Hoje, com meus cabelos brancos, sei do tempo que passa e que não quero deixar deixar passar. Viver o que não vivi, ser o que não fui Amar quem deixei de amar. Tudo por uma única vontade, daquela época de garoto, que não sabia do tempo que passava e que queria deixar passar.
Adrenalina do poeta é andar na corda bamba da realidade à irrealidade, confundindo os nós que grudam as pontas de pequenos fios singelos, tecidos à mão em dia e noite e retirados das vidas que se esfacelam diante de seus olhos impotentes em ação potentes em suposição camuflados numa caneta e recheados duma vontade de não ter que andar numa corda bamba.
O poeta não escolhe a não ser o pé que vai a frente. sob o abismo da realidade nua crua e cozida das dores e dos desamores.
O poeta apenas anda, na corda bamba dos fios de sua própria vida
Que saudades que tive da sua presença sublime, de seu toque agraciador em todos aqueles que necessitam dum aconchego ligeiro. Acalma os calores e traz a vida Que saudades que tive da chuva de primavera.
É pelo sopro de uma gaita que ele suspira a avida. Em Dó entoa as músicas que cantam os versos, imemoráveis, De amores, desamores e não tão amores assim. Uma pequena gaita prateada que cabe num bolso, esquece num só sopro e muda uma história.
Um, zero, zero e zero, que é diferente de
zero, zero, zero e um.
milésimo poema deste blog.
Como saber se as escolhas da nossa vida são certas? Não há como. Apenas apreciar o momento e deixar nossa vida ser levada pelo vento, pois somos o próprio vento.
Como me mover diante desta compaixão? Deste grande coração que indiscriminadamente tudo envolve?
Até minha cegueira desordenada, calibrada no auto-realizar, duvidosa e cheia de dúvidas. Alimentada por uma avalanche sinestésica informada em sociedade.
A rama seca Ali, à espera das águas de uma primavera inalcançável, sustentada pela terra, agora quebradiça e empedrada pelos veios de uma cidade já morta.
Ah, rama! És a única vida ali vivendo, entregue ao movimento dos ventos. Debaixo d'um céu azul, não orando, mas sim esperando, apenas, Que a água volte ao seu útero.
Há pássaros que não ficam em gaiolas. Por mais que o homem pense o contrário, alguns destes animais foram feitos para voar. Despreocupados da chuva, do Sol, do contra-vento e dos gatos.
Ora, os gatos são bonitos! Quem dera, assim como me alimentei, alimentar o gato da forma naturalmente mais bonita!
Nesse mundo, as coisas sempre devem encaixar-se, quase como
regra.
Uma busca infiel, por uma vida encaixada, que possa ter todas as suas frestas e
arestas completadas por algo, seja a si
próprio, seja o outro.
As coisas devem ser sempre encaixadas para que sejam satisfatórias. Sempre deve
haver um encaixe inverso, seu complementar, naquela forma ideal.
Onde encontrar este complemento?
A luz encontra a escuridão, o vermelho encontra o ciano, o bule encontra a água
e a colher encontra o mel.
Eu? Eu encontro a própria vida, refletida num papel em
branco diante do meu rosto.
Ah! O peso destruidor que esta vida mal vivida me presenteou. Amarrado à uma cadeira que só tem quatro pernas, numa mesa de canto, onde apoio textos centopéiecos que me lançam numa explosão de sensações e vontades curiosas.
Ah! A vontade de correr para um destino que ainda não sei, com os pés descalços na orla da mais isolada das praias, longe daqui, onde a rua corta meus dedos.
Mas tudo isso não passa de um sonho de olhos abertos e que estão vidrados nas histórias daqueles meus heróis que puderam caminhar o mundo e fazê-lo suas casas.
Querer ser como eles me trás o medo de ser como eles, desbravadores e incertos quanto seus finais.
Se algo forma, indubitavelmente por outro foi formado, que anteriormente também formado por um mais, ele foi.
Eu vejo a forma que me forma a partir de sua forma e percebo que eu próprio sou a forma que me forma a partir de sua própria forma. Minha forma é a não forma, formada por uma forma que é a não forma da outra forma, que também é a não forma de uma não forma.
A forma que me forma é a forma que eu formo, que formará e que formarão as formas que sempre serão a não forma de uma única formação.
Eu formo. Tu forma. Ele e ela forma. Nós, forma.
Tudo é forma, de uma só forma, sendo a não forma a forma desta forma.
Um museu da infância Guardava as aventuras do presente Com castelos e dragões Florestas encantadas Frutos de imaginações que agora vêem a realidade Abaixo, em escombros Tingidos de amarelo alaranjado
*****
A mãe e o filho Que esperam pacientemente onde era ali, um reino encantado Destruído na madrugada Na esperança de que reste ao meno um livro Capaz de levá-los dali À um mundo onde as creches não são destruídas
*****
Somente as árvores Na manhã alaranjada A creche em cacos
Nesta manhã solitária
O ruído das máquinas
É um consolo
Enquanto isso
Uma brisa chega
Soprando levemente
Pelo rosto de barba mal feita
E passeia
Pelas ruas de rostos anônimos
Acariciando às vezes
Maltratando às vezes
Desaparecendo por fim
Por detrás das árvores
Cujas folhas caíram todas
E expondo seus galhos
Como braços que avançam
Pelo céu encoberto por
Suave e fina poeira
Uma névoa que esconde
Os pés descalços que calcam
O chão gelado de inverno
Que apenas inicia-se
Pelas estradas da eternidade Apenas o pó sobressaltando-se Dos sapatos que pisam descompassadamente Para algum lugar impossível De chegar um dia Sem partida alguma Nunca fora realizada Poderia parar Por uma teimosia E pararia de viver E pararia de andar Se isso acontecesse O próprio caminho Andaria por mim Pois nenhum caminho existe Se inexiste o caminhante Errar é preciso pelos caminhos Que não existiam antes Que existirão para sempre
Ainda que dolorida seja Uma dor não pretendida Não foi por acaso Um encontro desnecessário Em que a felicidade não passou De um vento sorrateiro Brincando por acaso Nos papéis picados Que saltitantes Assentaram-se depois No chão Para serem varridos
Nunca coloquei uma pipa A voar Além dos dois metros E nunca meus sonhos Foram além dos dois metros.
Nunca invejei as pipas Coladas no céu azul Em linhas esticadas Unindo a terra Com todo firmamento.
Pois a minha pipa voava Apenas dois metros Até cair E quebrar-se todo.
Nunca me importei com isso Como se isso fosse importante Importante eram os lábios De Elizabeth A filha da empregada Que não gostava de pipa Que brincava de boneca Eu era Jack "o Extripador"...
Aquelas mulheres de negro Percorriam a procissão Nas noites escuras Iluminadas por velas Carregadas por elas Por todos que seguiam Em passos cadenciados A longa via de uma morte Anunciada Carregando nas costas O peso do mundo Com todos os apegos E sofrimentos E dores doídas De uma ilusão que não cessa De continuar cessando Uma ilusão que fora boa.
Pelas noites afora Continuam caminhando As mesmas velhas Vestidas de negro Com seu canto distanciado Anunciando Uma nova ilusão Alimento que nutre Os eternos iludidos De uma vida iludida Que desesperadamente Quer ser verdade.
As noites cada vez mais longas E longas são os nossos desesperos Na procura de algo perdido Que jamais será encontrado Senão os destroços de uma casa caída Após a passagem de um temporal
Passava todos os dias Na rua em que morava Passava com seus passos Em movimentos suaves Passava despertando Minha atenção Tinha mais idade do que eu Mas nada disso importava Nem quis falar com ela Apenas fingia Que não a notava Um dia descobri o seu nome Era Terezinha Era Terezinha que passava Na passagem de minha infância Que ficava cada vez mais Para trás
E agora Passados tantos anos Às vezes sinto ainda Terezinha passando Em minha memória Naquela mesma rua Em que morava E ela também Fingindo que não me via E eu também Fingindo que não a via.
Deste lado da cidade Uma favela sem nenhuma Vaidade comemora o domingo Na calçada mesmo Enquanto dos carros Olhares estranhos Apenas olham Horrorizados A alegria latente De um homem Que nada mais deseja Do que um copo que rola De boca em boca Entre iguais.
Em algum canto desta Cidade Um canto era cantado Melodicamente Numa voz melancolicamente Arrasada Pois era Sexta-feira Santa Que percorria as ruas Em procissão Carregando numa maca Todo o peso do mundo Todos os pecados Cometidos E os não cometidos Por homens arrependidos Sem culpa alguma De serem homens Apenas homens E mulheres...
Quando as paredes não aceitarem Nenhuma escritura Destas carcomidas pelo tempo Sujas Muitas delas imundas Onde mais poderei escrever Escrituras Que possam ser lidas No anonimato Clandestinos das periferias? Quando nenhuma parede for possível Impossível será viver Senão na angústia De dizer somente Aquilo que pode ser dito E serei maldito na contramão De um fluxo corrente Só por correr diferente
Simplesmente esquecemo-nos De que as almas atropeladas Necessitam de cuidados Que deixados de lado De lado continuam existindo Sem que nada seja feito Ignoradas Para que o tempo dê tempo Para um possível perdão Quando isso acontecer Os cabelos brancos formados Não resistirão E nada mais precisará Ser feito Como nada tivesse Um dia Acontecido...
Mais uma vez março Chega ao fim Como da vez anterior Como se quiséssemos Mantê-lo Infinitamente Março E março iniciava-se Para continuar apenas Março E assim nenhum outro Mês seria possível Ninguém nasceria Ninguém morreria Que não fosse em março Mas março se foi Mal começou Não demorou muito E passou Como nunca estivesse aqui Deixando saudade Que também Passou
Imagens que um dia Capturei Não eram minhas Nem eram minhas Os olhos que pensei Serem minhas Nem minhas lentes Eram minhas E assim aquelas imagens Foram-se Como pássaros fugidos Que achei um dia Seriam minhas Apenas minhas Uma ilusão insensata Que se foi também Não mais minha
Havia no caminho Uma pedra Havia no caminho Duas pedras Ainda assim continuei Caminhando Ainda que pudesse Encontrar pelo caminho Mais uma pedra E um dia passei A achar que todo caminho Era de pedra E meus pés antes macios Sangraram Sem que ninguém se importasse E meus pés endureceram E meu coração antes duro Teve que de vez Amolecer E nenhum caminho Foi suficientemente duro Nem duro foi a pedra Capaz de deter meu caminho Meu caminhar lento Parado e andado Caído e levantado Numa teimosia Que alegra o andar Deste andarilho.
Podem xingar Não revido Podem cuspir Não revido Podem maldizer Não revido Podem ameaçar Não revido Podem desprezar até Ainda assim não revido Quem sabe assim Possa rir de mim mesmo E das pessoas sérias Que acreditam Em suas próprias seriedades Vitaminadas Com cápsulas de prosac Papelotes de açúcar
Pelas veias ainda em turbilhão As ondas que varreram em instantes Imensas costas japonesas Levaram as vidas que jamais Serão vividas Abaixo do mesmo sol Em que compartilho As dores passadas As dores presentes De um tsunami Que não deixará cedo A memória dos filhos do Oriente
Havia numa parede suja Uma pichação Que na calada da noite Alguém deixou cair a tinta Uma gata imensa e preta Solitária Que acordou de enxaqueca De uma noite mal dormida Uma gata perdida Abandonada na rua Arredia
Quando o esquecimento não vem Continuamos vivendo Com a alegria de ter passado Uma alegria repentina Uma faísca vivida Que ainda teima em não se apagar Que ainda teima em manter-se acesa Por teimosia Apenas por teimosia
Alguns passam em nossas vidas Passageiros de uma viagem Que começa sem nenhum aviso E passageiros ficamos amigos E de passagem lá se foi Num instante Sem deixar pistas Pelo caminho Sem saudades Como nada tivesse passado Passado que esquecemos Em seguida Para começar nova viagem De passagem
Meu cordão de carnaval Parava a avenida De uma cidade vizinha E vinha toda a vizinhança Para ver uma turba fantasiada De boi preto que corria solto Sobre a multidão que corria de medo Que ria Que saltava E vivia intensamente Uma vida que acabava Em quatro dias.
Vivi mais do que isso Mas não vivi tanto Quanto vivia naqueles tempos Em quatro dias.
Seria bom se pudesse Atravessar as plantações de trigo Numa tarde em que o sol brilhasse Estourando os grãos Pela extensão dos braços E seria sol neste momento E seria também trigo Seria o mundo inteiro Não mais existiria eu Nem você Nem os amores perdidos Frutos de uma ilusão Febril de uma salamandra
Uma casa em ruínas Conta histórias que o Esquecimento quer esquecer Para que numa lousa branca Alguém possa novamente Alguma coisa escrever!
Mas somente escrevemos Das coisas vividas Ironicamente vividas De uma forma diferente Modificada Para que vida Seja assim celebrada.
Desconfiava de que a vida Fosse o tempo todo Inventada Pelos poetas Pelos artistas Eternos mentirosos Por não suportarem Uma realidade que perdeu a graça E assim a vida também Tornou-se sem graça. Mas graças aos versos que se Inventam por si mesmos Criam também a vida Cheio de palavras Esparramadas Num caleidoscópio Movido a cada instante.
Minha sandália de palha Onde me levará Se não tenho um caminho Em que possa chegar Em algum lugar.
Nem preciso de lugar algum Se lugar algum existisse O que seria de mim - Pararia de andar.
E como andar cansa E fere a pé que não descansa Um instante sequer E quer caminhar.
Só por caminhar Sem motivo aparente Sem nenhum motivo Que possa assim justificar Andar Ou parar Mas por impulso Apenas caminho Com as sandálias de palha As únicas que tenho Ainda que venha a rasgar Inúteis sandálias de palha.
Numa estrada guardava Um Jizo de pedra Uma morte havida Um Jizo de pedra Cuidava das crianças abortadas De mães desesperadas Dos filhos que se foram Um Jizo de pedra salva Aquelas que se foram Pelas trilhas tortuosas Dos descaminhos Um Jizo de pedra Visita o céu Visita o inferno Visita a terra Sem diferença alguma Pois todos sofrem Por suas desilusões E criando mais ilusões Num mundo de vidro Colorido E cortante E vazio
Nenhuma palavra É inocente em si Traz dentro de si Muito mais o que diz O poeta Que nada mais faz Do que deixar a palavra Dizer Aquilo que a palavra Diz
E como ferve fevereiro Um mês inteiro em que Chove a água quente Dos olhos dos desesperados. Enquanto os resignados Nada mais fazem do que Fingir Uma vida fugida Ignorando mais ainda Os velhos amigos Sem importância alguma estes São jogados à margem De seus corações congelados Por uma gota fria Enquanto tudo o mais Ferve Em contradição.
Nunca consegui empinar Papagaios Que sempre ficavam Sempre no chão Pesados.
Nunca levantei vôos Que fossem realmente Espetaculares Com asas de corvo Colocadas nos braços.
Nada muito especial Minha vida nunca subiu Nem ao menos desceu E ficou a meio fio Esticado em dois postes E assim me tornei Equilibrista Que faz rir Quando cai na rede De um jeito engraçado Mas não me importo com isso Mas se importasse Nada mudaria E o vento continuaria Soprando Para o lado que desejasse Sem querer agradar quem quer que fosse sem preferência sem preferência alguma.