sexta-feira, 24 de junho de 2011

Estrangeiros da praça

Ao se passar por lá
Não passe jamais
No chão ainda manchado
Por um karma passado
Da esperança que se foi
Foi-se o sonho da esperança
Mas por aqui ficou
E criou raízes
Na Praça da República
Velho centro metropolitano
Cigano e baiano
Que pulsa num coração
Estrangeiro
Que daqui não mais sai
E ficou
Com todas as alegrias
Tristezas também
Assim sentiu-se um pouco mais
Parte desta terra
Que sopra ao entardecer
Suave brisa que esfria
A mente pesada.

Sono dos inocentes

Quando a cidade amanhece
Pela São João não amanhecem
Olhos que se recusam a ver
Ainda mergulhados num mundo
Mais claro do que a claridade
Do sol que ama invadir toda
A privacidade.

domingo, 19 de junho de 2011

Os olhos que procuravam

De uma janela espiava o mundo
Esperando que um dia
Viesse alguém bem afeiçoado
Que pudesse levá-la dali.
E assim esperou
Até que as rugas surgiram
Nem era tão bonita assim
E por fim apareceu
Alguém não tão afeiçoado assim
Mas era o que apareceu
Não a levou dali
E se instalou naquele lugar
E foi se ajeitando
E foi ficando.

De uma janela continuou
Espiando o mundo
Sem esperar que a felicidade
Pudesse entrar
Pela porta da frente.

Somente espiava
Para não perder o jeito.

Errando nas águas de seus olhos

Naqueles olhos fundos
Naveguei
Sem saber nadar
Me afoguei
Para nunca mais sair
Daquelas águas revoltas.

Ainda continuo
Em redemoinho
Cada vez mais fundo
Resistindo às vezes
Deixando-me levar às vezes.

E assim vou vivendo
Como um marinheiro sem vela
Errando pelos mares
Sem nunca encontrar
Porto seguro.

O Mendigo e a rosa

Naquele dia uma rosa vermelha
Era o que tinha o mendigo
Numa das mãos.
Para quê serve uma rosa vermelha
Para o mendigo
Que levava consigo
Numa das mãos?
Por que levava ele
Numa das mãos
Uma rosa vermelha?
Era apenas uma rosa vermelha
Sem nenhum outro significado
Senão a de ser
Apenas uma rosa vermelha.
Se fosse João
Seria diferente
Se fosse Carlão
Seria diferente
Mas era um mendigo
Aquele mesmo que mora
Num ponto da esquina
Fazendo as mesmas coisas
De sempre
Não fazendo nada
Senão sentado ao lado
Do mesmo cão
Na mesma cama suja
Feita de papelão.
O que incomodava
Era ver o mendigo
Carregando na mão
Uma rosa vermelha.
Justamente ele
Que não era
Era um mendigo apenas
Sem nome
Sem identidade
Nem era bom
Nem mal
Nem incomodava
Nem chamava
Atenção
Mas agora em todo mundo
Somente existia ele
O mendigo que levava
Uma rosa vermelha na mão.

Quando calar é necessário

Nada mais para falar
Nenhuma palavra a mais
Mas o sorriso continua
Brilhando num dente branco
Sem culpa alguma.

Há um momento em que as palavras
Não dizem mais
Portanto nada melhor
Do que se calar
Sem culpa alguma.

E neste silêncio
Nesta ausência total
De qualquer ruído
Todo sentido é possível
Sem culpa alguma.

E somente distante
Ficamos mais próximos
E somente calados
Ficamos mais falantes
E pela eternidade
Possamos viver
O momento que já se foi.

domingo, 12 de junho de 2011

Olhos que enxergam

Somente quando fecho os olhos
Fecho também todos os poros
Das impurezas radioativas
Que causam anemia profunda
Uma fraqueza que inunda
As artérias estreitas
Que em minha carne perfura
Como lanças.
Fecho os olhos para enxergar
Numa escuridão cada vez mais clara
Que mais revela do que oculta.

Nada mais além

Não podemos negar
Um sofrimento que há
Em cada coração perdido
Em cada rua desta cidade
Que não cansa de pulsar.

Não podemos negar
Um desencantamento
De um mundo cada vez mais
Petrificado no cimento armado
Dos punhos armados
E corações duros
De vidro e ferro.

Não podemos negar
Os desencontros amorosos
Que somente se realizam
No abismo mais escuro
Dos sonhos profundos.

Não podemos negar
A vontade da contravenção
Inibida e desprezada
Pela ordem vigente e prezada
Dos bons costumes.

Não podemos negar
A negação da liberdade
De expressão
Daquele verbo primitivo
Nascido dos instintos
Longitudinal dos intestinos.

Simplesmente
Não podemos negar.

Sem lugar à mesa

Não é o frio que me espanta
Nem é mesmo a noite vazia
Que desce com todo o seu peso
Em minha cabeça.

O que me espanta
É a total indiferença
Do amigo que falta à mesa.
E nos conformamos com a falta que faz
Da companhia que sempre repartia
Suas velhas memórias
Desencontros de uma vida
Que se realizou.

Memórias são também minhas
Que não morrerão tão cedo
Enquanto amigos reunirem-se
Numa esquina qualquer
Em volta de uma mesa
Só para compor
Poesia.
A vida é poesia
Que jamais morre!
A poesia sempre fica.

Cisnes no lago

Debaixo das árvores quase nuas
Longe das luzes da rua
Junto dos patos feios
Que cresceram e viraram cisnes negros
Nos banhamos no frio da noite
Esperando acordados
O Sol da manhã
Para esquentar o sangue vivo
Que esfriará mais uma vez
Com a sua morte

domingo, 5 de junho de 2011

Durante a friagem

Um vontade de chorar sinto
Quando sinto neste frio
A mãe preta amamentando
Uma criança preta de pedra
Naquela mesma praça
Em que as prostitutas
Cobriram todas as suas vergonhas
Com poucos panos que tinham.

Cobriram também
As tetas
A friagem que sentia
A mãe preta.

Sede de significados

Nunca aprendi a comer de hashi
Que num bar de esquina
Preferia ouvir rock’n roll
Só para ser diferente
Dos que gostavam de comer sushi.

Sempre errei na aritmética
Mas as letras tinham um mistério
Numa carteira carcomida pelo cupim
Em que risquei com um canivete
Meu primeiro poema.

Depois
Por falta de papel
Poderia escrever no corpo dela também
Um poema inteiro
Só para não perder o momento
Em que as palavras saltam
Sem impedimento algum.

Por isso as palavras
São contravenção!

sábado, 4 de junho de 2011

Um homem velho comeu um Bem-te-vi

quem poderia impedi-lo
— magro, vivaz e
sem paradeiro

os nós dos dedos
grossos os gravetos
da armadilha
a fome

quarta-feira, 1 de junho de 2011

A loba de Roma

Quantas tetas tem o Estado
Nacional
Carreirista profissional
Jurídico e administrativo
Todos querem um pouco mais.

Pobre diabo vagabundo

Quando numa ladeira subia
Descia numa outra um mendigo
Maltrapilho que levava um saco.
Era frio esta tarde!

O mendigo que nada fazia
Apenas pedia
Um pouco de dinheiro
O suficiente para tomar banho
O pouco que ele pedia
Não tinha em meus bolsos
E mostrei o que tinha
E ele pediu
Foi quando disse:
Só tenho isso
Se lhe der isso
Nada mais tenho.
Era frio esta tarde!

O mendigo que nada tinha
Pedia
O outro que era eu
Do pouco que tinha
Se desse
Nada mais teria.

Continuei subindo a ladeira
O mendigo
Continuou descendo a ladeira
Sem fazer força alguma.

A pedra do tempo

Impregnado nas pedras lisas
O limbo se torna eterno
Como fosse parte daquela
Num jardim mal cuidado
Que não requer mais
Atenção alguma
Do que o tempo se passando
Em instantes
Numa batida do orvalho
Furando a argila
Num furo sem volta.

Sensação das tardes outonais

Chega um tempo em que estamos sós
Sem que algum motivo exista
Para incomodar
Nem mesmo incomoda a batida do martelo
Que penetra pela frieza da tarde outonal
Em nossas veias cada vez mais estreitas.

Que alívio é sentir o vento da liberdade
Alisando o rosto sujo de poeira
Que sopra insistentemente nesta cidade.
Perder-se no traçado destas ruas
E ir tecendo um tecido fino de sutilezas
Como uma aranha em sua lida
Tornando a vida mais intensa
Em cada esquina vivida intensamente
Todos os amores e dores sentidos.

Ainda vejo pelas ruas da existência
Pegadas orgânicas ainda frescas
Num caminhar errático que avança
Entre avanços e recuos
Numa direção que se repete
Por medo de uma direção diferente.

Quando se faz da solidão um amigo presente
Principalmente em tempos de viagens ao fundo
De uma galeria cheia de vitrines
Em que as atrações são personagens
Com rostos pintados e bocas vermelhas
Que dançam um folguedo conhecido
Podemos rir mais uma vez
Podemos chorar mais uma vez
Naquela platéia cheia
Mas apenas uma cadeira ocupada.

Somente aqueles que se perdem
Podem encontrar em qualquer lugar
Que seja
Que nunca saíram do lugar
Que sempre viveram
Na mesma casa de sempre
Um portão alto guardado
Por um único cadeado.