domingo, 30 de junho de 2013

Perdido na cidade

As manhãs de inverno
são profundas
nas ruas curvas
conduzindo almas
para lugar algum.

E no fundo da alma
os viajantes perdidos
não possuem bússolas
num mar sem vento.

Numa procura em vão
até o esquecimento
os amigos se foram.
Vieram outros
conversaram asneiras
carregadas pelo vento.
Também estes
se foram.


Os pastos azuis

Carneirinhos que
pastam
num pasto infinitamente
azul
não se cansam
jamais
em viver

em nossos olhos.

Lavadores de calçada

Até quando dormem
enquanto outros trabalham
a lavar calçadas.
Mendigos sem
pressa alguma
continuam a sonhar.


O músico

A esquina da manhã
toca saxofone.
Uma balada qualquer
que todos ouvem

onde ninguém para.

Sem se importar

Quem cuida
da velha sinagoga
descascada
maltratada
senão o vento
o vento a acariciar
o rosto cheio
de rugas
da senhora
esquecida

numa esquina.

Os abandonados

O que esconde a
névoa fria
sobre a couraça escura
dos carros?

Será a poeira
instalada.
Será a ferrugem
a corroer.
Será a maquilagem
a esconder
as rugas formadas

após os cinquenta?

Os corvos de Zuioji

Aqueles corvos
grasnando
ao entardecer.

As tardes escurecendo
no Mosteiro Zuioji
apenas o tempo passava
sem nunca ter
passado realmente.

Dos imensos pinheiros
espetando espinhos
no céu
eram os corvos
que anunciavam.
Corvos que nunca vi
que grasnavam
no fundo do bosque
em alguma parte

de mim.

Repetida batida

Que maravilha
este som.

São facas nas mãos
das mulheres
despedaçando frangos.


A vida vivida

Alguém disse um
dia
“viver para quê
se vida é diversão
sofrer para quê”.

Se temos uma única
vida
a vida vivida agora
se pensarmos
deixamos de viver
se pensarmos
estaremos no passado
estaremos no futuro
estaremos em qualquer
lugar

fora de lugar.

Navegantes do tempo

Estas lembranças
surgem da fumaça
das manhãs de inverno.

Chegam navegando
em barcos fantasmas
na correnteza ao contrário.

Chegam por instantes
sem nada trazer de novo
sem utilidade alguma
além de um canto
fora de moda
uma bebedeira do passado
que deixou de ter
sentido.
Como que a vida
tivesse um sentido?


A poeira cósmica

Para quê limpar
a mesa
se a poeira assentada
parece ter achado
longa morada.

Restos de cinzas
do incensário
que limpei.

Poeira cósmica
que sempre existiu
no mesmo lugar
sem se incomodar
com o canto do sabiá
com a voz das mulheres
do andar de baixo
jogando conversa fora.
Poucos são os autos
cujos motores ligados
avançam para qualquer lugar.

Se penetram em meus ouvidos
deixo entrar
e sair por outro lado.
Que me importa se são
vermelhos
se são de lata
matéria plástica.

O mundo acontece

neste instante.

O cão de lado

Ladeira abaixo descia
um homem conduzindo
um cão
um cão de lado
ladeando o homem
de chapéu
o homem trazia
a manhã em seus olhos
num choro contido
o cão trazia
o mundo inteiro
em patas pesadas enormes
em silêncio
desciam
sem saber direito

quem conduzia quem?

Era inverno

Por dentro das alamedas
um silêncio verde
pelas paredes
de galhos a contorcer
enroscando pescoços
num abraço gelado.


De passagem

Quando o outono passa
pelos vidros embaçados
passa
solitário caminhante.

Passa ligeiro
o vento cortante
nas folhas duras
da palmeira.

Perdido entre palavras
perdeu tempo suficiente
de viver.
Foi-se a vida
em instantes.
Passou a juventude
os sonhos passaram
a uva passa passou

e foi-se o tempo.

Lamentos da terra

Em vozes desencontradas
a noite se faz
numa mesa de bar
todas as nuances
que vem do norte
que vem do sul
em frases anunciadas
alteradas
soando como sussurro
algumas de lamento
de saudade até
até mesmo de desespero
em terras estrangeiras
baixando a cada instante
a poeira daqueles sonhos
antes sonhados.

A alegria somente

a de antes.

Repentina quietude

As janelas mais
altas falam
quebrando a monotonia.

Imenso o céu
por entre os vitrais
recortando vidas
em tiras finas
como serpentinas.

Imenso a alma
pequena
que voa nas asas

rasantes de um corvo.

O instante vivido

Estas mesas da calçada
tomam sopa caldaloza
pelos vãos dos dentes falhos
soprando os vapores
que chegam
esquentando a alma.

Sem nenhum aconchego
perdidos na cidade
o mar é companhia
minha companhia também.

O outono é ligeiro
traz um vento sorrateiro
varrendo de vez
todas as lembranças
desnecessárias para se viver.

Momento sublime
tem todos os momentos
presentes neste instante.

Adiante saboreia
comendo com mãos
batatinhas fritas
um velho de bermuda
camisa listada
batatinhas ruins
para colesterol ruim
mas que me importa
senão momento do agora!