domingo, 23 de dezembro de 2012

Final dos tempos

Que verdade há
Afinal
Na linha final
Do final do ano?
Se em janeiro continua
O verão
Derramando águas
Lavando as almas
Da fuligem do tempo!
Se começo
Nada mais acontece
Do que outros começos
Que acontece
A qualquer tempo!


As luzes desencantadas

Um faiscar desdenhoso
lâmpadas natalinas
derramando um leite
caudaloso
que sem gosto
deixou de agradar.

Ano Novo bom


Ao passar este ano
Ano Novo é desejável
como que o novo fosse acontecer
pudera que fosse verdade.

Esta febre que me acomete
que a minha pele não revela
mas presente nas entranhas
desconhece
que o Ano Novo acontece.

Que sinal revela
esta água que baixa
pelos canos do nariz?

Esta água que lá fora
inundou o jardim
prenuncia janeiro
transbordando pelas ruas
a invadir bueiros
e a desalojar os ratos.

O que parece novo
não se trata de uma esperança
uma esperança envelhecida
mas uma  ilusão
que se renova.

Os poetas mortos

Estes amigos poetas
morreram todos
sem companhia para
poetar
minha companhia
com quem não converso
espera alguém
que pare de vez
de poetar.

Enquanto alguns esperam

As noites alongadas
pelas mesas dos bares
ficam cheias às sextas-feiras
ficam de bebedeira
os desiludidos
enquanto os iludidos
esperam o amanhã chegar.

Como que amanhã pudesse existir!

Queima a mata

Os bicos de fogo
continuamente acesos
em toda Mata Atlântica
queima metais pesados.

E a fumaça branca
num rastro ascendente
confunde-se com as nuvens
que começa a arder numa
chama sulfúrica
a queimar a ponta das folhas.

E a fumaça negra
num tropel de cavalos selvagens
 a pisotear corpos
que perderam a natureza humana.

O túnel

Estes túneis que cortam
a serra
é uma viagem
nas próprias entranhas
silencioso e mudo.

O mar

Quero ver o mar
e desesperadamente mergulhar
meu corpo insalubre
e lavar a alma.
Pudesse lavar
por um instante que fosse
meus karmas
de um passado inglório
em que bebi de licores
coloridos da ilusão!

Tempestade

Em cavalos negros
as nuvens de dezembro
cavalgam tempestades.

O que cavalgo neste momento
senão o dorso em febre
de meu próprio pensamento
que divagante conhece
o vento cortante
e a dureza das pedras.

Assim caminhava

Um andor do Senhor
dos Milagres caminhava
nos ombros de homens
que carregavam pesado
num andor carregado
de fé
de calor.

Homens que carregavam
o andor do Senhor
enquanto mulheres lamentavam
deixando um rastro de incenso
no ar carregado de sofrimento.

Homens que carregavam
todos os pecados do mundo.
Homens que pediam
um milagre
um andor do Senhor
dos Milagres caminhava.

De um bar do Peru

Este vozerio que espalha
pelas mesas do bar
tem o cheiro das sardinhas
que senti pela primeira vez
dos barcos a descarregar
suas redes carregadas
que vinham do mar.

Estas vozes que ouço
vem de um bar
vem de um cargueiro
dos pescadores solitários
que deixaram mulheres em terra
amores nas montanhas
nas planícies imensas
de areia e sal
que salgou todo o Peru.

Este sal que sopra
vem do mar.
Este vozerio vem
das mesas de um bar.

Os cristais partindo

Estes copos de champagne
transparentes
enfileirados
brilham uma brancura
de cal.

São tão irreais
derretendo ao calor da noite
em movimentos glaciais
corpos de uma mulher
prestes a partir um trincado
que se foi alongando.

Quando o tempo passa

Esta sensação de acabamento
do ano passado que passou
deixou pelos cantos
um rastro de poeira
que não se levanta
nem por encantamento.

Sem tempo para tristeza
que tomou rumo inesperado
foi-se de vez
para as águas profundas
lá no fundo do esquecimento.

Pudera em silêncio
descansar a cabeça aflita
docemente pairar nas velas
perdidas em alto mar.

Pode-se no mar
e embarcar nos redemoinhos
e girar a terra
e girar o sal
e tornar-se lama a ser moldada
de novo!

Como não dizer tudo

Ainda as palavras
em suas insubstancialidades
que como sombra varre
este chão que esconde
todos os sofrimentos
e alegrias
de uma poeira
que se assenta
e de novo se levanta
desenhando formas
de existência efêmera.

Minha vida passageira
poeira do tempo
poeira além das palavras.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Visita do tempo

Uma sensação gelada

Penetra pela imensa sala

De alguém conhecido

Desconhecido pelo tempo

Que se perdeu completamente

Por estas vias tortuosas

E clandestinas

Das ruas do centro.



Como um fantasma

De face inexpressiva

Sua voz vacilante

Remete a outras imagens

Que caíram no esquecimento.

Mas um dia

Novamente

Uma provocação insana

Salta da mente

Salta de um lugar

Que deixou de existir.



Esta poeira do tempo

Que penetra fundo

Nos olhos

Ainda incomoda

E todo esquecimento

Não passa de um desejo.





domingo, 18 de novembro de 2012

Lembranças em ruínas

Após a passagem da tempestade

Nada mais resta no chão

Daquilo que foi um dia

E caíram os castelos

E caíram as igrejas

E das ruínas

Nem sobrou a consolação

Como nada mais

Pudesse existir

Como pudesse ter existido

Um dia.



Apagou-se de um dia

Para outro

Carregado pelas águas

De uma consciência indômita

Arrasadora

Que nem mesmo restou

Uma arqueologia possível

Que pudesse compor

Um labirinto de formas

Poeiras de um passado

Que já passou

Escorrendo no ralo.





sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Clarão nas areias

Por quanto tempo silenciaram-se

Os canhões e a tempestade de areia

Nos campos de guerra

Das areias sagradas

Que em tempos passados

Foram pisadas pelas sandálias

De Moisés por quarenta anos?



Ainda não se cansaram

Incendiar a noite metálica

Das flechas flamejantes

Explodindo num espetáculo

Pirotécnico

Sem as bandeirinhas

De São João

Pois hoje não é de festa

E há muito quebrou

O cachimbo de barro

Assim a fumaça que sobe

Não é a da paz

A fumaça é a da fuligem

Dos mísseis caindo

Numa chuva ininterrupta

De intolerância.



quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Procissão

Aqueles homens carregavam

Nos ombros carregavam

Um andor com o Señor de los Milagros

Em pingas o suor corria

Dos rostos morenos

Vestidos com capas lilases

Um passo à esquerda

Dezoito homens carregavam

Todo o sofrimento do homem pobre

Dos distritos peruanos

Um passo à direita

E arrastavam de um lado

De um lado para outro

Avançavam a passos lentos

Para não chegar a lugar algum

Enquanto na cruz agonizava

Com feridas barrocas

A última esperança

Tão acalentada por todos

Das mulheres que se arrastavam

De costas

Incensando o ar parado

Dos antigos ditadores

Tão adorados.

Tão adorados.



domingo, 28 de outubro de 2012

As folhas nem escritas

Os livros que não li ainda

Contam histórias

Em que vivo neste momento.

Prefiro não lê-los nunca

Antes fazer de minha vida

Um drama jamais escrito.



As lágrimas de cera

Naquela saída havia

Velas vermelhas

Apagadas

Em que a cera derretida

Eram lágrimas de uma mulher

Que perdeu o amor

De um amor que nunca teve!





O anjo negro

Sem nada fazer

Caminhava pelas ruas

Carregando um saco plástico

Carregando seus sonhos

Muitos deles

Em que acreditava.



Vivia nas ruas

Vivia num abrigo

Da prefeitura

Sem amigos

Nem mulher

Nem um cachorro.



Disse ter conhecimento

Dos segredos das lojas esotéricas

Disse saber da cabala

Disse ter poder nas mãos

Energia que irradiava

Sem que ninguém pudesse ver.



Disse ser um anjo negro

Que caminhava pelas ruas

Que ajudava

Quem trabalhava

Ele próprio

Nunca fez nada.



domingo, 14 de outubro de 2012

Poesia


Da vivência: minha matéria-prima.
Da imaginação: minha manufatura.
Das palavras: meu suporte.
Para leitor: meu mundo

Aqui ao lado


Quando pequeno no meu quintal tinha uma cerca
de pequenas frestas para o terreno do vizinho
onde morava aquela linda garota que mal sabia meu nome.

Mas de nada adiantava olhar pelas frestas
que nada podia ver, senão poucos movimentos de seu cabelo
brincando com o cachorro no jardim
Assim como a vida que pouco se vê além do agora.

Finos cabelos brancos

Hoje, com meus cabelos brancos, sei do tempo que passa
e que não quero deixar deixar passar.
Viver o que não vivi, ser o que não fui
Amar quem deixei de amar.
Tudo por uma única vontade,
daquela época de garoto,
que não sabia do tempo que passava
e que queria deixar passar.

Uma vida a fio

Alguns fazem planos

A respeito de suas vidas

Abaixo dos panos

Nenhum plano

Faço

Para os próximos 5 minutos.

As duas vidas cruzadas

São muitos os amores

Que cruzaram minha vida

Uma se chama Losartan

A outra Narcaricina

Pensei um dia

Abandoná-las

Pensei

E minha vida não seria

A mesma

Se depender de mim

Nunca ficarão longe de mim

Se depender delas

Nunca ficarei sem elas.



domingo, 30 de setembro de 2012

Tufando


Em casa, o silêncio solitário
É quebrado apenas pelos gritos agudos do vendaval
E a violenta dança das árvores a segui-lo.
A chuva chega em golpes surdos chacoalhando as janelas.
Ah, o desconforto da vulnerabilidade!
Hoje, a noite é de Lua cheia
Mas, lá fora, apenas a escuridão.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O poeta


Adrenalina do poeta é andar na corda bamba
da realidade à irrealidade,
confundindo os nós que grudam as pontas
de pequenos fios singelos,
tecidos à mão em dia e noite
e retirados das vidas
que se esfacelam diante de seus olhos
impotentes em ação
potentes em suposição
camuflados numa caneta
e recheados duma vontade
de não ter que andar numa corda bamba.

O poeta não escolhe
a não ser o pé que vai a frente.
sob o abismo da realidade nua
crua e cozida das dores e dos desamores.

O poeta apenas anda,
na corda bamba
dos fios de sua própria vida

Que saudades que tive

Que saudades que tive
da sua presença sublime,
de seu toque agraciador
em todos aqueles que necessitam
dum aconchego ligeiro.
Acalma os calores e traz a vida
Que saudades que tive
da chuva de primavera.

Sopro de gaita

É pelo sopro de uma gaita
que ele suspira a avida.
Em Dó entoa as músicas
que cantam os versos, imemoráveis,
De amores, desamores e não tão amores assim.
Uma pequena gaita prateada
que cabe num bolso,
esquece num só sopro
e muda uma história.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Mais um


Apenas um mais
Nessa corrente sem fim
Sem começo, nem fim.
E sem começo nem fim,
Quanto vale um?
Quanto valem cem?
Quanto valem mil?
Vale apenas um mais
Que no fim nada vale de mais
Vale apenas um
Apenas um e nada mais.


terça-feira, 11 de setembro de 2012

Mil

Mil
não um, nem dois... Mil

Um, zero, zero e zero, que é diferente de
zero, zero, zero e um.

milésimo poema deste blog.
Como saber se as escolhas da nossa vida são certas?
Não há como. Apenas apreciar o momento e deixar nossa vida ser levada pelo vento, pois somos o próprio vento.

Kannon sama


Como me mover diante desta compaixão?
Deste grande coração que indiscriminadamente tudo envolve?
Até minha cegueira desordenada,
calibrada no auto-realizar,
duvidosa e cheia de dúvidas.
Alimentada por uma avalanche
sinestésica informada em sociedade.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Rama seca


A rama seca
Ali, à espera das águas de uma primavera inalcançável,
sustentada pela terra, agora quebradiça
e empedrada pelos veios de uma cidade já morta.
Ah, rama!
És a única vida ali vivendo,
entregue ao movimento dos ventos.
Debaixo d'um céu azul,
não orando, mas sim esperando, apenas,
Que a água volte ao seu útero.

De pássaros e gatos


Há pássaros que não ficam em gaiolas.
Por mais que o homem pense o contrário,
alguns destes animais foram feitos para voar.
Despreocupados da chuva, do Sol,
do contra-vento e dos gatos.
Ora, os gatos são bonitos!
Quem dera, assim como me alimentei,
alimentar o gato
da forma naturalmente mais bonita!

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Quando o vento sopra

Descanso minha alma

Que alquebrado plana

Acima dos capins macerados

Pelo sol que amarela

A tarde desaparecendo.



Uma brisa que fresca

Sopra acalma neste instante

Todos os meus tormentos.



Quero ser também o vento

A levantar torvelinhos

Pelos caminhos não andados

Por qualquer pensamento.



Sem sair do lugar

Nunca pode-se fugir

De si mesmo

Deste lago anoitecendo

Que cada vez mais

Vou caindo

Sem terras em meus pés.



Silêncio é companhia

Que umedece os lábios

Que secaram

Das febres passadas.



Viver é cair profundamente!



Que faço agora

Pelas janelas infinitas

Abaixo do céu de nuvens

Escuras

Uma mulher de pedra

Dança.



Uma criança por trás

Dos ferros não sorri mais

E parou de brincar.



Mas haverá em algum ponto

Um velho a mastigar

Seu cigarro de palha.

Nada mais importa

Se nenhum sonho

É possível sonhar.

Se amanhã não existe

A manhã se fez neste

Instante!



Caminhante

Sem procurar nada

Caminho sem nada buscar

Senão avançar adiante

Onde levam meus pés

Que jamais caminham

Numa linha reta

Procurando por coisa alguma.



Sem chegar nunca

Nunca sai deste lugar

Nem há onde possa ir

Sou vento soprando

Sou calmaria parando.





Vaga lembrança

Por onde andava

Andava também

Um restaurante coreano

Quando parei havia

Apenas uma lembrança

Que dissipava-se

Dos amores que se foram.



Visita-me às vezes

Visita-me o restaurante

Coreano.



As árvores

Estes galhos enegrecidos

Avançam seus braços

Sobre os carros

Que trafegam neste instante.

Sem consolo algum

Numa abraço de morte

E sugando a seiva de sangue

Dos homens

Só verde ficou

Manchando o chão

De asfalto.



O destino tomado

Numa encruzilhada havia

Uma vela vermelha

Numa encruzilhada havia

Toda indecisão

Que direção tomar

Por isso ficou a chorar

Que decisão tomar

Não tomou

A velha queimou

E a vida se foi

Num soprar do vento

De um vento ladino.



No cal da desilusão

Pulsa incessantemente

No pulmão de cimento armado

O combustível queimado

Da fuligem dos carros

Que também pulsa

Em minha caixa de máquinas

Que falha a cada instante

Desta vida curta

Que só vale a pena

A vagabundagem poética

Das esquinas de minha

Cidade!



Soprar pelos cantos

Que politicamente

Incorreto

Seja uma contradição

Destes tempos

Em que os ventos

Em desalinho

Procurem pelos cantos

Um caminho

Possível.



Quando nada mais diz

O que restou das formas

Instaladas

Desta arquitetura

Inventada no passado

Do que uma porção

De palavras que faço uso

Para dizer tão pouco?

Sombra de uma pedra

Que rolou com a água

Mas a insolência

Insiste em ficar.



Vivo agora

Foi por um lapso passageiro

Que passou em minha vista

Um risco vermelho

Que pensei ter sido

O passado de minha vida.



Mas não tenho lembrança

Alguma

Nem foto antiga

Nem história para

Contar.



Nasci neste mesmo

Momento

Que passei a me esquecer

Quando foi isso!



Quanto ao futuro

Que bobagens pensar

Naquele que não sei

Se pode acontecer.



Amigo do vento

Pelas vias mais simples

Simplesmente deixei a vida passar

Passou por uma porta

Pela outra também

E ninguém mais pode segurar

A areia fina esvaindo-se

Pela boca de um funil

O guizo que toca nesta hora

Soprado pelo vento

Só toca agora

Só toca neste momento.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A vida escapando...

Que mais vale a pena

Viver na certeza

De que nada mais vale a pena

Do que viver na incerteza

De que nada mais fica

Em estado sólido

Nas palmas

Sem que

Escorra

Entre

Os dedos.



domingo, 26 de agosto de 2012

No cal da desilusão

Pulsa incessantemente


No pulmão de cimento armado

O combustível queimado

Da fuligem dos carros

Que também pulsa

Em minha caixa de máquinas

Que falha a cada instante

Desta vida curta

Que só vale a pena

A vagabundagem poética

Das esquinas de minha

Cidade!



Eu e a chuva

Nestes dias de chuva


Derrama sobre as calçadas

Um frescor cristalino

Que esfria de vez

Todo calor que ainda sinto

Na transparência dos sentimentos

Que tal qual folhas secas

Jaz nos canteiros

Cada vez mais gelado

Os membros

Os galhos enegrecidos

Destas árvores urbanas

Pendem num só lamento.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Nada mais se detém

Quando nada mais fica na memória

Nada mais tem importância

Naquilo que poderá ser.



Sem impedimento

A água cristalina

Corre no lado descendente

De uma montanha lisa

Quem pode segurar

A fluidez de uma nuvem

Destas flutuantes

Vagabundeando nas tardes

De primavera

A primavera também

É uma mulher

Envelhecida!



Vida instantânea

Em minha companhia

Apenas o vento soprando

Que alegria

Nada fazer do que

Nada fazer

Senão ventar junto

Com o sopro

Desta vida

Temporária

Que vivo

Apenas

Neste momento.



domingo, 29 de julho de 2012

Rodopiando

Por um instante sequer

Naveguei em terras estranhas

Nestas longínquas miragens

Em que divisa

A vista em que alcança

Nem precisei ir tão longe

Pois nunca saí do lugar

Em que sempre fiquei

Ainda que estivesse

Nas geleiras de Patagônia

Em que os marrecos escurecem

Ao anoitecer

E os peixes imóveis

Morrem nas águas salgadas

Das lágrimas dos desesperados.



Onde quer que vá

Não dou um passo adiante

E continuo rodando

Em voltas rodopiando

Como um dançarino turco

Do culto do sufi.



Onde quer que vá

Sempre estarei

Nadando na bolsa plástica

De plasma

De placenta transparente

E assistindo sempre

O mundo que me chega

Em imagens de fogo

De fogo que queima

Do fogo que ainda arde

Arde e incendeia.



Não poderia ser

Diferente

Nem seria...





sexta-feira, 27 de julho de 2012

Pretérito perfeito

O que sobrou de ontem

Senão um monte de cinzas

Que ainda quentes estão

Podem queimar profundamente

E marcar a pele

Numa queimadura

De segundo grau.



Não mexa naquilo que

Descansa

Numa dança imóvel

Do vento.





quinta-feira, 26 de julho de 2012

Liberdade da incerteza


Um pássaro, quando preso,
Não é da pela liberdade que canta em solidão
Atrás das grades que lhe impõe o nome “lar”.

É pela incerteza que a ave chora,
Canta amargamente.
Confinado num mundo programado
Cheio de certezas, metódicas como um relógio,
Sequenciais, intermináveis,
Ininterruptas e infalíveis.

Ah! A certeza.
Não há nada mais repugnante que a certeza,
Para um pássaro de horas marcadas,
Que sabe onde, quando e como vai morrer.

terça-feira, 24 de julho de 2012

Fuga de si mesmo

Nada pode ser mais

Fugaz

Do que o fim do gás

De uma emoção

Que se tornou

Ultrapassada

Motivo de risada

Dos que ignoram

Toda miséria

De suas existências

De um mundo que tem

Razão

Mas sucumbe

De um mal maior

Esquizofrenia.



Uma ausência...

Dos amores passageiros

De passagem ficaram

De passagem se foram

Em instantes!

Mas algo ficou

Para não se ir

Jamais

Uma tristeza

Que insiste

Criar morada

Em minha casa.





Sombras da memória

Como se saltassem do passado

São rostos embranquecidos

De fantasmas

De rugas e formas

Que não se reconhecem mais

Nem estima

Daquilo que agora

Invadem meu quarto

Guardado pelas chaves

Fazem sentido.



Assim visito

Com cautela

Um álbum de retratos.



domingo, 22 de julho de 2012

Encaixe


O que são os encaixes?
Nesse mundo, as coisas sempre devem encaixar-se, quase como regra.
Uma busca infiel, por uma vida encaixada, que possa ter todas as suas frestas e arestas completadas por algo, seja  a si próprio, seja o outro.

As coisas devem ser sempre encaixadas para que sejam satisfatórias. Sempre deve haver um encaixe inverso, seu complementar, naquela forma ideal.

Onde encontrar este complemento?

A luz encontra a escuridão, o vermelho encontra o ciano, o bule encontra a água e a colher encontra o mel.
Eu? Eu encontro a própria vida, refletida num papel em branco diante do meu rosto.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Vida Aventureira


Ah! O peso destruidor que esta vida mal vivida me presenteou.
Amarrado à uma cadeira que só tem quatro pernas, numa mesa de canto, onde apoio textos centopéiecos que me lançam numa explosão de sensações e vontades curiosas.
Ah! A vontade de correr para um destino que ainda não sei, com os pés descalços na orla da mais isolada das praias, longe daqui, onde a rua corta meus dedos.
Mas tudo isso não passa de um sonho de olhos abertos e que estão vidrados nas histórias daqueles meus heróis que puderam caminhar o mundo e fazê-lo suas casas.
Querer ser como eles me trás o medo de ser como eles, desbravadores e incertos quanto seus finais.
Quem diria eu, poder não saber onde cair morto.

Amigos e diferentes

Ainda que na maior discordância

Meu amigo

Há de continuar amigo.

Mas se as ideias

Não forem as mesmas

Se as ideias

De longe forem mais

Importantes

Do que as amizades

Então teremos problemas

Sérios problemas

De vaidade

De simples vaidade

Que se alimenta nossa ilusão.



Forma são


O que forma a formação das formas?

Se algo forma, indubitavelmente por outro foi formado, que anteriormente também formado por um mais, ele foi.

Eu vejo a forma que me forma a partir de sua forma e percebo que eu próprio sou a forma que me forma a partir de sua própria forma. Minha forma é a não forma, formada por uma forma que é a não forma da outra forma, que também é a não forma de uma não forma.

A forma que me forma é a forma que eu formo, que formará e que formarão as formas que sempre serão a não forma de uma única formação.

Eu formo.
Tu forma.
Ele e ela forma.
Nós, forma.

Tudo é forma, de uma só forma, sendo a não forma a forma desta forma.

Uma nova religião


Sempre a minha verdade

Deve prevalecer

Bem que as outras verdades

Não passam de futilidades

Se comparadas à minha.



Defensor dos bons princípios

Dos direitos dos menos favorecidos

Também dos mais favorecidos

Do direito à vida dos abortados

Do direito à morte dos desenganados

Do direito de não sentir o cheiro do cigarro

Do direito de fumar

Do direito de não sentir fome

Dos direito dos animais

Do direito dos anões em pagar meia passagem

Na sessão do cinema

Do direito dos políticos em negociar

Em causa pública

Em causa própria

Do direito do funcionalismo

Folgar um pouco mais

Do que os que não são gozam

Do mesmo privilégio

Do direito adquirido

Do direito a ser ainda adquirido

Todos falam em direito

Como se houvesse apenas direitos

Se assim fosse

Direito!



domingo, 15 de julho de 2012

Uma questão de tensão

Apenas assistiu

Sem nada entender

Dois adultos discutindo

Seus pontos de vista

Defendendo a verdade

As suas próprias verdades

E assim julgavam ser

Sempre assim

Os donos da verdade

E as guerras começaram

Sempre em nome da verdade

E as guerras santas começaram

Em nome dos santos

Enquanto num canto

Uma criança não sabia

O que no mundo acontecia

Um bombardeio partia

Carregando em suas asas

As almas dos mortos

Por um capricho

Humanamente aceito

Humanamente desprezível.





sexta-feira, 13 de julho de 2012

Melancólica somente

Será apenas uma palavra

Melancolia

Ou será invenção dos psicanalistas

Ou da pequena burguesia

Será melancolia

Uma palavra bonita

Encontrada num canto

Da página esquerda

De um dicionário

Ultrapassado

Que perdeu validade?

Talvez seja

Algo usado pelos poetas

Desesperados

Pelas palavras criadas

Para tornar a vida

Mais interessante

Incessantemente

Buscada

E perdida.

Melancolia

Por perder

Melancolia

Por achar.



terça-feira, 10 de julho de 2012

Ao encontro do canto das sereias


Num jogo de damas

Perdi mais do que as pedras

Que não passavam de artimanhas

Para enganar os desavisados

Estes marinheiros de primeira viagem

Que confundem as ondas

As espumas levantando-se

Em cristas de galo

Como fossem sereias

Destas mesmas

Que enganaram Odisseu

Ou deixou-se enganar

Só para beber de suas bocas

Um hálito agradável

Das oliveiras.



domingo, 8 de julho de 2012

Visita ausente

Num canto da janela

A noite vai penetrando

E fria chega

Por cima dos pelos

De um braço

Que apenas descansa

Espera um abraço

Que não chega

O que me esquenta

Continua sendo

Minha blusa velha

Que perdeu a linha

Meu lápis duro

Que me arranha.



Uma dor sentida no frio

Há uma dor que me visita

De manhã

De tarde

De noite

Pudera ser uma dor amorosa

Longe disso

A dor que me assola

É a dor da gota

Que me amola

No pé esquerdo

Isento de romantismo

Isento de qualquer lamento

Uma dor terrena

Epidérmica

Oceânica

Vulcânica

Uma dor desiludida

Pois até a ilusão foi perdida

Nada mais resta

Que salve

Só fica

Uma dor enjoada

Fria e desbotada

Uma dor ordinária

Que nem marca deixa

Senão a sensação

De um imenso vazio

O vazio da dor sentida.



sexta-feira, 6 de julho de 2012

Caminhos de pedra

As pedras atiradas pelo chão

Também falam

Numa linguagem silenciosa

Falam a respeito da dureza

Dos corações

Que não mais se emocionam

Nem se dão ao trabalho

De chorar mais.



São de pedra as estátuas

Que enfeitam as praças

Que sentem o calor

Do dia.



É a friagem da tarde

Que tornam

Os que não são de pedra

Frios.

Mais frios do que

O frio desta noite.



A parede branca

Como é silencioso a noite

Em minha sala de leitura

Em que minhas lembranças

Nada mais são

Do que lembranças

Mas que ainda

Não saíram da minha mente

Sou lembrança no presente

Sou o passado reinventado

Nas paredes brancas

De minha existência

Efêmera com certeza

Bolhas de sabão

Subindo acima do portão

Por entre as lanças

E ferros indomados

Sou também a incerteza

Que navega num barco

Furado!



Quando o vento dobra

Ainda carrego em meus braços

Os arrozais de Kumamoto

Que ao vento da primavera

Dobravam-se em reverência.



Ainda enterro minhas pernas

Naqueles alagados

Cujo barro tingia de negro

As pernas das velhas

Que curvadas avançavam na vida.



Vistos do alto

Das montanhas dos pinheirais

Somente do arroz

Sinto saudades

Que verdes balançavam

Uma brincadeira

De criança levada.



Os arrozais que sempre

Estarão comigo

Que em suas águas lamacentas

Enterro meu corpo inteiro.





quinta-feira, 28 de junho de 2012

Uma vida atrás


Uma fumaça branca

Eis que se ergue

Após o passo dado

Passo dado adiante

E todo esforço

Fora em vão

Como não tinha sido

Outrora

Agora não passa

De um sonho

Que de pouco a pouco

Vai se apagando

E se tornando cinza fria

A se esparramar

Pelos caminhos andados

Caminhos a que não se retorna

E nem saudades fica

Nem um pouco desta saudade

Que incomoda

Esta alma errante

Ignorante por natureza

Teimosa por ser ignorante.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Uma tentativa mal sucedida

Se esquecimento fosse uma palavra

Uma palavra não seria

Mas ainda não seria

Solução

Se esquecer fosse a vontade

Nada disso aconteceria

Nem por vontade

Nem por falta de vontade.



Esquecer é deixar de viver

E apagar um passado

Que existe somente

Nas reminiscências

Mesmo assim

Não poderia ser

Simplesmente esquecido

Como cão abandonado

Após convivência em comum.



Ainda que fosse possível

Não esqueceria

Ainda que as dores passadas

Fossem apenas passadas no tempo

Ainda assim

Não seria desta forma.



domingo, 24 de junho de 2012

Pelas ruas pouco conhecidas

Numa esquina estava

Uma moça que levava

Numa mão uma rosa

Uma rosa vermelha

Não sabia quem era

Nem tinha certeza

Nem queria saber

Quem era ela

Era noite funda

Profunda era a incerteza

De minha vida

Vivida unicamente

Naquele momento

Em que via

Uma moça que levava

Uma rosa vermelha...



terça-feira, 19 de junho de 2012

Sou o mundo agora

Nem tristeza

Nem alegria

Apenas a respiração

Lenta

A respiração cardíaca

E como companheiro

O silêncio que vai preenchendo

Cada vez mais

A tarde que vai

Se retirar

Neste exato

Momento.



Pensava ser verdade

Quando acordei

Lavei minha cara

Era uma cara comprada

Numa loja de fantasias

Uma cara de palhaço

Com nariz vermelho

Um palhaço que tinha nome

E assim passou a existir

Que trabalhava

Que vagabundeava

Pelos rincões desta cidade

Um palhaço que pensava

Existir

Mas não passava

De uma máscara

Que pensava que a máscara

Era a sua cara

Sua cara?

Todas as caras vendidas

Numa casa de máscaras.



segunda-feira, 18 de junho de 2012

As ilusões desta vida

Sorria

Um sorriso aberto

Um Buda sorria

De cima de seu assento

De cima de uma montanha

Sorria

As ilusões deste mundo

De nascimento e morte

De dia e noite

De ventania e calmaria

Dos encontros e partidas

De amor que não passa

De uma palavra inventada

Só para enganar

Os desavisados.





Atirador de pedras

Atire a primeira pedra

- no pássaro preto.

Atire a segunda pedra

-no pássaro preto.

Cada vez mais ferido ficou

Quem a pedra atirou

O pássaro se foi

O pássaro nunca esteve

O pássaro não passou

De uma ilusão de imagem?

Uma ilusão que pousou

No muro de meu jardim.



Noite solitária

Nos olhos entrecortados

A tarde deita-se atrás das nuvens

Num sono agitado

Em que os gatos

Caçam andorinhas

Que despencam dos galhos

Curvos e ressecados

De final de outono.



Quando as luzes acendem-se

Nas lanternas japonesas

Uma brancura leitosa

Começa a derramar-se

Sobre as nossas capas

De uma chuva passada.



E por estes caminhos

Que os pés insistem em pisar

Só pisam em espinhos

Deixando um rastro

Sinuoso de lamentação.



Assim o vento sussurra

Suave canção de minar

Canção que vai morrendo...





domingo, 17 de junho de 2012

Sumiê

Um velho buda


Recriando budas


Com seus pincéis


E sua tinta de carvão


Trabalhando em sua solidão


Com toda a grande Terra


E os seres sencientes


Sob a estrela da manhã


Um velho buda


E sua tinta de carvão

Um fado cantado

Numa janela havia

Uma triste melodia

De um país distante

Além destes mares

De saudade chorava

Era Amália Rodrigues

Que se afogava

Nas beiras do Tejo.



Correndo contra o vento

Nenhuma saudade ficou

Mas ainda que pudesse

Esquecer

O passado é ardiloso

Muito mais do que

A vontade

De sofrer de uma amnésia

Consentida.



Caminhante noturno

Nestas noites longas

Em que os passos longamente

Estendem-se pelo espaço

Mal pisam o chão

Cada vez mais distantes

De uma experiência visceral

Senão vivenciada

Em seu mais profundo

Mar de incertezas.



quinta-feira, 7 de junho de 2012

Os pés que pisoteiam

Apenas havia

Naquele caminho de sempre

Folhas secas

Que desprezadas

Foram pisoteadas

Sem piedade.



Os mesmos pés

Que incessantemente

Não se cansam

De pisotear

Este chão sagrado

Morada dos deuses

Que sustentam

Nossas casas

Nossos estômagos

Sedentos de alimentos

Que bebe da terra.



Ainda assim

Pisamos

Com sapatos

Impuros

De toda insolência

Humana.



terça-feira, 5 de junho de 2012

Só vou com o vento

Sem nenhum passado

Que se foi com o vento

Sem futuro vindouro

Que distante ficou

Sou tenho o presente

Que nem posso reter

Entre os meus dedos

Se assim pudesse ser.



Para quê as lembranças

Fumaças do tempo

Que de tempo em tempo

Vão se dissipando

Em minha memória.







Eterno peregrino


Daquilo que ficou

São as nuvens de Shogoji

Abaixo das montanhas

Brancas

Em que podiam se caminhar

Sem afundar as pernas

Nos alagados dos arrozais

Nos carvalhos vetustos

Em que vivi

Meus melhores dias.



Ainda caminho

Pelas mesmas trilhas

Que um dia

Caminhei.



Ainda existe em mim

A mesma escadaria

De pedras pontiagudas

Precipícios

Em que caíram

Guerreiros de outros tempos.



Uma vez que lá esteja

Nunca mais saímos de lá

Onde quer que possamos

Caminhar

Caminhamos a mesma trilha.





Manhãs que não acabam

Uma instabilidade temporária

Em tempos de chuva

A alma liquefeita

Escorre pelas ruas

Sem pressa alguma

Por chegar a algum lugar.



Nunca chegamos

Sempre estamos

No mesmo lugar.



Como é agradável

Ouvir

A chuva caindo devagar

Nestas manhãs alongadas

De outono.

Como o outono demora

Para passar.



domingo, 3 de junho de 2012

Muito fluido

Apenas imagens

Que numa fumaça

Foram se dissipando

Como nada tivesse

Importância

Um filme antigo

Que uma vez visto

Não se repete mais.







O pássaro criador

Ainda que mergulhemos

No mais profundo

Sentimento

Num mar sem fundo

Nada mais existe

Do que o silêncio

Silencioso e derradeiro

De uma tarde

Em que sorrateira

Uma gralha azul

Inventa a vida

De um galho ressecado

Que balança

Ao sabor do vento.



sexta-feira, 1 de junho de 2012

O que queima

Uma borboleta de cristal

Reflete um azul infinito

Vindo do mar

Vindo do céu

Vindo de todo lugar

Dos olhos de Mariana

Que ardentes

Provocaram em minha pele

Uma queimação apaixonada

Que ainda guardo

Como prêmio.





Entre as paredes

Perdoem-me

Minhas limitações

Por não ter estudado

Matemática

Nem geometria.



Perdoem-me

Minhas limitações

Por não ter sido

Um atleta competente.



Perdoem-me

Minhas limitações

Nos estudos elevados.



Perdoem-me

Minhas limitações

Por não tocar flauta

Nem saber cantar.



Nesta vida inteira

Pouco fiz

Não tomei bebedeira

Não conheci Paris.



Nem fui bom

Um tanto mau

Por isso uma acidez

Contínua me destrói

O estômago.



Fui um mentiroso

Que acreditava ainda

Que ainda

Uma garota de olhos grandes

Haveria

De ser musa eterna.

Que escrever espantava

Uma solidão permitida

Dos desvairados

Presos em seus quartos

Cuja poeira

Caia densa

Num assoalho de cera

Vermelha.









Um passo atrás

O que pode sustentar

A inércia deste corpo

Maltratado pelo vento

Que caminha de costas

Sem ver adiante

Vendo sempre

Os próprios passos

Se apagando ao relento

As marcas postas

Numa trilha de cal.



E tudo se passa

Em instantes

Numa vida que passa

Num passado que passa

Na inconstância

Das imagens opacas

De um fantasma.



Mas sentimos saudades

De um tempo passado

Que passou

Do amor passageiro

Que não passa

De uma sombra

Do passado

Que continua passando

Como filme antigo

Num cinema decadente

Habitado pelos ratos.



Somente os ratos existem

Neste momento

Que continuam a roer

As paredes grossas

De meu baú de passados.





quinta-feira, 31 de maio de 2012

Era uma creche


Um museu da infância
Guardava as aventuras do presente
Com castelos e dragões
Florestas encantadas
Frutos de imaginações que agora vêem a realidade
Abaixo, em escombros
Tingidos de amarelo alaranjado

*****

A mãe e o filho
Que esperam pacientemente
onde era ali, um reino encantado
Destruído na madrugada
Na esperança de que reste ao meno um livro
Capaz de levá-los dali
À um mundo onde as creches não são destruídas

*****

Somente as árvores
Na manhã alaranjada
A  creche em cacos 

quarta-feira, 30 de maio de 2012

O corvo branco

Nem era amarelo

o corvo que surgiu

o corvo que sonhei

era branco.



Fiz que não o via

fiz que não sabia

do corvo branco

de olhos fundos

profundo era o mar

que nos separava

o corvo que não se ia

e lá ficou

em minha morada

como fosse sua

sempre tivesse nela

vivido.



Um corvo que disse seu nome

Sempre estarei

Ainda que queira me livrar

dele

serei sincero nisso?



Estarei mentindo

mais uma vez

e toda vez que negá-lo

surgirá de novo

o mesmo corvo

a dizer seu nome

Sempre estarei

Não passarei mais frio

medo tampouco

não estarei sozinho

pois

Sempre estarei

estará do meu lado

com penugens brancas

não as de um pombo

que traz a paz

no coração dos homens

mas as brancas de um corvo

que traz a dúvida

que incomoda

que acalenta

a intranqüilidade

do homem que quer

a noite

que o dia cega-lhe os olhos

mas o sereno da madrugada

refresca as artérias

cheias de uma água rala

de beterraba.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Para espantar a solidão

Pela manhã

Pelas ruas de minha cidade

Uma multidão se move

E coça os olhos

Assim espanta o sono

Dessas noites mal dormidas

Em que visita-nos

Os ratos de esgoto

Buscando companhia.



Um murmúrio apenas

Nenhum silêncio se compara

Com o silêncio das cidades

Entre os murmúrios dos desesperados

O choro dos loucos

O gemido dos que se encontram

Em convulsão de um encontro amoroso.



Nada disso incomoda

Meus ânimos acostumados

Com o desencontro das vozes

E dos sons apagados

Que apenas querem se fazer

Presentes nas esquinas

Dos becos cheirando urina

Dos gatos andando como bailarina

Aos saltos

Como que os pés estivessem

Em brasa.



Neste burburinho de ondas

Que se levantam e se afastam

Da areia das construções

Minha voz é apenas

Um detalhe

Que na angústia de sua

Existência

Minha existência

Surge rouca

Afetada por um resfriado

Mal cuidado

Que insiste em ficar

No corpo semeado

De bactérias

E células que vão morrendo...



domingo, 20 de maio de 2012

Sem palavras

Numa dança macabra

Rodopia diante da luz

As asas de cupim.





As ruas de outrora

Por aquelas ruas em que andava

Em cujas fachadas das casas

Havia uma intimidade que saia

Através das janelas e cortinas amarelas

Nada mais restou no local

Mas ainda assim

Em alguma parte de mim

Somente isso continua a existir

Como sempre existiu

Nos olhos de menino

Que continuam existindo.



sexta-feira, 18 de maio de 2012

Noites sem estrelas

Numa sexta-feira

Quando a noite chega

Minha gata preta

Mia e pede atenção.



Sem que ninguém dê

Atenção

O casal de mendigos

Que não fala com ninguém

Como ninguém mais existisse

Prepara a cama

Para um repouso gelado

E sonha com uma cama

Macia

Que nunca teve

Em sua vida

Nem travesseiros

Nem lençóis brancos

Apenas o céu

Sem uma única estrela

Como companhia

Seu único amigo

Pulguento ao lado

E assim podem se aquecer.

Os caminhantes do tempo

Ao entardecer

As ruas são viajantes

De um tempo

Que deixou de existir

E parado

Somente as pessoas

Ainda continuam

Andando

Numa paisagem

Refletida no espelho.



O peso que levas

Nas costas carregava

Uma formiga

O mundo inteiro

Nas costas carrego

Também

O mundo inteiro

Todos os devaneios

Dos que ainda sonham

E não endureceram

Seus corações

Carrego os tolos

Também

Assim se fez o mundo

Havia pela cidade

Um murmúrio

Que nada dizia

Nem se lamentava

Que produzia

Uma constante

Corrente de conversas

Desencontradas

Como fosse o primeiro som

Da criação do mundo

Naquele momento

E assim

Deram-se nomes

E sobrenomes

Naquilo que antes

Nada tinha

Senão

Um depósito cheio

De coisas indefinidas

De uma memória

Ainda prestes a ser

Formada.





 

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Canto natural

Não tenho medo
o que tem medo é o medo 
eu não tenho nada, nada,
nada possuo... 

estou bem 
aqui

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Felina selvagem

Uma gata perdida
Pelas ruas desta cidade
Não quer mais dono.

Uma gata perdida
Foi-se
E perdida vive
Seus devaneios.

Quisera detê-la comigo
Mas nenhuma gata
Torna-se dócil
Mais cedo
Mais tarde
Vai-se.

Das lembranças passadas
Tal como lembranças
Cuidadas com carinho
Lembranças
Que com o tempo caem
Caem no esquecimento.

Esta é uma esperança
Que não esqueci neste momento.

Passeio sem amigos

Nesta manhã solitária
O ruído das máquinas
É um consolo
Enquanto isso
Uma brisa chega
Soprando levemente
Pelo rosto de barba mal feita
E passeia
Pelas ruas de rostos anônimos
Acariciando às vezes
Maltratando às vezes
Desaparecendo por fim
Por detrás das árvores
Cujas folhas caíram todas
E expondo seus galhos
Como braços que avançam
Pelo céu encoberto por
Suave e fina poeira
Uma névoa que esconde
Os pés descalços que calcam
O chão gelado de inverno
Que apenas inicia-se



Diálogos com o louco

Um louco perguntou-me
O que é felicidade
Pensei
Não demorei muito
Porque um louco
Faria tal pergunta
Será que somente
Os loucos buscam
A felicidade!

E nessa loucura
Constante
Percebi
Nunca procurei
A felicidade
Mas a loucura sim

Como invejo os loucos
Que ainda sonham
Com a felicidade

Enquanto os duros de coração
Apenas vivem
Além da felicidade
Apenas vivem
Intensamente

A felicidade presente
A infelicidade também





terça-feira, 1 de maio de 2012

Sem passado

Viajante do tempo

Sem direção alguma

O que me move

Neste instante

Senão

A vontade de sentir-me

Vivo

Sem passado

Sem lembranças

Que tenham passado

Que valha a pena de ser

Repassado







terça-feira, 24 de abril de 2012

Tudo parado

Pela avenida havia
Um sinal vermelho
E todos de repente
Paravam
E paravam de viver!
Nada mais faziam
Nem respiravam
Por um momento apenas
E o mundo também parava
De girar

Apenas um Buda de pedra
Que parado olhava
Com seus olhos finos
Sorria
Demoradamente
Sem pressa
Que o sinal mudasse
De cor

Um tempo demorado
De minutos parado
Numa esquina da rua


domingo, 15 de abril de 2012

Caminhante e o caminho

Pelas estradas da eternidade
Apenas o pó sobressaltando-se
Dos sapatos que pisam descompassadamente
Para algum lugar impossível
De chegar um dia
Sem partida alguma
Nunca fora realizada
Poderia parar
Por uma teimosia
E pararia de viver
E pararia de andar
Se isso acontecesse
O próprio caminho
Andaria por mim
Pois nenhum caminho existe
Se inexiste o caminhante
Errar é preciso pelos caminhos
Que não existiam antes
Que existirão para sempre

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Por um momento

Ainda que dolorida seja
Uma dor não pretendida
Não foi por acaso
Um encontro desnecessário
Em que a felicidade não passou
De um vento sorrateiro
Brincando por acaso
Nos papéis picados
Que saltitantes
Assentaram-se depois
No chão
Para serem varridos

terça-feira, 10 de abril de 2012

Jogos da infância

Nunca coloquei uma pipa
A voar
Além dos dois metros
E nunca meus sonhos
Foram além dos dois metros.

Nunca invejei as pipas
Coladas no céu azul
Em linhas esticadas
Unindo a terra
Com todo firmamento.

Pois a minha pipa voava
Apenas dois metros
Até cair
E quebrar-se todo.

Nunca me importei com isso
Como se isso fosse importante
Importante eram os lábios
De Elizabeth
A filha da empregada
Que não gostava de pipa
Que brincava de boneca
Eu era Jack "o Extripador"...

As caminhantes da procissão

Aquelas mulheres de negro
Percorriam a procissão
Nas noites escuras
Iluminadas por velas
Carregadas por elas
Por todos que seguiam
Em passos cadenciados
A longa via de uma morte
Anunciada
Carregando nas costas
O peso do mundo
Com todos os apegos
E sofrimentos
E dores doídas
De uma ilusão que não cessa
De continuar cessando
Uma ilusão que fora boa.

Pelas noites afora
Continuam caminhando
As mesmas velhas
Vestidas de negro
Com seu canto distanciado
Anunciando
Uma nova ilusão
Alimento que nutre
Os eternos iludidos
De uma vida iludida
Que desesperadamente
Quer ser verdade.

Após temporal

As noites cada vez mais longas
E longas são os nossos desesperos
Na procura de algo perdido
Que jamais será encontrado
Senão os destroços de uma casa caída
Após a passagem de um temporal

sexta-feira, 6 de abril de 2012

A moça passava

Passava todos os dias
Na rua em que morava
Passava com seus passos
Em movimentos suaves
Passava despertando
Minha atenção
Tinha mais idade do que eu
Mas nada disso importava
Nem quis falar com ela
Apenas fingia
Que não a notava
Um dia descobri o seu nome
Era Terezinha
Era Terezinha que passava
Na passagem de minha infância
Que ficava cada vez mais
Para trás

E agora
Passados tantos anos
Às vezes sinto ainda
Terezinha passando
Em minha memória
Naquela mesma rua
Em que morava
E ela também
Fingindo que não me via
E eu também
Fingindo que não a via.

Periferia

Deste lado da cidade
Uma favela sem nenhuma
Vaidade comemora o domingo
Na calçada mesmo
Enquanto dos carros
Olhares estranhos
Apenas olham
Horrorizados
A alegria latente
De um homem
Que nada mais deseja
Do que um copo que rola
De boca em boca
Entre iguais.

Sexta-feira Santa

Em algum canto desta
Cidade
Um canto era cantado
Melodicamente
Numa voz melancolicamente
Arrasada
Pois era
Sexta-feira Santa
Que percorria as ruas
Em procissão
Carregando numa maca
Todo o peso do mundo
Todos os pecados
Cometidos
E os não cometidos
Por homens arrependidos
Sem culpa alguma
De serem homens
Apenas homens
E mulheres...

terça-feira, 3 de abril de 2012

Brandindo pela noite

Havia um jeito especial
De por o violoncelo entre
As pernas
E brandir a vareta
Pelas cordas esticadas.

Nada mais havia
De mais belo do que
Tocar violoncelo.

O vento assobiava

Quando passava por aquela rua
Alguém assobiava uma melodia
Uma suave e triste melodia
Alguém sofria pela amada
Que se fora.

Um vento soprava por entre
Os galhos de uma árvore
Que pendia
E pedia água.

Continuava a assobiar
Continuava a soprar
Sem que ninguém pudesse fazer
Pois nada mais havia
Senão ouvir
Pela noite afora.

terça-feira, 27 de março de 2012

Paredes sujas de palavras

Quando as paredes não aceitarem
Nenhuma escritura
Destas carcomidas pelo tempo
Sujas
Muitas delas imundas
Onde mais poderei escrever
Escrituras
Que possam ser lidas
No anonimato
Clandestinos das periferias?
Quando nenhuma parede for possível
Impossível será viver
Senão na angústia
De dizer somente
Aquilo que pode ser dito
E serei maldito na contramão
De um fluxo corrente
Só por correr diferente

Um cínico esquecimento

Simplesmente esquecemo-nos
De que as almas atropeladas
Necessitam de cuidados
Que deixados de lado
De lado continuam existindo
Sem que nada seja feito
Ignoradas
Para que o tempo dê tempo
Para um possível perdão
Quando isso acontecer
Os cabelos brancos formados
Não resistirão
E nada mais precisará
Ser feito
Como nada tivesse
Um dia
Acontecido...

Passagem do tempo

Mais uma vez março
Chega ao fim
Como da vez anterior
Como se quiséssemos
Mantê-lo
Infinitamente
Março
E março iniciava-se
Para continuar apenas
Março
E assim nenhum outro
Mês seria possível
Ninguém nasceria
Ninguém morreria
Que não fosse em março
Mas março se foi
Mal começou
Não demorou muito
E passou
Como nunca estivesse aqui
Deixando saudade
Que também
Passou

sexta-feira, 23 de março de 2012

Caçador de imagens

Imagens que um dia
Capturei
Não eram minhas
Nem eram minhas
Os olhos que pensei
Serem minhas
Nem minhas lentes
Eram minhas
E assim aquelas imagens
Foram-se
Como pássaros fugidos
Que achei um dia
Seriam minhas
Apenas minhas
Uma ilusão insensata
Que se foi também
Não mais minha

Caminhos de pedra e terra

Havia no caminho
Uma pedra
Havia no caminho
Duas pedras
Ainda assim continuei
Caminhando
Ainda que pudesse
Encontrar pelo caminho
Mais uma pedra
E um dia passei
A achar que todo caminho
Era de pedra
E meus pés antes macios
Sangraram
Sem que ninguém se importasse
E meus pés endureceram
E meu coração antes duro
Teve que de vez
Amolecer
E nenhum caminho
Foi suficientemente duro
Nem duro foi a pedra
Capaz de deter meu caminho
Meu caminhar lento
Parado e andado
Caído e levantado
Numa teimosia
Que alegra o andar
Deste andarilho.

domingo, 11 de março de 2012

Os demônios criados

Podem xingar
Não revido
Podem cuspir
Não revido
Podem maldizer
Não revido
Podem ameaçar
Não revido
Podem desprezar até
Ainda assim não revido
Quem sabe assim
Possa rir de mim mesmo
E das pessoas sérias
Que acreditam
Em suas próprias seriedades
Vitaminadas
Com cápsulas de prosac
Papelotes de açúcar

Um ano depois do vendaval

Pelas veias ainda em turbilhão
As ondas que varreram em instantes
Imensas costas japonesas
Levaram as vidas que jamais
Serão vividas
Abaixo do mesmo sol
Em que compartilho
As dores passadas
As dores presentes
De um tsunami
Que não deixará cedo
A memória dos filhos do Oriente

domingo, 4 de março de 2012

Uma gata pichada

Havia numa parede suja
Uma pichação
Que na calada da noite
Alguém deixou cair a tinta
Uma gata imensa e preta
Solitária
Que acordou de enxaqueca
De uma noite mal dormida
Uma gata perdida
Abandonada na rua
Arredia

O passado é agora

Quando o esquecimento não vem
Continuamos vivendo
Com a alegria de ter passado
Uma alegria repentina
Uma faísca vivida
Que ainda teima em não se apagar
Que ainda teima em manter-se acesa
Por teimosia
Apenas por teimosia

Passageiros de viagem

Alguns passam em nossas vidas
Passageiros de uma viagem
Que começa sem nenhum aviso
E passageiros ficamos amigos
E de passagem lá se foi
Num instante
Sem deixar pistas
Pelo caminho
Sem saudades
Como nada tivesse passado
Passado que esquecemos
Em seguida
Para começar nova viagem
De passagem

quinta-feira, 1 de março de 2012

Minha vó, que se foi sem avisar
não mora no firmamento
nem saiu de viagem
vive, secretamente, só eu sei
no cheiro delicioso
da uva Niágara

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Apagão

Pouco a pouco a vela desaparece
Pouco a pouco meu reflexo desaparece
Pouco a pouco eu desapareço
No fim, apenas escuridão.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Carnaval dos tempos idos

Meu cordão de carnaval
Parava a avenida
De uma cidade vizinha
E vinha toda a vizinhança
Para ver uma turba fantasiada
De boi preto que corria solto
Sobre a multidão que corria de medo
Que ria
Que saltava
E vivia intensamente
Uma vida que acabava
Em quatro dias.

Vivi mais do que isso
Mas não vivi tanto
Quanto vivia naqueles tempos
Em quatro dias.

Meu cordão de carnaval
Parava a avenida...

Ao passear pela tarde

Seria bom se pudesse
Atravessar as plantações de trigo
Numa tarde em que o sol brilhasse
Estourando os grãos
Pela extensão dos braços
E seria sol neste momento
E seria também trigo
Seria o mundo inteiro
Não mais existiria eu
Nem você
Nem os amores perdidos
Frutos de uma ilusão
Febril de uma salamandra

Apaziguando a vida sem motivo

Uma casa em ruínas
Conta histórias que o
Esquecimento quer esquecer
Para que numa lousa branca
Alguém possa novamente
Alguma coisa escrever!

Mas somente escrevemos
Das coisas vividas
Ironicamente vividas
De uma forma diferente
Modificada
Para que vida
Seja assim celebrada.

Desconfiava de que a vida
Fosse o tempo todo
Inventada
Pelos poetas
Pelos artistas
Eternos mentirosos
Por não suportarem
Uma realidade que perdeu a graça
E assim a vida também
Tornou-se sem graça.
Mas graças aos versos que se
Inventam por si mesmos
Criam também a vida
Cheio de palavras
Esparramadas
Num caleidoscópio
Movido a cada instante.

Caminhando sem direção

Minha sandália de palha
Onde me levará
Se não tenho um caminho
Em que possa chegar
Em algum lugar.

Nem preciso de lugar algum
Se lugar algum existisse
O que seria de mim
- Pararia de andar.

E como andar cansa
E fere a pé que não descansa
Um instante sequer
E quer caminhar.

Só por caminhar
Sem motivo aparente
Sem nenhum motivo
Que possa assim justificar
Andar
Ou parar
Mas por impulso
Apenas caminho
Com as sandálias de palha
As únicas que tenho
Ainda que venha a rasgar
Inúteis sandálias de palha.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Um Jizo de pedra havia

Numa estrada guardava
Um Jizo de pedra
Uma morte havida
Um Jizo de pedra
Cuidava das crianças abortadas
De mães desesperadas
Dos filhos que se foram
Um Jizo de pedra salva
Aquelas que se foram
Pelas trilhas tortuosas
Dos descaminhos
Um Jizo de pedra
Visita o céu
Visita o inferno
Visita a terra
Sem diferença alguma
Pois todos sofrem
Por suas desilusões
E criando mais ilusões
Num mundo de vidro
Colorido
E cortante
E vazio

Palavra em si

Nenhuma palavra
É inocente em si
Traz dentro de si
Muito mais o que diz
O poeta
Que nada mais faz
Do que deixar a palavra
Dizer
Aquilo que a palavra
Diz

Por demais traumático

E como ferve fevereiro
Um mês inteiro em que
Chove a água quente
Dos olhos dos desesperados.
Enquanto os resignados
Nada mais fazem do que
Fingir
Uma vida fugida
Ignorando mais ainda
Os velhos amigos
Sem importância alguma estes
São jogados à margem
De seus corações congelados
Por uma gota fria
Enquanto tudo o mais
Ferve
Em contradição.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Caminhando pelo fio

Nunca consegui empinar
Papagaios
Que sempre ficavam
Sempre no chão
Pesados.

Nunca levantei vôos
Que fossem realmente
Espetaculares
Com asas de corvo
Colocadas nos braços.

Nada muito especial
Minha vida nunca subiu
Nem ao menos desceu
E ficou a meio fio
Esticado em dois postes
E assim me tornei
Equilibrista
Que faz rir
Quando cai na rede
De um jeito engraçado
Mas não me importo com isso
Mas se importasse
Nada mudaria
E o vento continuaria
Soprando
Para o lado que desejasse
Sem querer agradar
quem quer que fosse
sem preferência
sem preferência alguma.