terça-feira, 31 de maio de 2011

De quem se perdeu na Paulista

Nada mais existe de paulista
Do que a Avenida Paulista.

Em cada parada do farol
Também pára de bater
Batidas cardíacas
Em ritmo sincopado
Ritmo da própria cidade
Com todas as caras do mundo
Lá no fundo
Mais profundo
Desta alma solitária
Que vê sombras em cada esquina
Perdidas em cada tijolo que se levanta
Nos pés enfiados em botas de aço
Que calçam as moças de salto alto
E batom vermelho nas bocas.

Nada mais existe de paulista
Do que a Avenida Paulista.
Que um dia perdi-me nas galerias
E perdi toda a minha vida
Procurando por um livro
Ainda não escrito.
Mas achei a alegria de continuar
Procurando
Pelas prateleiras da existência
Alguém que procura pelo mesmo livro.

Nada mais existe de paulista
Do que a Avenida Paulista.
Quando se procura café amargo
Para adoçar a alma
Que não se cansa de procurar
Encontrando pelas esquinas
Aquilo que não se procura mais
Um amor que deixou de estar.

Nada mais existe de paulista
Do que a Avenida Paulista.
Nenhum ônibus atrasa
Nem o relógio daquele prédio
Atrasa
E cada vez ficamos mais velhos
E continuamos fazendo mesma coisa
Pensando fazer pela primeira vez
Mas a Paulista continua
Pulsando forte nas veias
De quem um dia nela se perdeu
Uma vida inteira.

Brinquedos de um dia

Houve um dia
Houve uma história
Uma hora em que
Brincamos com os mesmos
Brinquedos
Passou-se o tempo
E o brinquedo passou também
A vida passou
A juventude passou
Passou Iracema
Joana e Filomena
Passamos manteiga
Comemos bolacha maisena
E de repente num velho baú
Os brinquedos saíram de uma vez
Sem que ninguém mais brincasse
Ficaram ao relento
Para a posteridade
Calcificaram
Para que ninguém
Brincasse mais.
Mas um brinquedo ficou
Que guardo comigo
Esperando que um dia
Alguém se interesse também
Um brinquedo que brincamos
Um dia.

Um olhar não dado

Nenhuma maçã vermelha
Seja ela saborosa
Seja ela atraente
Será suficiente para
Demover um coração
Que não pode mais sofrer.
Quem provou uma vez
Outra vez não terá vez
Quem sabe ainda aconteça
Pois nenhuma certeza
Existe quando os olhares
Não podem mais dissimular
E todo olhar não dado
Esconde em si um turbilhão
Prestes a explodir.

Sonho

Quando sonho,
Sonho com a realidade
realidade e sonho...
Não sei se ao nascer, acordei de um sonho,
Ou comecei a sonhar
Pois ou sonho que fico acordado,
Ou acordo de um sonho!

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Palavras fugazes

Que linguagem pode ser
Eficiente
Para dizer algo mais próximo
Daquilo que se pretender dizer
Se toda afirmativa
Pode ser falha
Se toda negativa
Pode ser falha
Assim deixemos
Que as palavras livremente
Digam o que somente as palavras
Possam dizer em total ambigüidade.

Uma porção de farofa

Naquela encruzilhada há
Uma travessa de farofa
Toda vez que passo por ela
Que lado devo ir?
O meu lado direito
É o esquerdo dela
O meu lado esquerdo
É o direito dela
Somente os meus pés sabem
Sem se importar
Se tenho tempo para pensar
E se penso muito
Nada mais faço
Do que continuar parado
Na mesma encruzilhada.

Ainda em meus ouvidos

Meus amigos se foram
Foi-se minha memória
Ana Maria é apenas um nome
Que outrora ouvi
Mas agora nem sei mais
Quem foi Ana Maria
Se foi uma figurinha
Esqueci
Se foi um retrato de folhinha
Esqueci
Talvez seja a marca de uma bolacha
Que sonoro ficou
Soando em meus ouvidos,

Que me importa se um dia
Ana Maria cruzou a minha vida.

Os olhos de peixe

Pela Avenida Paulista vivi
Em cada esquina vivi
Respirei todos os ares
E naveguei em todos os mares
Numa multidão de peixes
Esbugalhando os olhos
Arregaçando as asas
De uma gaivota sem rumo
Que perdeu as esperanças,

Mas continua vivendo
Por teimosia
Apenas por teimosia

terça-feira, 24 de maio de 2011

Azul-claro

Na esquina onde era não parar
sob uma sombra perfurada de árvores
- um fusca novo como se fosse
naquele lado calmo da rua.

Dentro, num olhar vago um homem velho
duas poças refletidas - viés de olhos

(Silêncio móvel)

- entre as mãos e o círculo volante,
bem segura, uma lata de cerveja. E é tudo
e isso é tudo pra quem passa...

八公

Olhar distante
Olhar concentrado
Tudo passa e nada vê
Mas tudo vê, do que se passa
Amores eternos
De uma noite apenas
Amizades breves
Vidas longas
Tudo passa,
As tristezas e a solidão
Como as ondas
Como os ventos
Só resta aquilo não vivo
(Que o que é vivo passa, também)
O corpo de pedra
Guarda do herói adorado
Apenas os olhos brilhantes
Da triste esperança
Que assombra eternamente
O (bobo) amante abandonado.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Sabe

Quando a árvore libera
no útero da ventania
a última folha

que desce ao fundo
como uma pedra achatada
caída num lago escuro

e lá coberto de outras
tantas formas secas,
se estreitando e a crepitar no
passo da raposinha de olhos grandes

sabe

quando de tão seca
quebrar seja a última paz

e em tantos cacos e nervuras
chegar o pó - que a espera.
e de uma única face com a terra
regar com lágrimas que ouvem...

...

o pó se irmanando ao pó
no breu mais escuro que olhos vagos,
apenas o cheiro fresco se suba propagando
nos redemoinhos tão comuns...

— quando alcançar

e este, for a mensagem que
mora entre o olor e o vento — esta
será a casa - a realização

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Imaculado

Branco no Arouche
são aves encardidas
Atrás da Sé estátuas
prostitutas em alvíssimos panos

Mas
lá na República
o pequenino Raul
enteado de Negro João
ainda não sabe que é branco

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Com frio na alma

Nestas noites de grande frio
as artérias congelam-se
sem que possamos
esquentar a sola dos pés
endurecidos
nas botinas de couro cru.

Se pudéssemos esquentar
um pouco que fosse
uma porção que fosse
de nossos corações
o frio não seria tamanho
como diz a moça do tempo.

Minha velha casa

Onde antes havia
alegria das crianças
nada mais se ouve
pois crianças não há
cresceram e se foram.

Em cada canto se ouve
uma voz que antes havia
silenciosa marcada nas paredes
como um fantasma
apagado no tempo.

Agora
ressoa como um murmúrio
uma voz rouca
sem força
quase desfalecida.
É voz de meu pai
que nunca foi de falar muito
nem contou histórias heróicas
mas de todas as histórias ouvidas
a história dele
é a mais bonita.

Nem por isso será eu
a contar!

Mensagem sem carteiro

Quantas cartas escreveu
em vão escreveu
pois destinatário não havia
poderia ter sido Juliana
mas também Fabiana
quem sabe Filomena
poderia ser a faxineira
a lavadeira de roupa
Maria das Dores
também
Maria dos Prazeres
nada disso havia
Por fim sem que alguém
pudesse receber
queimou todas as cartas
passou um tempo sem escrever
depois veio a tristeza
seguida de imensa solidão.

Para vencer a solidão
mais uma vez
passou a escrever
cartas que nunca foram
enviadas.

Enquanto escrevia
em todas elas via
uma cara nova
que só havia em
suas cartas.

Onde estará Ana Maria

Foi Ana Maria
a mulher de minha vida
com ela aprendi a ler italiano
aprendi a comer macarronada
com ela fiz a primeira comunhão.
Um dia Ana Maria se encheu
se foi como chegou
não deixou endereço
não falou se voltaria.

Mas continuo me encontrando
com Ana Maria
não mudou sequer
um gesto sequer
sequer deixou de falar
comigo.
Ana Maria vive
num aquário bem fundo
numa caverna funda
de uma sombra
que pensei ser eu.

Da terra em que nasci

Sempre quis sair daqui
ir para outras terras
onde o sonho tivesse vez
onde pudesse escrever
umas letrinhas fora de linha
andar pelas ruas quando
a vontade chegasse
e descansar numa mesa
de bar.

Sempre quis sair daqui
mas nunca dei um passo
sequer
da terra em que nasci
onde a vida sonhada
é viver
e querer sair.

Como podemos sair
se nada se encontra fora
como se o fora pudesse
existir?

A vida balançava

Numa cadeira de balanço
o tempo passava
enquanto passava a mão
nos pelos de um gato
enquanto tramava a vida
num longo bordado
que nunca acabava.

Num certo momento
veio a dor nas costas
veio também a hipertensão
veio uma vontade grande
de não fazer nada
apenas deixar a cadeira
balançar.

Encontrando demônios

Que demônios
encontrarei pelo caminho
serão alados
serão enrabados
pouco importa o que sejam.

Poderei tomá-los como mestres
aprenderei a arte da tolerância
ainda que tenha o corpo surrado
não revidarei
assim em poucos instantes
nada mais poderá incomodar
que de cansados
quedarão sentados
não haverá vitorioso
nem perdedor
apenas a sublime contemplação
de um rio correndo rápido
sem que um seixo sequer
deposite limbo.


Serei totalmente livre
passeando pelos campos
de vegetação rasteira
sentindo o vento no rosto
batendo com as mãos
no trigo amarelando
diante do sol rebentando
as cabeças de cabaça.
Se o céu parecer nublado
não me importa
Se as águas inundarem os arrozais
não me importa
Por onde a vista alcança
sempre haverá uma luz radiante.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Companheiros de outras horas

Onde andarão afinal
Meus velhos companheiros?
Um se tornou dentista
Outro funileiro
Marinheiro
Cozinheiro
Um deles foi ser professor
Aquele outro morreu morto
De um tiro que levou
Não de um ladrão qualquer
Foi de um marido enciumado
Que lhe roubou a mulher
Mais um outro foi-se embora
Em outras terras bem distantes
Onde o sol nasce primeiro
Onde o mar se move por inteiro

De mim que me resta dizer
Não sei no que me tornei
Sou uma pergunta sem resposta
Um caminho sem retorno
Um verso que ausente espera
Um momento para se por dentro.

O homem debaixo

Ninguém se importa mais
Se o homem debaixo da ponte
Sente frio
Se o homem debaixo da ponte
Sente alguma coisa.

De todos os homens
Quem não sente coisa
Alguma
São homens e mulheres
Que não têm preocupação
Com que outros sentem
Pois todos têm a liberdade
De sentir
Frio
Ou ainda assim
Calor
Das paredes de suas casas.

Somente o homem
Debaixo da ponte continua
Sentindo frio
Que faz tremer
Que faz bater os dentes
Do mesmo homem
Debaixo da ponte.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

O homem que vendia

De longe se ouvia
Aqui
De longe vinha
Devagarinho
Era o homem que vendia
Biscoitos de polvilho
Era um homem preto
Era um biscoito branco
Era o homem que tocava
Uma flautinha de plástico
Era o menino que corria
Ligeiro com suas pernas de asas
De tanto fugir das reguadas
Das freiras de manto negro.

Menino que não existe mais
Homem que nem sei onde anda
Se morreu não anda mais
Se vivo ficou
Em outra vila pode estar
A vender biscoitos de polvilho?

Ao fundo do vale

Que pode mais incomodar
Do que uma ruga que não estava
Perdida em qualquer canto
De uma cara antes lisa
Mas veio uma chuva de granizo
E cavou fundo uma vala
Que escorre lágrimas
Por não ter vivido.

Não é o tempo que passa
Não é a vida que passa
Quem passa é o trem da zona leste
Que não atrasa mais
Um minuto sequer.

domingo, 15 de maio de 2011

O mundo gira

Gira o pião
Giramundo
Gira todo mundo
Girassol
Gira a vida
Gira a roda
Roda gira
Rosamundo
Bem imundo
Bem no fundo
Deste mundo
Raimundo
Era o nome
Que faltava
Que faltava
Neste verso
Que termina
Desde já.

O esquecimento possível

Alguns acontecimentos
Das partes compartilhadas
Não se esquecem.
Apenas fingimos
Que o esquecimento
Seja uma condição possível?

Dia da Mãe Preta

As mães pretas continuam
A amamentar em suas tetas
Uma infinidade de meninos
Sedentos de leite gorduroso.
Podem negar
Podem desmentir
Podem falar mal
Afinal todos querem
No estadual
No federal
Mamar continuamente
Até que a mãe preta
Seque totalmente.

Silêncio que fala

Ainda que nada diga
Nada parece ser mais
Significativo que este imenso
Vazio
Ausente de palavras
Em que cada nada
Pode ser possível
Uma infinidade de sentidos
Cuja representação
Nunca poderá ser.

Ainda que a simpatia exista
Distante fica
Um olhar rápido
Fugidio e imediato
Como faísca se vai
Riscando a superfície lisa
De um mármore.

Como nunca te conheci
Como agora
Agora é apenas um instante
Que foi embora
Deixando atrás uma poeira
Fina que se acumula
No mais fundo poço
De uma existência fugaz
Que ninguém acredita mais.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Carta para a mariposa marrom

Olá borboleta marrom. Quer ser minha amiga?

É que ontem eu te vi na parede da sala e hoje na parede do corredor. Acho que você deve gostar desta casa e ainda mais de paredes brancas, né?

Como? Você não é uma borboleta?
Ah! Uma mariposa!

Senhora mariposa, tenho duas gatas em casa. Sei que a relação das mariposas com os gatos não é muito boa, mas pode ficar tranqüila que estas duas são preguiçosas.

Bom, fique a vontade que a casa é sua.
Pouse onde bem entender.

A história do cachorro

Todo dia uma história diferente
Contada pela matéria amorfa
Do que um dia foi um canino
E agora se desfaz
No canto de uma avenida
Que foi palco de sua travessia
Para outro lugar
Que faz a mente do homem
Divagar devagar
Nas sombras de uma dúvida
Que nem mesmo o cachorro
Jamais saberá

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Treze

Quero gatos pretos,
E uma escada bem grande
Pra passar por debaixo
Com sapatos trocados
Andando de costas
Com crucifixo invertido
No peito estampado

Lua cheia?

E na cidade grande
A única matilha que se ouve
É o vento

Hanami

As flores de sakura em Fukushima irão florescer?
Como será o rosado florescer perfumado delas?

domingo, 8 de maio de 2011

Sopra a brisa fria

Nestas noites infinitas
De outono
Fundo cinza de um céu
Prestes a desabar
Sobre os nossos ombros
Pesado seria se não pudéssemos
Suportar a mais leve dor
De uma ilusão que se acende
Numa chama
De uma estrela perdida
Prestes a congelar-se.

Todo fogo
Em pouco tempo
Há de se apagar
E assim a vida
Continua numa marcha
Em que conduz
Não a minha vida
Mas a minha estrada
Incerta
E insegura
Mais do que nunca.

Diante a incerteza
Como é fresca a brisa
Que roça em meus pelos
Em todos os meus cabelos
Que outrora havia.

Zoo

Sorvete gelado
Crianças correndo
Olhar mareado

sábado, 7 de maio de 2011

Rua só

Sou eu que caminho a rua
Ou a rua que me caminha?
Na noite escura
Das poucas luzes amareladas
Onde o vento gelado do outono
Me faz só
Da solidão que não sei se é minha
Ou se é da rua

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Olhos atlânticos

Por aqueles olhos
Imensos
Um mar inteiro inundou
Com o azul translúcido
Afogou-me.

Quero para mim
Somente para mim
Nenhum outro me serve
Se assim for meu destino
Mal destino
Que perdeu tudo que tinha
Pelos olhos que não merecia.

O esquecimento que não acontece

Por um momento
O esquecimento é a solução
Como pudéssemos ignorar
Os fatos
Os retratos
Como pudéssemos simplesmente
Fechar os olhos
Para não ver
Mas quando mais fecho os olhos
Outros olhos abrem-se
E nada mais pode ser ocultado
Neste jogo de minha infância
Jogo de esconde-esconde
Em que o escondido sempre
Perde
Pois não há esconderijo
Suficiente
Na face da terra
Que possa servir de abrigo.

Sem que o esquecimento
Seja possível
Nem abandonado
Conviver com a lembrança
Sem muita atenção
Não ignorado
Não valorizado
Viver num fingimento
De que o rosto conhecido
Não passa de desconhecido
Nos torna atores de uma vida a toa
Palhaços de um espetáculo
Em que ninguém mais ri
Sendo que esta existência
Perdera totalmente a graça.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Rodopia em redemoinho

Meu irmão jogava pião
Que rodopiava
De uma corda esticada
E em alta velocidade
Que rodopiava
Furando o chão
O chão de terra e areia
E a vida também girava
E os olhos giravam
Sem se deter num ponto sequer
Todas as cores
Todos os sabores
Amores profanos
Insanos alguns
Malditos outros
Benditos nenhum.

Assim a vida passava
Na calçada passava
A menina que se tornou
Mulher
O menino continuou
Menino
Só não aprendeu
A jogar pião.

Até mesmo o amor passado
Não há de retornar
Apenas passado
Uva passa passada
Por falta de opção.

Por fim rodopia
Nada fica
Como nunca ficou
Um sinal apenas
Dos passos dos pés
Pisados na areia fria.

Ainda que seja assim

Qualquer amor que fosse
Poderia ser pequeno
Menor ainda
Poderia ser gordo
Desajeitado
E aleijado
Vagabundo
E enjeitado
Desde que fosse
Alguém que fosse
Somente para ela.

Cinco de maio

Carpas dançam no vento
Pai e filhos lá no alto
Mãe enrolando moti

--

Semana de folga
Luzes apagadas
Luto dourado

Maio

Primavera adentro
Cerejeiras esverdeadas
Vento gelado

"- Ai que preguiça!"

Macunaima, ao nascer.

terça-feira, 3 de maio de 2011

De onde vem esta canção

Num canto da noite
Um solitário homem da rua
Sem família
Sem amigos sequer
Apenas um cão
O acompanhava
Na mão um pandeiro
De couro ressecado
Uma canção sem nome
Cantava
E tocava seu instrumento
E um sorriso nascia
De sua face entristecida
Cantava a saudade
De uma tal de Mariazinha
“Mariazinha onde andará
Quem sabe numa nuvem
Quem sabe na cauda do vento
Não importa onde andará
Mariazinha agora você é minha...”

Assim o inverno chega

Ainda que o frio congele meus ossos
E minha boca endureça
Em algum canto de minha existência
Uma pequena chama tremeluzente
Há de afastar o fantasma da solidão.

Diante deste calor
Possam aconchegar-se
Aqueles isentos de amigos
Ou dos amigos que se foram
Das mulheres que se foram
E foram também todos os sonhos
Num relance rápido e sinuoso
De uma vida que se extingue
Em cada noite de sono.

Esta vida cuja chama
Alimenta um pavio curto
Cada vez mais sem combustível
Azeite que umedece os lábios
De fala suave
Dos beijos que foram do passado.