terça-feira, 14 de maio de 2013

A moça do lado


Ainda vazios
os bancos vazios
esperam passageiros
espera a partida.

Ônibus da periferia.

A claridade do outono
logo se nota
na cara da moça ao lado.

Seus óculos escuros
receando a luz
preferindo o escuro
ao fundo das bolas dos olhos.

O dia esconde
enquanto a noite revela
mas a luz do agora
respiro sem pensar
vivo milhões de anos
em cada pulsar.

Esqueço por momentos
a moça se foi
nunca mais a encontrarei
que ônibus ela tomará
nunca saberei.

A vida é acidente
os encontros pedras atiradas
ao vento
se voltam não sei.
A vida é lamento
num fado português.

Pelas trilhas erradas


Por onde se
dirigem
estes pés sujos
além de dar voltas
nas ruas de sempre
sempre e incessante
caminhar?

Pés vagabundos
que caminham
pelas ruas perdidas
do centro da cidade.
Cidade perdida
no desencontro dos
caminhos.

A fonte


Uma fonte
continua a jorrar
um constante  murmúrio
num bairro da cidade.

Uma fonte jorrava
por toda cidade
toda água do Eufrates
saciando a sede
dos que não tinham água.

O instante de outono


Pelas manhãs de outono
os braços do sol
se estendem em direção
às pernas peludas
enfiadas nas bermudas
enquanto a vida passageira
passa devagar
esquentando a alma
incendiando a pele.

Sem passado
passageiro se foi.
Sem futuro
que não chegou.
O que se tem
apenas esta morada
a ser inventada
em cada esquina
da existência.

Inventada
destruída em seguida.

O vento arrasta as folhas
secas
sem utilidades
arrasta também
os corpos secos
dos homens vividos
muitos iludidos
que brincam de guerra.

Perdemos a inocência


Quando passamos
a dizer
“com certeza sabemos”
as incertezas se tornam
sabedorias de ontem
em cujos sonhos
deixaram de ter importância.

A vida se endurece
bem como os rostos
emoldurados numa cera
cada vez mais dura.
Passamos a ser o outro
por capricho talvez
por perder o gosto
deste sonho vivido
todos os dias.

Viagem ao torrão natal


Ao retornar
ao ponto de origem
um encontro desajeitado
em nota de jornal.
Fulano de tal
que me lembra
outros dias
foram anos
mais de uma década
duas
três
nem sei mais.

Convite para a missa
de sétimo dia.

Reflexo nos olhos


Vista da janela
estendem-se pelas bordas
um morro lotado
de favelas
telhados de zinco
telhados sem telha
cinza e azuis
cor de rosa e cimento.

Vista da janela
a vida se reproduz
imenso formigueiro.

Vista da janela
a vida emoldurada
numa pintura surreal.
Janela dos olhos
que vê adiante
a beleza de ver
o céu azul acima
abaixo a favela
salpicada de cores.

Caminhar preciso


 Por onde quer que
se vá
não saímos do lugar
os caminhos conduzem
numa única direção.

Ninguém deixa
ninguém sai do caminho.
O cafezinho deste instante
saboreado incessantemente
é amargo e doce
como nunca foi antes.

As palavras ditas


Não tenho que agradar
nem escrevo para desagradar.
Não sei se realmente escrevo
pois as minhas mãos escrevem
uma escritura de sensações.

Não sei quem sente
sei que não sou eu.

Não sei quem sou eu
a navegar nas ondas
de uma ventania
de palavras ao relento.

Sou a folha seca
neste momento em que
vivo o outono.
É o outono que vive em mim
tornando os dias
mais claros
os dias mais curtos.
Pudesse ser também
a palavra não dita
bendita sejam as mulheres
de fé
que creem na Virgem Maria.