêmea,
estranheza íntima

de tão clara, cega olhos e às vezes corações
essa mulher de todos nós
Eva única que nos pariu
Adoramos

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Para quê crescer, menino!

Os homens jamais deveriam
Crescer
E perder a inocência
Como escrever poesias.

Quando se cresce nada disso
Tem valor
Nem tem valor
A amizade
Dos que compõem poesia
Nem choram mais
Endureceram seus corações
Justificam tudo em suas vidas
Como que isso justificasse algo
Sem que ninguém peça
Justificativa alguma.
Mas ainda assim justificam
A legítima defesa nos tribunais
A legítima causa em causa própria
E cada vez mais vão se aprofundando
Num pântano de ilusões
Com o corpo cada vez mais pesado
Das informações coletadas num manual
De sobrevivência financeira
De um cartão estourado de tanto
Comprar o que não precisa.

Para quê crescer
Pois o que aumenta é número do pé
Menos ainda a inteligência
Um peixinho dourado que satisfaz
Apenas com o mundo cercado
Em seu pequeno aquário.
Tudo que está fora dele
Para o peixinho dourado
É ilusão de sua mente.
Ilusão de que sempre estarão
No mesmo aquário de sempre.
Quando as escamas começarem a cair
As barbatanas a falhar
Então alguém lá de fora
Colocará descarga abaixo
O peixinho velho e doente
E um outro tomará seu lugar.

Crescer é uma grande ilusão
Mas estamos fadados a crescer
Para padecer para sempre
De nossa inocência
De escrever poesia.

Apenas catavam

Um mendigo catava
Um amor perdido
Na lata de lixo.

Um poeta catava
Num coração vazio
Fumaças do tempo.

Menino cresça com calma

Menino cresça com calma
Pois árvore sem raiz não dá bons frutos
Nem cura a nossa alma
Da fome e dos sustos

Aprenda a sentir o tempo passar
Acariciando-te a cada segundo
Indo ao teu ouvido pra sussurrar
E te mostrar Deus e o mundo

quinta-feira, 29 de julho de 2010

HAAAIIIIIIIIKKKAAAIIIIIIII

O som da sanfona
ecoa nos biombos.
Sala de Buda.

A falta que me faz

Quisera conhecê-la
Pois todo tempo que a conheço
Mal conheço um pouco que seja
Mal me dou conta que
Se parece tanto
Um tanto que seja
Com alguém que acalanto
Por isso me faz lembrar
Nesta sua presença
Um pouco que seja
Por isso te procuro minha senhora
Pois me evoca imagens
Que ainda me alimenta
Ainda que sofra a falta
Que me faz.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Escritos na água

Cada vez mais frias
As noites que tenho apenas
A companhia de duas felinas
Que dormem o tempo todo
Sem se importarem
Com a minha sina solitária
Que procura escrever
Para não enlouquecer
De congestão por overdose
De uma emoção sentida
E esvaziou de repente
Todo calor que tinha
Neste coração em arritmia.

Escrevo
Principalmente num espelho
Poemas de consolo
Que somem em pouco tempo
Num espelho d‘água
De uma bacia.

Os corvos daquela casa

Os corvos que pousavam naquela casa
Os meninos abaixo passavam
A atirar pedras
Até que a ave agourenta
Levantasse vôo.

Um dia
Os corvos não voltaram mais
E toda felicidade daquela casa
Não voltou mais.

Então passaram
A atirar pedras cada um nos outros
Para espantar de si todo o mau agouro.

Versos errados

Para quem mandarei
Os versos que posso compor
Se tivesse alguém
Faria os mais belos
Mas isento de alguém
Sou livre para compor
Da forma que me agrada
Pois não tem que agradar
Quem quer que seja
Então que seja totalmente
Errado nas dimensões
Sem versos trabalhados
Para nunca ser mandado.

Como vento...

Quando a esperança morre
Junto a ela morremos
Pois nada mais pode alimentar
Este corpo vazio
De qualquer alegria
Ainda que seja uma alegria
Temporária
Que se desfaz
Como vento.

Até soprar de novo
E rodar o moinho de vento
E moer o trigo
E cozer o pão
E a alegria novamente
Retornar.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Escrevo na água

Nada que faça
Realmente se faça
Neste mundo de incertezas
Pode continuar existindo
Que como fumaça
Num curto espaço de tempo
Se desfaça e vire água.
Na água que escrevo
Os meus poemas de amor
Para existir somente
Naquele ato que componho.
Amor que como água
Evapora
E vira fumaça.

domingo, 25 de julho de 2010

O drama da vida

Nunca imaginei que fosse assim
De todos os dramas
Daqueles que enchem os teatros
O meu fosse o mais interessante.
Sou o herói que morre no fim.

Uma questão de tempo

O que me agrada em ti
Não é a doçura de seus lábios
Mais do que isso
É o amargo
Desta espera
Que nunca termina!

Palavras amorosas

Encontrei uma cigana
Que leu a minha mão
Nada de bom havia nela
Senão uma vida de desencontros
Por isso desconfio
Dos encontros
Enfim das palavras amorosas
Que ditas uma vez
Podem não se repetir.

Mas por uma crença
Infinita
Esperamos que aconteça
Até que a barba
Embranqueça
Até que a morte não nos
Visite.

Silencia a noite

Sempre te vi
Nunca te conheci
Nem sei com quem falo
Se as palavras nada mais dizem
Do que apenas justificativas de algo
Sem grande importância
Se fossem importantes nem necessitariam
De justificativa alguma.
Preferia ficar calado
Por algum instante
Um instante de eternidade
E desta forma
Pudera ser desta forma
Poderia te conhecer
A sua forma
De ser
Quando as palavras
Cessassem
E a verdade fluiria
Das bocas fechadas
Dos olhos que diriam
Toda a verdade
Sem justificativa
Nem precisaria
De verbo
E os sujeitos
Desapareceriam
Totalmente.

À margem esquerda

Certa feita acordei
Com o pé esquerdo
Depois cruzei
Com um gato preto
Nasci na esquerda
E nunca mais me redimi
Cresci torto e torto permaneci
Em tudo que fiz
Andei na contramão
Até poesia escrevi
Nas portas dos banheiros
Certa inquietação
Melancolia que me persegue
Que também me alimenta
Nos momentos em que
Retorno para a minha casa
Que nunca abandonei
Que me abriga dos raios solares
Me cega
Cega também quem tem olhos sensíveis
Por isso onde me habito
A noite é minha morada
Pois sou filho da noite
Sou a própria noite
Totalmente em trevas.

Os olhos dela

Nunca pensei que pudesse
Um dia conhecê-la.
Demorou um pouco
Mas ela veio ao meu encontro
De maneira lenta
De forma sorrateira
Rasteira chegou
Nem ao menos perguntou
O meu nome
Nem eu sabia o dela
Mas era ela extremamente bela
Seus olhos mediterrâneos
Enormes e penetrantes
Que não resisti.
Depois fiquei sabendo
Seu nome
Hipertensão.
Sonoro
Sobretudo sonoro
E prometeu nunca me abandonar
E disse ao pé do ouvido:
- Nunca mais te deixarei.
Sempre a terei ao meu lado
Ela é a menina dos meus olhos
E os olhos dela
Imensos
Como os olhos dela!

sábado, 24 de julho de 2010

O pássaro preso e o solto

Um pássaro que havia
Em uma gaiola de ouro
Cujo dono dava comida
Limpava o terreiro
Dava banho
Quando queria.

Um outro pássaro havia
Fora da gaiola de ouro
Totalmente livre
Sem dono
Sem deus
Sem demônio
Bebia da fonte fresca
Comia onde lhe apetecia
Mas não estava livre
Das pedradas
Da noite escura
Dos fios de alta tensão.

Alguns preferem
A prisão
E o conforto
E a comida.

Outros são ousados
Não nasceram
Para viver fechados
Em gaiolas de ouro.

Uns cultivam a própria mente
Outros são cultivados pela mente
Dos outros.

Os versos terminais

Se tivesse que morrer
No momento seguinte
Que poema comporia
Que a vida não passa de um sonho
Que o amor é uma ilusão
Que toda beleza não passa
De uma grande farsa.
Seria um grande consolo
Morrer iludido
Mas nem isso realmente
Me consola
Pois continuo escrevendo
Versos de amor
Na correnteza de um rio
Um poeta pobre e louco
Que insiste em viver
Somente para escrever
Como isso fosse remédio
Para aliviar as suas dores.

As flores passadas

As flores que não dei
Quando resolvi dar
Estavam já secas.
Totalmente secas
Que não serviam mais
Para despertar qualquer
Sensibilidade.
Por que não deparei antes
Que as flores tinham passado
Passado também o tempo
Em que o frescor das flores frescas
Eram belas e agradavam
Mas o que pode se esperar
Das flores que tinham passado
Sem o perfume de antes
Sem vida agora
Atirada na roda
De uma ceifadeira.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

As rãs das águas profundas

Todas as noites acontece
Num tanque atrás do muro
Uma rã começa a coaxar
Vem outra e continua
Em segundos todo o tanque
É apenas o coaxar
De infinitas rãs
Que revelam olhos grandes
Seus pulmões se estufando
Com toda a força reclamam
De suas existências.

Aquelas rãs vivem nas águas
De nossa existência
Nos planos mais profundos
Com todos os fantasmas
Que jamais mostram a cara.

As rãs são a nossa cara
Que se oculta.

A estrela cadente

Ninguém mais acredita
No poder latente
De uma estrela cadente.
Ainda que esteja lá
Nada peço mais
Mas fico feliz
De apenas ver adiante
A estrela cadente
Trazendo alguma notícia
De que o amor é importante
Entre iguais e diferentes
Em qualquer circunstância
Seja no céu como na terra
Também no inferno.
Os demônios também amam
E acreditam piamente
Na estrela cadente.

Infeliz daquele que
Não tem mais olhos
Nem coração
Para a estrela cadente.

Infeliz daquele que
Não tem tempos mais...

Ser jogador de xadrez

Nunca aprendi direito
A jogar xadrez
Daquilo que aprendi
Num tabuleiro de xadrez
Há muito esqueci
Não sei o que fazer
Com o cavalo
Com o peão.

Mas um dia joguei xadrez
Joguei e perdi
Nunca mais joguei
Mas continuei perdendo
Nos outros jogos da vida
Perdi o coração amoroso
De antes
Perdi enfim a inocência
De que ganhar era importante
Mas perder era sublime.
Perdi a minha vida
Toda ela inteirinha
Num tabuleiro de xadrez.

Só não perdi a tristeza
De que perder
Perde-se a razão de ser
Portanto nada sou
Do que uma fumaça
Que insiste em não desaparecer.

Sem certeza alguma

Toda decisão que tomar
Qualquer que ela seja
Em nenhum momento
Quero justificar
Pois careço de certeza
E sem certeza alguma
Posso viver livremente
Errando às vezes
Errando muitas vezes
Mas sobretudo
Experimentando
A doçura do mel silvestre
O amargo do chocolate
Rindo na alegria
Chorando também
Quando o choro vier
Para me fazer mais humano
Que certeza alguma tem
Daquilo que faça
Daquilo que deixou de fazer
E sem certeza alguma
Apenas diz
- Não sei!

E por não saber
Tem todas as possibilidades
De ser feliz
Neste exato lugar
Neste tempo inexato
De qualquer certeza.

O mundo lá fora

Pude sair
E vi que o vento sopra
Que o céu estava lá em cima
Junto com todos os pássaros

O vento era fresco
Rápido e objetivo em sua meta
Apenas soprar
Os seres do mundo

Diferente de mim
Que não sei ser assim
Objetivo e decidido como o vento
Sou o cata vento e não o vento

Saí das quatro paredes
Além da porta
E da vista da janela
Que como um quadro animado
Passava todo o tempo
Ilusões que mantinha em minha mente

Sempre tive vontade de saber
Se estas ilusões eram ilusões
Ou se eram reais ilusões
Sempre quis

Agora que posso estar aqui fora
Não sei o que fazer
Com tanta coisa
Nem com o vento
Ou com o Sol

Agora que posso estar aqui fora
Que devia estar correndo
Que devia estar soprando
Que devia estar sendo
Apenas

Não sei ser aqui fora
Estou como estava outrora
Com paredes invisíveis
No meu mundo fechado

Fuga que não acontece

Quer que eu vá distante
Ainda que fuja de onde estou
Que fuja das amarras amorosas
Que a todo instante me afligem
Nunca sai de onde estou
Nem um passo mais longe
Foi dado
E continuo amarrado
Nos cordéis invisíveis
Da existência.

Brincadeira dos deuses
Bufões na verdade.
Ainda que acredite que
Possa mudar meu destino
Meus braços
E pernas
São pontos de amarras
De um titereiro que
Se esconde por detrás
Da cortina inconsciente
Que ninguém tem controle.

Não fugir do ponto
Pode ser o encontro
De todos meus anjos
E demônios.
Mais dos demônios
Que anjos.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

O termo do sereno

Se quisesse morrer
eu o faria,

e com presteza.
Tiraria primeiro todos os pés, apoios
suporte, bases, sapatas e fincas

Arrancaria o telhado da casa
telha por telha enfim todo madeirame
Desnecessária, a viga central seria
retirada sem demora, sem pressa

Enfim quando só restasse a pele oca
e todo vão fosse preenchido pelas estrelas celestes
Toda porta seria livre para escancarar, bater
fechar, ranger ou entreabrir fosse a hora que fosse

Então em cada rachadura consciente brotariam dentes
de leão - os convidados de honra!
Os tijolos livres para retornarem ao pó, ao pó retornariam
E os limos já não encontrariam obstáculos - limos não temem

E quando os meus olhos fossem os da natureza
eu gritaria: mãe! E mãe nenhuma viria
e nu, nu e tranquilo, tranquilo como a água
que lavaria o chão até tão puro ser só água o chão

aí, os pés encharcados,
abertos ou fechados
os olhos,
seria o mesmo
e uma profunda paz seria o ser de tudo

até acordar

no sofá da sala
com os sons da rua

quarta-feira, 21 de julho de 2010

O tempo que segura

Corre, corre!
Passa o tempo
Correndo continuo,
Esperando pelo tempo

Que termina tarde
Sem dó
Mas sem maldade
Só por segurar o tempo

Que eu espero
Pra poder, com alegria
Te encontrar
Uma vez mais

terça-feira, 20 de julho de 2010

Um vendaval passageiro

Para quê chorar!
Diante do castelo de areia
Num repente vem a onda ligeira
E põe tudo abaixo.
Para quê chorar
Se o balão de gás se foi
Ao vento arrastado adiante
Se tudo que se constrói
Fadado está a se destruir
Se tudo que começa
Um dia vai acabar
O amor poderá acabar
Ou simplesmente cair na descrença.
Para quê chorar!
Nem mesmo o choro é duradouro
Uma fumaça que se desfaz
Em instantes
Diante de tamanha incerteza
Na incerteza de viver amanhã
Só resta contemplar a lua
Lua congelada
Que parece não mudar nunca
Senão os olhos de quem vê
Congelando a imagem
Como fosse possível tamanha
Heresia!
Para quê chorar
Sem cair no papel ridículo
De ser apenas humano
E que sonha
Por um momento
Da eterna presença
De uma presença possível.

Quando surge a virtude

Meus irmãos, estai atentos às ocasiões em que o vosso espírito quer falar em símbolos: assistis então à origem da vossa virtude.
Então é quando o vosso corpo se elevou e ressuscitou; então arrebata o espírito com os seus transportes para que se faça criador e apreciador e amante, benfeitor de todas as coisas. Quando o nosso coração se agita, amplo e cheio, como o grande rio, bênção e perigo dos ribeirinhos, então assistis à origem da vossa virtude.
Quando vos elevais acima do louvor e da censura, e quando a vossa vontade, como vontade de um homem que ama e quer mandar em todas as coisas, então assistis à origem da vossa virtude.
Quando desprezais o que é agradável, a cama fofa, e quando nunca vos credes repousar, então assistis à origem da vossa virtude.
Verdadeiramente é um novo bem e mal!
Verdadeiramente é um novo murmúrio profundo e a voz de um manancial novo!
Essa nova virtude é poder: um pensamento reinante e um torno desse pensamento uma alma sagaz: um sol dourado, e em torno dele a serpente do conhecimento.

NIETZSCHE. Friedrich, Assim falou Zaratustra, São Paulo: Martin Claret, 2000, p.70

Alegria

Foto: Bruno Mitih

Mulher pendurada pela pele dos joelhos, se diverte em apresentação pública de suspensão corporal durante a Virada Cultural em São Paulo.

Bela noite fria

Bela noite fria
Nuvens que se aconchegam
Prontas pra dormir

Piiiii!

Ta ta ta ta!
Bateria!
Guitarra!
Baixo!
Guitarra!
Bateriaaaa!
Guitarraaaa guitaraaaa!
Baixo!
Bateriaaa!!
Ãm?
Não ouço nada!
Agora meu ouvido faz piiiii!

Levantar e comprar pão

Levantar e comprar pão
Difícil tarefa,
Que a gente faz
Mesmo que no começo
A gente não queira

Levantar e comprar pão
Que depois a gente descobre
Que o Sol está lá fora
E que as árvores estão lá fora
E que o coco do cachorro está lá fora

Levantar e comprar pão
É descobrir que a gente por ir andando
E que o mundo está andando
Sem parar
E que parado estamos nós
Quando não queremos ir comprar pão

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Um louco que morreu

Havia um louco
Que caminhava naquela rua
Catava tocos de cigarros acesos
E fumava o resto
Aspirando fundo do que restava
Fumaça e desilusão
Mas não cansava de caminhar
Quando chegava até a esquina
Dava uma volta e retornava
Incansavelmente durante horas
Um dia inteiro
Sem perturbar ninguém
Sem conversar
Com sorriso idiota na cara
Sorria para as mulheres que passavam
Que mudavam de calçada
Para não se encontrar
Com o louco Ferrinho
Era o seu nome.

Um dia Ferrinho não mais apareceu
Será que morreu?
Será que foi carregado em camisa de força
Não se sabe nada
Ninguém tomou conhecimento
Nem sentiram sua falta
Um ano passou
Dois se passaram
Mais outro
E caiu no esquecimento
Como nunca tivesse havido
Alguém como ele.

Sorria para as mulheres que passavam.

Os carteiros resfriaram-se

- Para quem mandarei
As cartas de amor sem destino?
Simplesmente por escrever
Para escapar de uma solidão
Em cuja multidão ninguém mais
Quer saber de coisas tão simples
Como receber mensagens.
Os ouvidos congelaram-se
Diante do rigor de um inverno
Que depois de sua passagem
Todos os fios ficaram interrompidos
Todos os carteiros resfriaram-se
E os corações também
- Para quem mandarei
As cartas de amor sem destino?
Como não há mais ninguém
Destino-as para mim mesmo.

domingo, 18 de julho de 2010

Onde Felicidade se esconde?

Por todas as partes procurei
Incansavelmente procurei
Pela Felicidade.

Em nenhum lugar estava ela
Nem no fundo do mar estava
Entre as algas perguntei
Onde ficava Felicidade
Ninguém sabia dela
Onde habitava
Não seria um peixe?
Nenhum peixe chamava-se
Felicidade.

Fui para as montanhas
Entre os pinheiros perguntei
Onde ficava Felicidade
O vento soprava neste momento
E disse desconhecer Felicidade.
Desacreditado estava
Que Felicidade não existia
Em nenhuma parte
Deste mundo
Deste imenso mundo
Nem abaixo do mar
Nem no alto das montanhas.

Felicidade era apenas
Um sonho
De um mundo distante
Em que os homens eram livres
Também eram as mulheres
E por serem livres
Podiam se amar
Sem nenhum impedimento
Assim Felicidade chegava
Inaugurando a liberdade.

Mas ninguém quer a liberdade
Mas quer Felicidade
Como que Felicidade fosse dada
De maneira limitada
Talvez em futuro próximo
Que nunca mais chega
E assim se torna apenas
Mais um projeto que não
Se completa
Ou seja
No fundo do mar
No alto das montanhas
Mas se ela realmente existe
Que seja agora!
Antes que ela seja passageira
Tão rápida que não percebemos
Que Felicidade pode ser
Todo momento
Mas ninguém consegue
Segurá-la por muito tempo.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Esquecimento que não esquece

Nenhum esquecimento se dá
Quando a alma pequena não quer
Ainda que tentasse a todo custo
Custoso seria esperar por tamanho
Desprendimento.
Fiz tudo para esquecer aquela
Mas ela não sai de meu pensamento
Nem de meu corpo maltratado
Pelo tempo malfadado da indecisão
Por isso parei
Nada mais fiz
Senão fazer as pazes comigo mesmo
E aceitá-la como o meu destino
O destino também dela
Rodando na contramão.

A força da paixão

Puseste nessas paixões o teu objetivo mais elevado; então passaram a ser tuas virtudes e alegrias. Fostes da raça dos coléricos, ou dos voluptuosos ou dos fanáticos, ou dos vingativos, todas as tuas paixões acabaram por se mudar em virtude, todos os teus demônios em anjos.
Dantes tinhas no teu antro cães selvagens, mas acabaram por se converter em pássaros e aves canoras.

NIETZSCH. Friedrich, Assim falou Zaratustra, São Paulo: Martin Claret, 2000, p.43

Fuga dos demônios

Em minha casa todas as feras
Os demônios mais funestos
Que um dia puderam enganar
O cão de três cabeças que guardava
A entrada do portal de madeira pesada
Passaram a destruir o mundo
De toda mentira
E assim as torres de areia
Desabaram sem sustentação
E as mulheres correram para a fonte
Lavando suas caras da falsa imagem
E livres puderam caminhar
E livres puderam viver suas vidas
E assumir de vez os amores abandonados
Que sempre esperaram
Pela aproximação
Do amor passado.

As bonecas russas

Tal quais as bonecas russas
Dessas que encaixam uma na outra
Uma pequena
Outra média
Uma maiorzinha
Uma grande
E outra gigante
Cada uma é diferente da outra
Em personalidade
Cuja máscara coloca
Temporariamente
Para em seguida ser substituída
Em toda a cara
Em todo o corpo
Se pequena
Tornou-se maior
A grande sobre a pequena
Uma maior ainda
Sobre as duas menores
Em instantes aquelas
Vão sendo cobertas
Como não existissem mais
Como não tivessem mais
Cara
Nem corpo
Nem idéias
Nem amores passados
Nem história
Podemos ser a boneca de hoje
Que tem dentre si as outras
Que querem sair
Se pudessem sair
Somente na calada da noite
Em forma de sonho
Para desaparecer
Quando se faz dia
Como boneca dona de si
Acreditamos que nada mais
Existe
Do que si
Ou descaradamente fingimos
Qualquer conhecimento
De causa conhecida.

Ainda haverá um dia
Que a boneca grande
Cairá
Partirá a sua cara de pau
E de dentro todas as outras
Surgirão exigindo vingança
Por terem sido devorados
Como Saturno seus filhos.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Afinal todos fingimos

Alguns fingem amor
Que não existe
Só para incomodar.
Alguns fingem não existir
Um amor que detesta fingir
Só para acomodar.

E continuamos a fingir
Que amamos
E continuamos a fingir
Que não amamos
Só para contrariar
Por medo de sermos nós mesmos
Fingimos que somos o outro
Controlado nas emoções
Do descontrolado que somos
Que temos vergonha
De nossa própria natureza.

Fingimos tanto
Que acreditamos
Em nosso fingimento.

Fingimos enfim que
Somos capazes de compor poesia
Mas a minha é bem outra coisa
Que finge ser poesia
Que não engana quem escreve
Que finge que não escreve
Senão versos malditos
Dos que sofrem na carne
A dor do sofrimento
Dos amores perdidos
Que perdidos não necessitam
De fingimento.

Fingimos para não sofrer

De certo fingimos o tempo todo
Fingimos que somos os donos do tempo
Fingimos que nada nos atinge
Nem as feridas mal curadas ainda
De uma possível separação
Enfim fingimos para não sofrer
Dos amores que somente se realizam
Ao entardecer
Nunca fingimos tanto
Para não sofrer
E mostramos uma cara
Sem nenhuma impressão que possa
Revelar o que vai profundamente
No coração
Lá onde um caldeirão ferve
Toda condição humana
Suas misérias mais ignóbeis
Em que a felicidade
Passageira
Não necessita
De nenhum fingimento.

O medo do encontro

Nenhuma xícara de chá
Poderá acabar com este frio
Que não apenas é do pé e da mão
Mais do que isso
O que esfria é o coração
Diante de tamanha indiferença
Das carências mais elementares
Numa solidão consentida
Na casa vazia
Entregue apenas aos fantasmas
Que assombram minha existência
Dos sonhos em que o encontro
Se dá a todo instante
E nenhum impedimento
Suficiente era vontade
De se perder nos jogos do amor
E perder era a condição da existência
Do encontro que se realizava
Sem nenhum medo
Somente quando o medo chegasse
Então sobremaneira o desencontro
Haveria de ser novamente
Uma banalização
E o amor seria banido
Para sempre.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Eu só amo!

Eu só amo aqueles que sabem viver como que se extinguindo, porque são esses os que atravessam de um para outro lado.
Amo aqueles de grande desprezo, porque são os grandes adoradores, as setas do desejo ansiosas pela outra margem.
Amo os que não procuram por detrás das estrelas uma razão para sucumbir e oferecer-se em sacrifício, mas se sacrificam pela terra, para que a terra pertença um dia ao super-homem.
Amo o que vive para conhecer, e que quer conhecer, para que um dia viva o Super-homem, porque assim quer ele sucumbir.
Amo o que trabalha e inventa, a fim de exigir uma morada ao Super-homem, e preparar para ele a terra, os animais e as plantas, porque assim quer o seu fim.
Amo o que ama a sua virtude, porque a virtude é a vontade de extinção e uma seta do desejo.
Amo o que faz da sua virtude a sua tendência e o seu destino, pois assim, por sua virtude, quererá viver ainda e não viver mais.

NIETZSCHE. Friedrich, Assim falou Zaratustra, São Paulo: Martin Claret, 200, p.27.

Existência no mundo flutuante

Uma xícara de chá
Tomado ao relento.
Como podemos construir
Castelos de areia sem que
Chegue o demônio
Sua legião de malfeitores
E ponham o castelo a fragmento
Nem o choro será capaz
De reconstruí-lo de novo
Um choro incontido que
Nada serve
Senão para a tristeza
Ser amiga companheira
Em tempos de tempestade.
Uma xícara de chá
Tomado ao relento.
Ainda que pensemos
Que os pés criaram raízes
O terreno pantanoso
Mal sustenta nossos sonhos
Que se desfazem como fumaças
Em sua existência fugaz.
Dos amores que encontramos
Grandes e pequenos
Secretos e passionais
Alguns marginais
Desde o começo estão fadados
A desaparecer
Sem tempo suficiente
Para se viver.
E solitários ficamos
Olhando acima as nuvens
Formando desenhos vários
São formas de cascatas
De imensos animais pré-históricos
Que diante de nossos olhos
Deixam de ser aquilo
Que os nossos olhos viram.
Uma xícara de chá
Tomado ao relento.
Num soprar do vento
As nuvens também se vão
Se a nuvem da felicidade havia
Em instantes se desfazia
Mais rápido ainda que o orvalho
Desprendendo do galho
E correr na correnteza lépida
De um regato para o mar.
Nunca pára de rodar
Ao sabor do vento que não cessa
O moinho de nossa existência.
O redemoinho em insistente
Movimento monótono
Do eixo rangendo na madeira seca.
Só resta apenas contemplar
Nada mais
O movimento circular se
Repetindo.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Perdido sempre

Foi numa feira
Dessas que vendem frutas
Que me perdi
Tinha cinco ou menos
Ainda
Não sabia mais
Onde estava a minha avó
Pela primeira vez
Olhei para cima
Ao invés do céu
Vi cabeças desfilando
Cabeças vindo
Cabeças indo
Uma multidão
Até que o homem que
Vendia não sei o quê
Me parou
Me recolheu
E esperei minha avó chegar
Não demorou muito
Ela chegou
Mas a minha esperança
Era de ficar eternamente
Perdido
Na liberdade de caminhar
Olhando para cima.
Pois se felicidade existe
Existe acima de nossas cabeças.

Profundamente

Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de bengala
Vozes cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?

- Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente

Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?

- Estão todos dormindo?
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.

BANDEIRA. Manuel, Libertinagem e Estrela da Manhã, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005, pp.55,56

Idílio em Paris

Era de criança que João Paulo
Pela primeira vez encontrou-se
Com Maria Rosa
Foi num galpão aos fundos da casa
Que trocaram o primeiro beijo.
Gostaram
Cresceram por algum tempo
Continuaram juntos
Na escola juntos
Também juntos nas festas de junho
E separaram-se
Nunca mais se viram
Nunca mais se falaram
João Paulo foi morar nos confins
Maria Rosa foi a Paris
Foi nas ruas de Paris
Que reencontraram-se
A juventude tinha ido
E chegado a dor nas juntas
Um tinha conhecido outras mulheres
Outros homens na vida dela
E não ficaram com ninguém
João Paulo nada disse
Nem disse Maria Rosa
Que somente olharam nos olhos
Um nos olhos do outro
Sorriram e as mãos enlaçaram-se
Sempre estiveram juntos
E juntos continuariam
Desde que cada um seguisse
Seu caminho
E lá foi João Paulo para Sumatra
Para nunca mais se encontrarem.

domingo, 11 de julho de 2010

Maçã vermelha

Assim repetirei
Uma maçã vermelha
A ti oferecerei
Como sempre fiz
Uma outra maçã
Continuarei lhe dando
Um pé inteiro se for preciso
Enquanto aceitar
O que de melhor lhe
Possa dar
As maçãs das festas juninas
Mais vermelhas do que nunca
Nunca a maçã foi a mais desejada
Do que Eva na descoberta de que era
Mulher!

Esta chama que resiste

Uma vontade me arrasta
Para outras plagas
Talvez nas montanhas
Do Himalaia
Desde que seja distante
E possa descansar
Nas geleiras
E possa esfriar
Um tanto que seja
O incêndio que me assola
O coração.

Se todo o gelo fosse suficiente
Restaria ainda
Uma chama ainda
Que não se apagaria.

Criando encontros

Foi num encontro
De olhares
Já se conheciam
Ficaram juntos
Amaram
E às vezes
Brigaram
Suas diferenças
Um dia ela se foi
Neste momento
Ele desapareceu
Ele que era uma criação
Dela
Ela que era uma criação
Dele
Somente existiam
Juntos.
O amor também
Deixou de existir
E tudo ficou como antes
Como nunca tivesse
Existido realmente.

Amor recriado

Ainda vive dentro de mim
Um ser solitário que sofre
As mazelas da vida
Que por viver nas sombras
Não necessita fechar os olhos
Para poder enxergar
Uma nuvem de tempestade
Carregada de todo o furor
Das paixões desencadeadas
No calor dos encontros
Em instantes se desfazer
E ele nada fazer
Do que esperar
Uma nova forma se formar
E se desfazer de novo
Nem o amor pode ser permanente
Mas pode ser inventado
Eternamente
Para se desfazer sempre
E se fazer de novo.

sábado, 10 de julho de 2010

O tempo passageiro

De repente passou
Nada mais passou
Do que um sonho
Fugaz e ligeiro
As águas passadas
De meu pensamento
Mas ainda assim
Me alimento desta paisagem
Não que viva no passado
Vivo no presente de uma imagem
Que pode passar
Mas cuja passagem
Leva uma eternidade
As areias demorando
Para escoar na canaleta
De uma ampulheta
Como demora
Para passar
Como demora
A vida passar
E a morte que não chega
Se tenho na memória
Uma ilusão qualquer
Que não passa de fumaça
Como demora
Para passar
Como demora
O orvalho cair
Uma ruga surgir
Num instante
De passagem
Como demora!

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Maior certeza

A vida é breve como
As relvas de verão.
Escrevi seu nome várias vezes
Nas areias
Mas as ondas
Levaram.
O amor é como as pegadas
De um pássaro
Nas nuvens se
Transformando.

sábado, 3 de julho de 2010

As folhas secas

Ainda que varra as folhas secas
Não me canso de varrê-las
E novamente centenas de outras
Delas forram o meu chão.
Nem por isso tenho que deixar
De limpar quantas vezes for preciso
Para que num instante
Despenquem num relance
Todas as folhas deste inverno.

Se tenho que limpar minha mente
Destas ervas daninhas da ilusão
Ilusão maior é esta limpeza
Que nunca se livra das impurezas
Dos amores passageiros
Eternamente presentes.

Sem nunca parar de limpar
Mais que limpa a rua suja
Das folhas secas e caídas
De seus galhos suspensos.

Pudesse eu também
Desprender como folhas secas
Uma tristeza sem motivo
Mas que resiste em acabar.

Um balanço ligeiro
Um volteio e logo surgem
Folhas secas espalhadas.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Viajante do mar

Como invejo os marinheiros
Que nunca se fixam em portos algum
Preferem enfrentar as ondas bravias
Do que a maresia das terras firmes.
Quem fica nestas praias
Em que somente a onda vem beijar
As pernas da bela caiçara
Não pode se apaixonar
Pelas sereias do mar.
Onde quer que se vá
Em cada porto haverá
Uma esperança renascendo
Um poema sendo inventado
Diante de tamanho deslumbramento.

Nada mais para se dizer

Passados alguns anos
Reencontraram-se
Mas o fogo de antes
Incandessente era
Tornou-se indiferente
Um olhou para o outro
Não se conheciam mais
Nada havia de comum mais
Nem mesmo a amizade
Havia lugar.

Como não tinham
O que falar
Inventaram falas
E falaram de um grande
Amor vivido
Não por eles
Era o amor de suas memórias
Que ficou como fagulhas
De um pirilampo que dança
Sobre os campos da ilusão.

De repente dos rostos fechados
Um leve sorriso acendeu lá no canto
Dos lábios antes secos
E dos olhos lágrimas rasgaram
Fundo a face agora enrugada.

O amor somente existe
Na lembrança passageira
Do orvalho se desfazendo.

Enxugaram as lágrimas
E como nada mais tinham a dizer
Cada um foi para um lado.

Minha vida inteira

Ainda ontem sonhei comigo
hoje também sonhei -
Ainda sou o meu maior sonho
Sonho o sonho sonhando acordado
quando acordo
caio em mim
então sou a crise
crise da existência
existência de fausto
Sei que amanhã sonharei comigo
outra vez, fico tranquilo
mas isto me preocupa
Ainda sou o meu maior sonho
e amanhã ainda serei este sonho
inútil quebrar o espelho
Inútil flertar com a morte no mais louco dos prazeres
porque de manhã outra vez terei sonhado comigo -
Ainda sou o meu maior sonho

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Quando a noite cai

Um gato solitário
Por cima dos telhados
Espia
A noite revelar os amores
Fáceis das panças avançadas
Que na simplicidade dos encontros
Basta uma roda de comida
Regada a bobagem.

Um gato solitário
Por cima dos telhados
Espia...

Uma onda na areia

Porque escrever o seu nome
Por sobre a areia de uma praia
Se por um momento qualquer
Sem nenhum pudor e constrangimento
Vem uma onda rasteira
E quando se retira não deixa
Um sinal sequer de sua existência?
Em instantes vai toda uma vida
De encontrar a pessoa
Para somente escrever o nome dela
Nas areias de uma praia
E no quebrar das ondas
Sorrateira ela vem e apaga
O meu nome também.