quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Fugindo de nossos sonhos

Os musgos que encontrei
Pelo caminho
Meus pés se recusaram
A esmagar.
Mas se pudessem esmagar
Pesadelos de outros tempos
Ficaria sem histórias
Para contar.
Os pesadelos também são vividos
Como fossem verdade.

O nome é forma

O nome é a forma
De um conteúdo volátil
Que rápido se desfaz
Para poder se informar
Em uma mente
Sã, consciente

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Uma vida monótona

Os perigos evitamos
Se realmente queremos.

Mas o que será da vida
Sem eles.
Será que a vida pode
Ser vivida
Sem eles?
Numa eterna repetição...

Uma taça de veneno

Veneno algum é capaz
De fazer efeito para um coração endurecido
Que teme sofrer por um amor sincero
Desses que nada pedem em troca
Senão um olhar desarmado
Totalmente dado
Em todos os momentos da vida.

Nenhum veneno se compara
Com aquele que mata
Fulminantemente sem deixar pistas
É o perigo que ronda
É o perigo do amor sincero.

Cuidado amigo
Se quiser continuar vivo
Se afaste de qualquer possibilidade
De conhecer a morte que tem olhos de vidro.

Companheiro de caminho

Das horas somadas
Juntas, trabalhadas
Moldando pensamentos
Em argila imaginária

Assim se cria laços
Abraços e apertos de mão
Conduzidos por um caminho
Onde nada é em vão

O caminho nunca é sabido
Sempre percebido
E nunca esperado
Somente experimentado

É amizade comandada
Pela luz, pela fala pela estrada
Caminhada e testada
Desde inicio a início

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Gentil companhia

Pelos caminhos desta vida
Cruzei infinitas vezes
Com a morte anunciando
Nem feia era ela
Nem bonita
Apenas gentil e convidativa
Muitas vezes a segui sozinho
Outras vezes junto
E por diversas vezes morri
Para nascer de novo
Todas as vezes que abandonei a mim
Todas as vezes que me senti abandonado
Era nesses instantes que ela aparecia
Para não me sentir tão solitário.

Silêncio da tarde

Sem nada falar
As palavras são ditas
Em toda sua verdade
Pois não economiza
No silêncio transparente
O movimento dos olhos
Que se cruzam por instantes
Como nada mais precisasse
Ser colocado em letra aberta.

E como o tempo demora
Para passar
Num eterno movimento
Quase parado no espaço
Infinito de nossa existência.

Só os olhos bastam
Revelando sua mais funda
Areia cristalina
Que nunca se turva.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Primavera!

Alguma mudança acontece
Quando a primavera renasce
Por detrás dos muros caiados
Uma alegria sem nenhum sentido
Parece marcar a face antes crispada.
Se antes negava ternura
Ternura já terá.
Pois até a mais dura
Vaidade não terá validade
Em tempos que as cores
Todas elas
Amarelas e vermelhas
Mancharão de repente
O chão de toda gente.

domingo, 26 de setembro de 2010

Uma vida num jogo de cartas

Aquelas mulheres de saia rodada
Rodavam suas saias na porta da igreja
Oferecendo seus serviços para os
Necessitados de uma ajuda mágica.

Não apenas uma reza rápida para o santo
De fé de preferência.
As cartas das ciganas podiam revelar
Segredos ainda não revelados.

Nenhum destino poderia estar presente
Numa simples previsão da mulher do tempo
Pois sempre chove à tarde
Ainda que não devesse chover.

Se pudéssemos planejar nossas vidas
Que haveria de diferente
Abaixo do céu senão total indiferença.
E todos os sonhos não passariam
De sonhos já prontos.

Como bolhas de sabão

Se assumirmos nossa própria
Condição de bolhas de sabão
Que sopradas vão sempre subindo
Descendo também sem se importar
Refletindo o mundo inteiro
Seja azul seja negro seja vermelho
Até que venham as farpas da rosa
Fazendo explodir em pedaços de água
Cristalina mil partículas gasosas
Que me importa sua existência efêmera
Tão breve que nem deixa rastros
Pelo caminho onde passa.

Como bolhas de sabão
Vivemos os perigos da vida
Vivendo intensamente
E morrendo em cada esquina
Nos braços de uma mulher.

Ao tomarmos ciência
De que bolhas de sabão não são
Eternas
Eternas serão os momentos
Fugazes como gazes
Evaporando a cada instante.
As pessoas continuam sendo o que são mesmo se sua face desmorona
Bertolt Brecht


.

sábado, 25 de setembro de 2010

Poesia para não morrer de tédio

Para quê compor tantos
Poemas?
Se a vida continua a mesma
Sem que o sofrimento diminua
Sem que o desencontro diminua
Sem que os amores possam
Novamente acontecer.

Talvez por isso
Talvez justamente por isso
Por isso que continuamos
Compondo poemas.
Não para mudar as coisas
Mas para não enlouquecer
Do excesso de realidade
Dura e cinzenta
Como as nossas cidades.

Como valesse a pena

Nunca aprendi a comer com palitos
Que ainda incomodam nos dedos
Nunca aprendi a tabuada direito
Que ainda erra em meus cálculos
Nunca li a Divina Comédia inteiro
Por isso nada sei da vida
Da vida de Virgílio e Dante
Da minha? Nada muito interessante
Nada fiz do que valesse a pena
Senão três pontos no joelho
De um lombo que levei criança
E bati a cabeça e o coração
Foi aí que começou meu dilema
Perdi a razão de existir.

Perdi novamente outras vezes
Mas por uma teimosia insana
Continuo acreditando nas ondinas
Que poderão vir no próximo verão.

As cartas que escrevi

As cartas escritas jamais foram
Enviadas para um destino qualquer
Pois não havia um destinatário
Nenhum endereço
Que pudesse recebê-las.

Foram escritas para uma mulher
Que aparecia numa folhinha antiga
Que não se sabia quem era.
Nem se realmente existia.

Mas as cartas continuaram
Sendo escritas...

Sem rumo na vida

Quanto maior a certeza de que
Não estamos vivendo um sonho
Mais caímos num buraco fundo
De total incerteza.

Se de fato a incerteza é palavra
Corrente navegando ao sabor do vento
Minha vida sopra de um canto para outro
Sem que alguém possa colocar em seu rumo
Sou vela desgovernada
Errando pelas águas desconhecidas
De uma mente enlouquecida
Pelas cores exageradas do arco-íris
Numa manhã de primavera.

Até o sorriso singelo da dama
Que carrega um alaúde laqueado
Que geme uma cantoria do passado
Não passa de um sonho
Que continua se repetindo...

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A vela

Ai, teus olhos negros!
Prometem prazeres,
Delícias, orgias...
Calafrios quentes em noites frias
Inculcam desejos loucos
Suspiros roucos
Ai, teus olhos negros!
Mexe em minha alma
Não!-revira com lança fria
Carrego os dardos de seus olhos,
Latejando, morena, ardidos
Carrego por todo o dia!
Quero seus olhos de bicho,
Quero os prazeres que me prometia!
Guardar paixão assim escondida,
É perigoso, como vela acesa em casa,
Que se esquecia...
Pode-se esquecer de fato,
Mas o incêndio retorna,
Calamitoso, exclamação que não se prenuncia!

A insânia

Uivam os cães, os lobos, os homens!
Uivem, oras!
Seus uivos, minhas gargalhadas
Que sinfonia aterradora!
A vida não é vida
Sem o tempero suave
Sutil
Frio e jamais vazio
O tempero da insânia!
Ocultar qual arma branca envenenada,
Qual adaga, faca, ou mesmo risada,
A pitada apimentada da insânia!
Ah, que são os comentários,
As análises,
Os postulados,
Os doutorados e doutrinas
AS DOUTRINAS, MEU DEUS!!
A sabedoria verdadeira é polvilhada de insânia,
Um leve sarcasmo,
Divertido e inócuo...
O diabo mental,
Desgrenhado, bem humorado e sagaz,
Apontando o dedo sujo e rindo desdentado... Maldito!!!
Se não contra as massas,
Contra a elite,
Sábios e ignorantes,
Pelo menos contra si mesma,
Coroada por uma autêntica gargalhada!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

"Linda de morrer"

A poesia está morta
tira da cova outra artimanha
esta se alimenta da luz do caminho
e morre na ponta dos dedos

Ao contemplar a poesia
surge inevitável a mortualha, mas
se ainda há medo na noite escura, vai
colhe flores brancas antes de fechares os olhos

.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Alguns não passarão

Sempre os medíocres
Sempre os medíocres
Serão os vencedores!
Por isso a vida se tornou
Insuportável
Assim a vida passará
A boiada passará
Os cães passarão
Menos os perdedores
Que nunca estarão de acordo
Acordados num contrato social
Assinados abaixo
A própria condenação.
Perder para não perder
A dignidade de ser livre.

Tempo sem coragem

Outrora amor havia
Havia coragem nos corações
Dos homens
Ternura havia nos corações
Das mulheres
Mas quando a ternura deixa
De existir
O mundo se torna
Inabitável
E a vida totalmente
Sem sentido algum
Só existirá o medo
De enfrentar seus próprios
Demônios voando em vassouras
Outras como ninfas devorando
Marinheiros sedentos de amor.

Mas o tempo dos heróis
Ficou na saudade
Os covardes venceram
E regozijam-se com os corvos
Que não se incomodam com os vivos
Só com os mortos.
Só estes.

Pelos cães de Menelau

Começamos a ceder
Diante da insistência dos deuses
E passamos a ser menos homens
Pelo medo da vingança
Que possa nos recair
E submetidos à ordem superior
Admitimos que somos
Da ordem inferior
Que temerosos não vivemos
Totalmente livres
Nem queremos esta liberdade
Pois necessitamos
Insistentemente
De alguém que possa nos punir
E assim ficamos felizes
Súditos apenas da absurda
Condição humana.

Quando as palavras enganam

Que palavra pode ser mais
Verdadeira do que aquela que
Silencia nas bocas pálidas
Pois tudo aquilo que se diz
Pode ser mentira.
Qualquer afirmação pode ser
Negação de alguma coisa.
E ainda que possamos
Usar de toda sinceridade
Não será suficiente
Para dizer a verdade
Que prefere esconder-se
Ou ainda não ser dito.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Sim

Ninguém segurou minhas pernas
quando a vontade me atravessou
e no outro lado da rua pedi
um copo de água ardente

Naquele lance do passado
minha voz nem sempre era
grave assim como hoje, mas aquilo eu
não sabia, eu aceitava

Sempre disseram sim
por trás do balcão fosco
tão solícitos, tão rudes
tão amigos, tão ingênuos

Sim. Sim sempre
Sempre há sim num balcão de bar
(Põe a mão e o copo bate o fundo,
o álcool estala doce até a tona)

Isto é assim de não segurar
o corpo vai que vai só - as lembranças
sem razão nem explicação, dócil
o corpo segue, difusa herança é a cabeça

Trago agora o copo para que me esqueça
e sinto só - o que morreu
Escondo a cara nua sobre a mesa
crente e cego de um segredo só meu

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A lua e o poeta

Assim que a noite vem depressa
Passamos a enxergar melhor
Pelas poças de lama refletida
A lua em toda a sua dimensão
E como bela ela aparece
E desaparece num balão de gás
Por detrás das nuvens em cortina
Não revelando sua face.

Mas quando a noite não vem
Então que a noite venha
Ao cessar a luz nos olhos batidos
E possamos mergulhar fundo
E encontrar novamente
A alegria de estar acompanhado
Seja pela lua
Que ainda não apareceu
Dócil e entregando-se inteira.

Ouvidos cansados

De repente passei a não entender mais nada!
Todos aqueles sons e todas aquelas palavras
Vinham e simplesmente entravam sem bater
Meus ouvidos finalmente puderam descansar
Deste trabalho incessante de entender as coisas

Meus ouvidos sempre quiseram entender tudo
Mesmo quando nada era para ser entendido
Ele insistia em entender

Mas agora ele não entende mais nada
Melhor assim
Meus ouvidos deixam de entender
Para que Eu passe a entender as coisas

domingo, 19 de setembro de 2010

Que frio que sinto

Um pássaro estranho
Insiste em cantar
Um canto afinado e belo
Anunciando alguma coisa
Pelas manhãs de inverno.

Tempo em que todas as folhas
Despencam dos galhos e os galhos
Ficaram totalmente nus
E soprados pelo vento
Torcendo seus troncos
Tal qual um corcunda.

O inverno é um velho
Que caminha desconsolado
Pelas ruas solitárias
De minha cidade
Cidade que existe
Nos neurônios explodindo
De minha mente.
Todo frio que sinto
É na minha mente que sinto.
Sinto tanto a falta de uma
Mão quente que acalanta
E embriaga a pele ressecada
De tanta febre em vão.

Areia e desolação

Para quem uma vez
Num barco esteve
Não alcançou outro lado
Do outro lado do Estige
Não encontrou os amigos
Que se foram
Os amores que não se realizaram
Pois era em tempo errado
E somente em tempos errados
O amor acontece.
Se fosse fácil de acontecer
Nenhum amor aconteceria
E nada teria validade.
E por amor a pedra é encontrada
Dessas raras pepitas perdidas
No veio da terra cristalina
Por ser raro o amor se revela
Em toda a sua dificuldade
E quando se pensa que a tem
Temos apenas a ilusão de alguma
Posse
Passageira como areia que derrama
Numa velha ampulheta.
Areia que continua caindo
Não se detendo jamais
Para que as horas passem
Sem que ninguém possa detê-las.

Batida do pandeiro

Numa rua desta cidade
Que ao entardecer
Cada vez mais frio se fazia
Nas calçadas havia
Um homem velho que tocava
Uma triste melodia
Em seu pandeiro surrado
Cantava um lamento qualquer.

Aquele lamento era
Também o lamento meu
Que por longo tempo
Ecoou nas paredes do ouvido
E vibrou uma tristeza infinita.

Era uma tarde de inverno!

sábado, 18 de setembro de 2010

Abismo de nossas vidas

Para onde arrastará
Seu pesado carrinho
Carregado de papelão
Subindo ladeira acima
Sem saída alguma.

Para que falar do catador
De papel
Se também carrego
Não apenas papel
Outros trecos mais pesados
Que pesa no corpo
Muito mais na alma.

Ao final da rua
Uma cancela quebrada
De outro lado o abismo
Fundo isento de salvação
Mas livre de todo medo
Pois nada mais há
Para se perder.

As flores secas

Para que servem as flores
Se não há ninguém
Para recebê-las.
Servem para enfeitar
As prateleiras empoeiradas
Dos livros que já li.
Ficarão por lá até que
As múmias surjam e façam
Companhia.
Dessas que podem saltar
Das páginas amareladas
Dos cantos ainda molhados
De restos de saliva.
Por fim aparecerão também
As bactérias que devorarão
Totalmente
Do pedaço daquela flor
Que por fim secou
Sem serventia alguma
Ficou apenas a intenção
De um dia ser dirigida
A alguém
Que nunca existiu
Melhor que fosse assim
Assim debaixo dos olhos
Como poeira
Caiu.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Desolación

La bruma espesa, eterna, para que olvide dónde
me ha arrojado la mar en su ola cae salmuera.
La tierra a la que vine no tiene primavera:
tiene su noche larga que cual madre me esconde.
El viento hace a mi casa su ronda de sollozos
y de alarido, y quiebra, como un cristal, mi grito.
Y en la llanura blanca, de horizonte infinito,
miro morir inmensos ocasos dolorosos.
¿A quién podrá llamar la que hasta aquí ha venido
si más lejos que ella sólo fueron los muertos?
¡Tan sólo ellos contemplan un mar callado y yerto
crecer entre sus brazos y los brazos queridos!
Los barcos cuyas velas blanquean en el puerto
vienen de tierras donde no están los que son míos;
sus hombres de ojos claros no conocen mis ríos
y traen frutos pálidos, sin la luz de mis huertos.
Y la interrogación que sube a mi garganta
al mirarlos pasar, me desciende, vencida:
hablan extrañas lenguas y no la conmovida
lengua que en tierras de oro mi vieja madre canta.
Miro bajar la nieve como el polvo en la huesa;
miro crecer la niebla como el agonizante,
y por no enloquecer no cuento los instantes,
porque la noche larga ahora tan sólo empieza.
Miro el llano extasiado y recojo su duelo,
que vine para ver los paisajes mortales.
La nieve es el semblante que asoma a mis cristales;
¡siempre será su albura bajando de los cielos!
Siempre ella, silenciosa, como la gran mirada
de Dios sobre mí; siempre su azahar sobre mi casa;
siempre, como el destino que ni mengua ni pasa,
descenderá a cubrirme, terrible y extasiado.

Gabriela Mistral (1889-1957) Prêmio Nobel em Literatura de 1951

Última Esperança

Antes caçados, os guanacos quase foram totalmente exterminados. Em parques nacionais, protegidos, podem ser vistos livremente. Estes são encontrados na Ruta caminera Puerto Natales a Parque Nacional Torres del Paine, na região conhecida como Ultima Esperanza.
(foto: Jisho Handa)

Pássaros pretos


Ao final do inverno, ainda o branco da neve espalha-se pelas montanhas da Patagônia, em especial Puerto Natales, Chile. Os pássaros pretos são silhuetas na imagem totalmente branca.
(foto: Jisho Handa)

Pedido cumprido

Assim a mulher que queria
Um namorado pedia
Pode ser alguém que seja
Pode ser qualquer um
Pode ser aleijado
Caolho e vagabundo
Pode ser do outro mundo
Gordo e também imundo
Desde que seja meu.

Ela teve o que mereceu!
Era tudo aquilo
E outros adjetivos!

Tudo se perdeu na linha do trem

Uma imagem de Kanzen
Toda de porcelana negra
Toda compaixão presente
Todo amor que poderia dar.

Um trem atravessa atravancando
Numa linha férrea ao lado
Faz despencar em pedaços
Aquilo que antes era belo
Em põe em pedaços
Toda compaixão presente
Todo amor que poderia dar.

Tudo se perdeu em instantes
Todo amor que eu tinha se foi
Reduzido a cacos
Sem tristeza alguma
Sem alegria
Nem restou a lembrança
Que também se perdeu
Na linha do trem.

Latinidades

Divinum dare
Humanum accípere

Chanson d’Outomne

Les sanglots longs
Des violons
De l’outomne
Blessent mon coeur
D’une langueur
Monotone.

Tout suffocant
E blême, quand
Sonne l”heure
Je me souviens
De jours anciens
Et je pleure
Et je m’em vais
Au vent mauvais
Qui m’importe
Deçá, delá
Pareil à la
Feuille morte.

Paul Verlaine

Canção de outono

Os soluços graves
Dos violões suaves
Do outono
Ferem a minha alma
Num langor de calma
E sono.

Sufocado, em ânsia
Ai! Quando à distância
Soa a hora
Meu peito magoado
Relembra o passado
E chora.
Daqui , dali pelo
Vento em atropelo
Seguido
Vou de porta em porta
Como folha morta
Batido.

Paul Verlaine

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Não gostei...

Um único grão de arroz
Que caísse do prato
Lá vinha em ladainha
Cate e coloque de novo
Dentro do prato
Assim me lembro
Da primeira vez que saí
De casa
Na casa de minha avó fiquei
Não sei se gostei
Não sei se não gostei.

O gosto metálico do garfo
Desagradável.
Acho que realmente
Não gostei.

Queria comer com a mão
E lamber os dedos
Todos os dedos
De menino de cinco anos.

Quando a realidade se torna fantasma

Que saudades sentirei
Do inverno passado
Que me faltou cobertor
Que pudesse aquecer meus pés
Nas noites de sábado.
As meias de tanto usar
Ficaram rasgadas de lado
Ainda assim não reagi
E ficaram assim mesmo
Abandonadas.
Abandonei o verbo
E toda vontade de viver
Assim sobrevivi às tempestades
Que furavam telhados de zinco
Tamborilando um festival
Do boi da cara preta
Que não mais assustava.
O que assustava era
O excesso de realidade
Totalmente irreal como
Um fantasma
Fluido e transparente.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Guerreiros dos sonhos

Por todo lado se via
Cruzes plantadas no solo
Num antigo campo de batalha
No qual dormiam eternamente
Guerreiros ainda envergando
Armaduras de couro curtido.

Cruzando o céu uma andorinha
Velava o sono daqueles que
Em seus sonhos ainda lutavam
E podia sentir os cascos dos cavalos
Levantando poeira e cascalhos.

Quando fico só
Sãos estes que andam do meu lado.

Aquilo que contamos

Mentimos para todos
De que somos sérios
Menos para nós mesmos
Cuja maior seriedade
Seria deixar a seriedade de lado
E posamos como santos
Quando na verdade
Nada temos de santos
Nem de santificado
Paremos de mentir
Quando possamos assim
Assumir sobretudo
Nossas fraquezas
De amar casos perdidos
Sem se arrepender.
Os que se arrependem
Jamais amaram de fato.

Quando o inverno se for

Nunca o inverno foi tão
Rigoroso nos trigais para fazer pão
Em que nenhum calor
Foi sentido na pele macerada
E as bocas se calaram
Num silêncio que não passou
De profundo desencantamento.
E continuaram caladas
Bocas
E sentimentos
Congeladas talvez pelo
Gelo nos corações.
- Inclusive no meu.
Mas quando o inverno se for
Então da terra coberta surgirão
As armas do passado
Os fantasmas do passado
Para nos assombrar
Uma história que não pode
Ser esquecida.

Demoniozinho criador

João era amaldiçoado
Ele tinha o dom de criar
Era aterrorizante
Ele criava e logo em seguida,
As coisas surgiam na sua frente!
Ele criava e as coisas existiam por conta própria
A cria e o criador se separavam no momento da criação

Todas elas ganhavam asas
Voavam pra lá e pra cá
Ou então ganhavam pernas
E caminhavam pra lá e pra cá

Tinha umas que ganhavam coisas que ainda não tinham nome
E também coisavam pra lá e pra cá
Sem dependerem de João
Elas sempre iam e vinham

João percebeu
Que ter o dom de criar é uma maldição
Mas que ele sempre seria
Um demoniozinho criador
E nunca um santo destruidor

A orquestra se quebra

(Veja o anterior)

Foi então que a orquestra parou
Esquartejada pela sirene da insegurança
Naquele instante tudo voltou a aparecer e desaparecer
Eu
Tu
Ele
Nós
Vós
Eles

Orquestra do silêncio

O ensurdecedor silêncio das duas da manhã,
Mostrou um planeta parado, só pra mim
Resultado da insana cafeína de um longo dia
Trouxe toda beleza desta Terra
Apenas por uma janela
O mundo ali
Era de uma impossível natureza estática,
Na que meus pobres sentidos queriam acreditar
Que infinitamente tocou com a orquestra do silêncio,
Regida pelo relógio sem ponteiros,
E assistida por um ser,
Que ali, jamais estivera

domingo, 12 de setembro de 2010

Ao ribombar do sino

Um velho segue adiante
Blém... blém...

Um jovem segue adiante
Blém...blém...

Uma criança nasceu
Blém...blém...

Um novo amor surgiu
Blém...blém...

Um velho amor acabou
Blém...blém...

Por fim o padre se cansou
... ...

Apenas profundo

Nada pode ser mais confortador
Do que o silêncio
E podemos até sorrir
De uma alegria sem explicação
Nada dizer
Pois os olhos dizem muito
E se despedir
Sem palavra alguma.

O bumbo do padre

Naquela cidade pequenina
Cruzava as ruas do centro
O padre e um batedor de bumbo
Arrastando em fileiras
Crianças de todas as idades
Com as suas melhores vestes
Não havia uma só criança
Que deixasse de seguir
O padre e o batedor de bumbo
Todos iam menos eu
Desconfiado
Das verdadeiras intenções
Daquele padre
Que queria público
Para a missa das oito
Que distribuía figurinhas
De santos.

Aquele padre se parecia
Muito com o flautista das fábulas
Arrastando para as águas
Uma porção de ratos
Não queria morrer afogado
Nas águas batismais
E acabar com todo
O pecado do mundo.
Se isso acontecesse
Que seria do mundo
De pecadores como eu?

Devaneios de uma noite

Havia um tempo
Que todo o meu mundo
Se resumia
A um bolso da calça
Rancheira
Um osso de galinha
Uma borracha de atiradeira
Uma bolinha de gude
Uma figurinha
E não sabia como era
Rica minha vida.

Nada mais disso tenho
Senão a esperança
De continuar
Sonhando.

Posso perder tudo
Menos o sonho.
Minha vida toda
Não passou de um
Sonho!

Dois mendigos

Pelo caminho havia
Dois mendigos que pediam
Um pouco de caridade
- Uma moeda pelo amor de deus

Naquele caminho havia
Lixo esparramado pelo chão
Então pedi:
- Recolha o lixo do chão e
Merecerá não apenas uma
Duas moedas inteiras.

Pelo caminho havia
Dois mendigos que pediam
Um pouco de caridade.
Nada mais queriam do que
Uma moeda
Não duas
Apenas uma
Por caridade
Sem sujar a mão no lixo
Espalhado pelo chão.
Pelo amor de deus
Nada fizeram
E dispensaram
Duas moedas.

E continuaram pedindo
Para um outro
Que por lá passava.

Repartindo a dor

Nada mais tenho que
Meu manto puído e negro
Que abriga todo o meu corpo
E o universo todo também.
Todos aqueles que sofrem
Nele encontra abrigo
Com eles reparto
O calor que ainda
Aquece meu coração
Que o sofrimento de todos
Seja também o sofrimento
Meu.
Somente os que sentiram
Em seu peito
Fagulhas do sofrimento
Sentem o sofrimento do outro.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

O lado escuro da estrada

Como uma noite escura
Escura também é a minha face
Desaparecendo ao final da estrada
Que conduz às beiras de um abismo
Em que os homens de coração puro
Atiram-se com asas de pássaro.

Os apaixonados são puros
Porque têm tudo a perder
Ainda assim insistem
Em suas empresas.
Perder é ganhar o mundo
Em seu total significado.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Solidão amiga

Uma solidão consentida
Dessas que se tornam verdadeira
Amiga em momentos de desconsolo
Não que ela console alguém
Mas com ela podemos mergulhar
Juntos num mar profundo
Sem medo algum
Sem medo da verdade
Que pode desagradar
Aqueles que sentem vergonha
Dos próprios sentimentos.

A solidão pode ser
Amiga
Principalmente quando
Nenhuma amiga
Pode ser melhor do que ela.

A solidão é irmã da noite
E ninguém da noite entende
Melhor do que eu.
Durmo com a noite
Para que a solidão de todo deserto
Seja a eternidade além do tempo
Passado e presente.

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Perdendo a vida

Nem que seja para perder
Nem me importa se perder
Tenha alguma importância
Importante mesmo é viver
De maneira totalmente livre
Rir quando rir se fizer necessário
Se for desnecessário
Continuar rindo
Das agruras passadas
Por ter enfraquecido
Este coração tolo
Diante da própria ilusão
De um amor endurecido
Por medo de se entregar
Inteiro.

Não se vive para ganhar
Nem perder
Apenas se vive
Alguns com coragem
Outros com medo
Os que têm coragem
Perdem a vida
Os que não têm
Não perdem jamais
O que nunca tiveram.

A vida é sempre
Compartilhada
Quando uma perde
Todas perdem juntos.

Com coração se vive

Que eu possa viver todas
As complicações dos encontros
Dos supostos desencontros
Com tamanha disposição
Que seja sobremaneira com coração.
E quem com coração age
Leva desvantagem
E quem com coração age
Tem coragem suficiente
Para ousar em cada momento
De sua vida breve e efêmera.

Os que agem sem coração
Falta de coragem para viver
Não amam também
Por medo e sem coragem
Tornam-se egoístas.
Não vivem
Não vivem por medo da vida.

domingo, 5 de setembro de 2010

Viagem

Rodas girando
Quilômetros passando
Pra onde, mesmo?





Sem caminhos

Desconhecendo que caminho
Tomar
Pois caminho algum existia
Senão aquele formado pelos passos
Dados
Passos largos que marcavam
A argila mole ainda
Ficou desesperado
Pois caminho algum existia
Ficou apavorado
Diante da inexistência dos caminhos
Dos outros que seguiam caminhos
Abertos por outros homem e mulheres
Que tinham passado
Caminho dos outros
Não o próprio caminho.
Sem caminho a seguir
Desacreditou nas próprias pernas
Pernas fracas e preguiçosas
Até ver adiante
A linha do trem
Por fim quis
Seguir adiante
A linha do trem
Pois levaria a algum lugar.

A sombra do meu lado

Ainda que vá para longe
Sempre estará ao meu lado
Sombra que jamais se livra
Daquele que a sombreia
Nem sei em que existência
Se sou a sombra
Se sou o outro
Que não conheço realmente.

Se realmente pudesse
Ser conhecido
Conhecimento algum
Haveria.
Por isso não posso me ir
Se fosse para o outro lado
Mas este outro lado não
Haveria
Nem a minha vontade saberia
Se vontade esta seria
Realmente minha
Não seria portanto
De minha sombra
Ou de minha sombra
Seria.

Tudo aquilo que não sou
Que penso que não sou
Pertence à sombra minha
Que tem tudo aquilo que não tenho
Inclusive inteligência
Que há muito deixei para trás
Sou um tolo
Que caminha livremente
Pelas veredas verdes
Vislumbrando o horizonte.

É de minha sombra todos os amores
Não realizados
No ar rarefeito da matéria bruta
Amor que se consolida na matéria cinzenta
E na obscuridade das regiões trevosas
De cuja treva se confunde pela eternidade.

sábado, 4 de setembro de 2010

Vingança do fogo

Todas as cartas de amor
Escritas no calor de uma vida errante
Nunca foram enviadas
Nunca foram atiradas
Na boca de um vulcão
Para que se tornasse lava
E por onde passasse
Deixasse atrás de si
Um caminho em fogo
Marcando a terra
Marcando a carne
De todo o furor
Que pudesse existir
Nas entranhas desconhecidas
Da existência humana
Humano é o vulcão
Desumano é a água
Que apaga todo o fogo
E frio fica como nenhum
Fogo jamais tivesse existido.
Mas o fogo ainda há de se
Vingar mais forte ainda.

Contra o Estado

Tudo pode ser tomado
Proibido e renegado
Para o bem social
Para o bem da instituição
Moral
Político
E econômico
Tudo menos a capacidade
De sonhar
De compor poesias
Tudo menos isso.

Se isso acontecesse
Nenhuma esperança
Mais restaria neste mundo
Congelado em normas
Criadas por um monstro
Metálico que nada entende
Do amor que ainda resta
Pouco
Muito pouco
No coração dos homens
Das mulheres.

Em algumas delas
Que quiseram viver seus amores
Intensos e loucos
Tudo aquilo que poderia ser
Contravenção
Dos bons costumes
E dos princípios elevados.
Mas tratamos afinal
Do mais baixo instinto humano
O instinto de amar
Por isso
Isso também
Deve ser eliminado
Em nome do estado totalitário
Que querem
Um homem
Uma mulher
Conforme os padrões
Elementares do igual
Sem nada criativo
Senão a de ser dócil animal
Que pode ser domado
Chicoteado num espetáculo
De um circo romano.

As palavras traiçoeiras

Somente no silêncio
Podemos falar de coisas importantes
Realmente importantes
Que não se falam jamais
Sem que possamos incorrer
Em erros e desentendimentos
Pois as palavras dizem coisas
Que não representam
Aquilo que poderia ser
Bem diferente daquilo que
Se pretendeu dizer
Por isso
Por tudo isso
As palavras sem som algum
Que não refletem luz alguma
Postas num quarto escuro
Dizem muito mais
E se os olhos se encontram
Num facho repentino de luz escura
Muito mais dizem
Num lapso momentâneo
Sem palavra alguma
Com todas as palavras do mundo
Silenciosamente sentida
Numa cumplicidade
Que nada mais precisa
Do que o instante
Que se faz presente
No momento exato em que
Nenhuma explicação
É necessária.
Só necessita do silêncio
Nada mais do que silêncio.

Nome

Bem-te-vi, desde que soube teu nome
nunca mais te-ou-vi


.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Soneto 17

No te amo como si fueras rosa de sal,
topacio o flecha de claveles que propagan el fuego:
te amo como se aman ciertas cosas oscuras,
secretamente, entre la sombra y el alma.
Te amo como la planta que no florece y lleva
dentro de sí, escondida, la luz de aquellas flores,
y gracias a tu amor vive oscuro en mi cuerpo
el apretado aroma que ascendió de la tierra.
Te amo sin saber cómo, ni cuándo, ni de dónde,
te amo directamente sin problemas ni orgullo:
así te amo porque no sé amar de otra manera,
sino así de este modo en que no soy ni eres,
tan cerca que tu mano sobre mi pecho es mía,
tan cerca que se cierran tus ojos con mi sueño.

Pablo Neruda - Chile - 1904-1973

LA CRUZ DE BISTOLFI

Cruz que ninguno mira y que todos sentimos,
la invisible y la cierta como una ancha montaña:
dormimos sobre ti y sobre ti vivimos;
tus dos brazos nos mecen y tu sombra nos baña.
El amor nos fingió un lecho, pero era sólo tu garfio vivo y tu leño desnudo.
Creímos que corríamos libres por las praderas
y nunca descendimos de tu apretado nudo.
De toda sangre humana fresco está tu madero,
y sobre ti yo aspiro las llagas de mi padre,
en el clavo de ensueño que lo llagó, me muero.
¡Mentira que hemos visto las noches y los días!
Estuvimos prendidos, como el hijo a la madre,
ti, del primer llanto a la última agonía!

Gabriela Mistral - Chile - 1889-1957 - Prêmio Nobel de Literatura de 1951

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Nostalgia

O olor secreto do mar
O corte vertical ⎯ o lugar
Recôncavo. Bissetriz
Onde seres-girinos sabem, pois
como eu, nunca aprenderam.
(uma nostalgia oceânica)

Seguem para a imensidão
obscura ⎯ o planeta fecundo
dos teus olhos transbordantes de sal
do teu ventre de leite e maresia, e de
umidade perdida no tempo

No templo do cume das
coxas, água de lábios é
oferecida no altar do desejo
e recebida em ondas de
superfície à superfície
sem início

No mais profundo leito
marinho de transparência,
dançamos entre estrelas e satélites
Um ser de oito tentáculos
imune à gravidade,
e ao amor.

Astronauta

Será que é preciso ser novo para sonhar?
Porque o menino passa suas tardes solitárias
Sonhando ser aquele super-herói de capa vermelha
Que derrota seu inimigo-estante gigante e maligno
E a menina, que vive na espera de seu príncipe encantado
Dono de um reino distante de flores de chocolate
E cachorros cor-de-rosa cintilante

As crianças crescem e conhecem a realidade
Ou será que a desconhecem?
Ou será que a reconhecem?
Os sonhos são deixados para trás quando se cresce
Desaparece a imagem poética do herói idealizado
E surge o ator americano drogado e preso por espancar a esposa
Desaparece a esperança do príncipe medieval e do reino mágico
Para surgir o namorado bombado e barzinhos badalados

O astronauta vira um operador de telemarketing
A nave interestelar, um Volkswagen usado pago em 60 vezes
A viagem à Lua dá lugar a horas de trânsito na Imigrantes
O grande império intergaláctico vira um cômodo-cozinha no Centro
E o tesouro imperial se resume a um Pentium III e uma geladeira Brastemp
(Laboriosamente pagos no carnê das Casas Bahia)

A vida morre a cada segundo
E os sonhos a acompanham em cada desilusão

Mas após juntar uma graninha, compra-se um PlayStation
E o operador de telemarketing pode ser um astronauta
Pode viajar à Lua e dominar o grande império intergaláctico
Pode conquistar a princesa mais linda do Universo
E se tornar o maior imperador de todos os tempos
À noite, em seu sonho, o grande imperador reúne todos os seus súditos
E começa seu longo e pomposo discurso:
"Bom dia! Hoje vou estar oferecendo aos senhores
Uma incrível promoção imperdível pela qual os senhores vão estar pagando
apenas uma quantia simbólica a ser debitada em seus cartões de crédito..."

Então, no vazio,

Não há sabedoria,
E não há ganhos:
Se nada existe
O que diabos há de se ganhar?

E ao ganhar nada
Nada então se há para perder
E nesse nada ter
É que se conquista
Absolutamente tudo
Que assim há de haver