quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Os olhos de Ana Maria

Quem deixou se navegar pelos olhos de Ana Maria
Jamais voltou para contar, senão enlouquecer de amores
Pois perigos são muitos na turbulência de águas insanas
Negritudes de uma noite sem estrelas para guiar
A popa, em cujo lumiar cada vez mais derrotado
Pelo canto que vem chegando e encharcando
Os tímpanos de sal que em cristais vai alojando.

Arrebatado pelos redemoinhos atlânticos
Muitos se aventuraram a perder-se completamente
Pois Ana Maria desconhece o destino infeliz destes marinheiros
Que encalham suas carcaças, barcas de velas arrancadas
Numa tempestade em que Netuno faz tremer seu tridente
Prateado, a exibir seu corpo regado de algas e mexilhões.

Daqueles que retornaram e sentiram o gosto amargo
Da bílis arrancada aos solavancos do mar revolto
Caminham pela prancha em desatino
Carregando no rosto um sorriso estranho
De ter vivido todas as emoções
Aquelas mais profundas
Mas sem arrependimento.

Os olhos de Ana Maria
Eram tão belos
Como asas de passarinho
Como passarinho frágil e selvagem
Jamais serão de alguém
Serão meus em meu pensamento

Tão líquidos como aqueles....

quarta-feira, 26 de abril de 2017

Eco

Ouve minha voz?
Consegue me escutar?
Vaguei, vaguei e ainda não cheguei
De lugar algum
Pra algum lugar
Do sonhar
Do esperar e chegar
Mas como esperar, e um dia chegar?
Como escutar, mas sem falar?
Como sonhar, mas sem cochilar?
A busca da vida, da alegria
Do amar e do deixar....
E como simplesmente deixar e ignorar? 
Mas você de fato consegue me escutar?

sexta-feira, 20 de março de 2015

A eternidade

O que pode ser a morte
Senão uma esperança
De que o dia torne-se
Noite.

À noite repousamos
O corpo dilacerado
De uma batalha
Que há vencedores
Tão arrogantes
De uma certeza.

Os perdedores tão raivosos
De terem perdido.

A noite fechamos os olhos
Machucados de tanta luz
E no total silêncio
Ouvimos
O som do universo
Pulsando.

A morte é metáfora
Diante da eternidade
Tão distante da finitude
Humana
Uma bolha de vapor
A se espalhar

Na poeira cósmica.

O mito e a submissão

Os deuses criaram
Os homens
Que criaram o mundo.

Os homens criaram
Os deuses
Que criaram o mundo.

Os homens pensaram ser
Deuses
Que criaram a fé
Que criou a crença
Fruto de toda ilusão
Que dividiu
Que estava unido.

Em nome dos deuses
Se matam homens
Alguns dos deuses
Se acham melhores
Querem submissão
De seus criados
Os homens querem submissão
De outros homens
Que resignados cedem
Criou neste momento
A dominação.


O rio desta margem

Às margens do Rio Sanzu
As crianças sem pais brincam
Montanhas de pedra levantam
Surgem os demônios vermelhos
Brandindo bastões de ferro
Bastões batidos nas montanhas
Que se desmancham em pedras
Margeando o Rio Sanzu.

As crianças choram
Ninguém se intromete
As montanhas derrubadas
Às margens do Rio Sanzu
Os demônios brandem
Bastões de ferro
Mostram seus dentes caninos
Olhos saltados e negros.

Surge Jizô
Brandindo um cajado das seis argolas
Os demônios vermelhos se vão.

Jizô acalma as crianças
Ergue de novo as montanhas
De pedra.
Jizô se vai
Até o retorno de novo
Dos demônios vermelhos
Brandindo bastões de ferro...



Desfiladeiro das Termópilas

                
Os Trezentos de Esparta
Trezentos são os escudos
Trezentos são as espadas
Sem medo da morte
A morte recebida no peito
Aberto a varar a tarde.

As flechas caíram
Em intermitente chuva
Escureceu
Veio a noite por instantes.

As andorinhas deixaram
De voar
Os lobos deixaram
De uivar
E veio o silêncio
Por todo o desfiladeiro
Derradeiro silêncio
Em que não havia mais
Nenhum sofrimento.

Os Trezentos de Esparta
Morreram em pé
Em colunas
Escudos levantados
Sem poder deter
As pontas de ferro
Rabeiras de penas de ganso
Milhares de flechas
Zumbindo no ar
As cordas vibrando
Os arcos vergados
Dos braços dos persas.

Sem cantar vitória
Milhares de persas
Deixaram Termópilas.

O canto do poeta exalta
Os Trezentos de Esparta

Que nunca morrerão.

Chá verde

Uma xícara de chá
Suave paladar
Suave amargor
Quente a estalar
Os dentes.

Uma xícara de chá
Tão verde suave
Suave amargor.

Uma xicara de chá
De sabor intenso
Suave amargor
Quente a estraçalhar
O coração.

Uma xícara de vida
Tão intensa e vivida
Neste exato momento
Suave perfume
Chá nas papilas.






terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Parabéns

Parabéns!

Desejo felicidade e amor,
Coragem e alegria
Oh meu terno amor.
Me odeias, mas eu sorrio
Agora sua felicidade é possível
Numa intensidade incrível.

Perdoe meu silêncio,
Mas saiba que aqui acendi uma velinha,
Numa pequena queijadinha
E num minuto de silêncio, ouvi o seu sorriso
Ouvi o seu choro oculto
Suas dúvidas enjauladas
E então não comi.

Espero que o amor te abrace logo,
E te envolva em densos fumos de ópio
Inebrie seus sentidos e me esqueça nas trevas do passado.
Pois o amor - ah, o amor!
É o remédio da vida,
A pomada das feridas,
Anestesia das dores doídas
A mentira mais batida.

Parabéns, e espero que seja mesmo feliz
Agora sem ironia, juro mesmo
Que se concretize tudo que você sempre quis.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Desejo fazer um brinde:
Meu melhor sorriso desdentado,
Meu penteado mais desgrenhado
O brilho entusiasmado mais insano nos meus olhos
O timbre mavioso do mais ácido sarcasmo
E a verdade mais nua (e peluda com perebas) possível

Um brinde aos sonhos que tive
Aos poemas que escrevi
Ao tempo precioso que perdi
Às noites em claro que suspirei
Aos momentos de amor que senti
Às mulheres que desejei
Às mulheres que - de todo coração - amei e abandonei
Às vezes em que, amando, me entreguei
Aos segundos eternos que fitei olhos doces de paixão
Aos planos sinceros que tracei com meu suor, sangue e espírito
Ao vinho que virou vinagre
Ao charuto que acabou
À todas as vezes que em hipótese alguma menti
À todas as vezes que deveria ter mentido
Às noites em claro que cultuei a musa grega da poesia, essa doce meretriz
Que aceita o que digo e penso, e sorri, perfumando minhas palavras e loucuras
À todas às mulheres que fiz sorrir
Ao coração que eu tinha
Ao amor, cujo templo em mim destrocei e
Por sobre suas ruínas fiz meu soberano trono de escombros
Às vezes em que sorri quando deveria ter chorado
E por agora sequer conseguir chorar.

E a ti, infeliz que me lê e ainda ama,
Não desejo que chores:
Desejo que chores pouco.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Sublime amor

Dor
Dor quando vomitei sangue hoje
Saiu sangue dos meus olhos,
Minha alma da minha boca saiu
Deixou meu corpo vazio,
Frio
Em coma emocional
Letargia macabra que me fez caminhar
Rosto fixo, um autômato vazio.
Maldito seja, amor,
por dar e depois tirar
por me fazer acreditar
fazer amar
fazer sangrar
vomitar e desmaiar.
Acordar sem acordar, andar,
Um marionete vazio
E quem puxa as cordas?
Você, filho da puta Amor?
Maldito.
Maldito, mas não como eu.
Maldito como o cheiro do meu vômito,
As perturbações e memórias doces que não me deixam dormir
Maldito como o ódio que sinto.
Tirou quase tudo de mim:
Meu sorriso, minha alegria, meu sangue,
Minhas tripas e minha fome
Meu coração e alma....
Esqueceu minha raiva, Maldito Amor
E nela vou espetar sua cabeça.
Juro pelo negrume do meu ódio
Que cada broto seu que nascer em mim vou arrancar da raiz,
Ver secar aos poucos, para só então queimar no fogo
e urinar sobre as cinzas.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

All ye who have laughter
And life and dreams
Watch his silent despair
Thee, miserable poet
Cursed by thy poetry
Open thine eyes to wonder
As thy falling descent to darkness
Madness welcomes you back
And in the chaos, go!
Fare thee well, oh pilgrim!
Leave behind all ye earthly possessions
All ye sadness and bitter tears
For in the darkness in thine heart lies
The pure white pearl of sanity.
Now go! Godspeed!
Let the wind in thy face dry your tears
Let the storm cleanse your body with thunder
Embrace thy descent,
Drop thy sadness and pains and wraiths
- life leechers of thine heart
And come back radiant, shrouded in glory,
Wielding sanity and life and hope!
Godspeed!

sábado, 15 de novembro de 2014

Noites de frio e vazio

Essas noites de frio
Dias de muito vazio

Prato cheio, barriga vazia
Caixa d'água cheia, chuveiro seco
Cama pronta, olhos abertos
Mundo em carnaval natalino, ermitão

Onde deixei meus pedaços
Por onde risquei meus traços
E por que não tenho abraços?

Essa sombra, esse corvo de Poe

Você aqui era o que eu queria
E não noite fria e vazia
Como sua pasta de dentes (quase) vazia
Que você esqueceu sobre a minha pia.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Atire a primeira pedra

Tenho nojo ao amor.
Nojo.
Desprezo e refuto essa idéia
De que o amor, tal qual é vendido,
Seja a solução de nossos problemas.

Como seria? Se essa droga nefasta
Já fez mais gente sofrer e chorar
Que todas as guerras da história?
O amor é como a morte,
(Isso se não for a face irônica da morte)
Ele surge sem aviso
Toma a pessoa sem chance de defesa
Contamina a pessoa por dentro e
Pasme! Fatalmente um dia morre lá dentro,
Como um parasita que te devora aos poucos
E depois morre, apodrecendo dentro de você.

Quem nunca carregou (ou carrega)
Um cadáver podre e infecto
Que atire a primeira pedra!
Prometi que não escreveria mais.
Tolo.
Me pego pensando onde vou publicar,
Quem vai ler,
Quantos vão aplaudir,
Quem vai invejar,
Quantas apaixonar...

Bobagem. Usar palavras para...
Para sombrear verdades e então:
Dizê-las da forma mais crua
Mais fria (sem uma gota de anestesia)
E com as unhas longas e imundas
Raspar as feridas de todos
Com um floreio de voz
Flores e perfumes
Infectar e re-infectar memórias
Desenterrar assombrações
SIM!!
Poesia é quase magia negra
Engana-se quem pensa que é boa.
Não é.
Da minha voz saem os ecos
Dos gritos dos seus fantasmas
E euu ESPERO que te atormente,
Maldito que admira minha maldição.
Espero que minha poesia te infecte
Te atormente e te contamine
Para que este PUS
Que todos chamam 'lirismo'
Possa sair da minha alma
E me traga algum alívio.

Então não sorria esse sorriso bovino
E feche esses seus olhos brilhantes,
Para que - por Deus -
Eu não veja neles minha dor,
Desespero e agonia
Convertidas em tamanha beleza.

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Lua Cigana

Lua cigana que me inspira
Que no céu bailando gira
Que me faz - teimosa - ter fé

Me aquece com raios frios
E me traz pensamentos tardios,
Lembrança e sorrisos até

Tudo que a alma aspira
Tu, Cigana, com frios raios retira
Ó Lua d'um poeta qualquer

Acalma minha ira,
Converte em verdade a mentira
Orvalhe o amor que a alma requer

Venha, Lua Cigana que inspira
Se tua, ainda assim seja minha,
Que eu seja água nas tuas marés!

domingo, 30 de junho de 2013

Perdido na cidade

As manhãs de inverno
são profundas
nas ruas curvas
conduzindo almas
para lugar algum.

E no fundo da alma
os viajantes perdidos
não possuem bússolas
num mar sem vento.

Numa procura em vão
até o esquecimento
os amigos se foram.
Vieram outros
conversaram asneiras
carregadas pelo vento.
Também estes
se foram.


Os pastos azuis

Carneirinhos que
pastam
num pasto infinitamente
azul
não se cansam
jamais
em viver

em nossos olhos.

Lavadores de calçada

Até quando dormem
enquanto outros trabalham
a lavar calçadas.
Mendigos sem
pressa alguma
continuam a sonhar.


O músico

A esquina da manhã
toca saxofone.
Uma balada qualquer
que todos ouvem

onde ninguém para.

Sem se importar

Quem cuida
da velha sinagoga
descascada
maltratada
senão o vento
o vento a acariciar
o rosto cheio
de rugas
da senhora
esquecida

numa esquina.

Os abandonados

O que esconde a
névoa fria
sobre a couraça escura
dos carros?

Será a poeira
instalada.
Será a ferrugem
a corroer.
Será a maquilagem
a esconder
as rugas formadas

após os cinquenta?

Os corvos de Zuioji

Aqueles corvos
grasnando
ao entardecer.

As tardes escurecendo
no Mosteiro Zuioji
apenas o tempo passava
sem nunca ter
passado realmente.

Dos imensos pinheiros
espetando espinhos
no céu
eram os corvos
que anunciavam.
Corvos que nunca vi
que grasnavam
no fundo do bosque
em alguma parte

de mim.

Repetida batida

Que maravilha
este som.

São facas nas mãos
das mulheres
despedaçando frangos.


A vida vivida

Alguém disse um
dia
“viver para quê
se vida é diversão
sofrer para quê”.

Se temos uma única
vida
a vida vivida agora
se pensarmos
deixamos de viver
se pensarmos
estaremos no passado
estaremos no futuro
estaremos em qualquer
lugar

fora de lugar.

Navegantes do tempo

Estas lembranças
surgem da fumaça
das manhãs de inverno.

Chegam navegando
em barcos fantasmas
na correnteza ao contrário.

Chegam por instantes
sem nada trazer de novo
sem utilidade alguma
além de um canto
fora de moda
uma bebedeira do passado
que deixou de ter
sentido.
Como que a vida
tivesse um sentido?


A poeira cósmica

Para quê limpar
a mesa
se a poeira assentada
parece ter achado
longa morada.

Restos de cinzas
do incensário
que limpei.

Poeira cósmica
que sempre existiu
no mesmo lugar
sem se incomodar
com o canto do sabiá
com a voz das mulheres
do andar de baixo
jogando conversa fora.
Poucos são os autos
cujos motores ligados
avançam para qualquer lugar.

Se penetram em meus ouvidos
deixo entrar
e sair por outro lado.
Que me importa se são
vermelhos
se são de lata
matéria plástica.

O mundo acontece

neste instante.

O cão de lado

Ladeira abaixo descia
um homem conduzindo
um cão
um cão de lado
ladeando o homem
de chapéu
o homem trazia
a manhã em seus olhos
num choro contido
o cão trazia
o mundo inteiro
em patas pesadas enormes
em silêncio
desciam
sem saber direito

quem conduzia quem?

Era inverno

Por dentro das alamedas
um silêncio verde
pelas paredes
de galhos a contorcer
enroscando pescoços
num abraço gelado.


De passagem

Quando o outono passa
pelos vidros embaçados
passa
solitário caminhante.

Passa ligeiro
o vento cortante
nas folhas duras
da palmeira.

Perdido entre palavras
perdeu tempo suficiente
de viver.
Foi-se a vida
em instantes.
Passou a juventude
os sonhos passaram
a uva passa passou

e foi-se o tempo.

Lamentos da terra

Em vozes desencontradas
a noite se faz
numa mesa de bar
todas as nuances
que vem do norte
que vem do sul
em frases anunciadas
alteradas
soando como sussurro
algumas de lamento
de saudade até
até mesmo de desespero
em terras estrangeiras
baixando a cada instante
a poeira daqueles sonhos
antes sonhados.

A alegria somente

a de antes.

Repentina quietude

As janelas mais
altas falam
quebrando a monotonia.

Imenso o céu
por entre os vitrais
recortando vidas
em tiras finas
como serpentinas.

Imenso a alma
pequena
que voa nas asas

rasantes de um corvo.

O instante vivido

Estas mesas da calçada
tomam sopa caldaloza
pelos vãos dos dentes falhos
soprando os vapores
que chegam
esquentando a alma.

Sem nenhum aconchego
perdidos na cidade
o mar é companhia
minha companhia também.

O outono é ligeiro
traz um vento sorrateiro
varrendo de vez
todas as lembranças
desnecessárias para se viver.

Momento sublime
tem todos os momentos
presentes neste instante.

Adiante saboreia
comendo com mãos
batatinhas fritas
um velho de bermuda
camisa listada
batatinhas ruins
para colesterol ruim
mas que me importa
senão momento do agora!


terça-feira, 14 de maio de 2013

A moça do lado


Ainda vazios
os bancos vazios
esperam passageiros
espera a partida.

Ônibus da periferia.

A claridade do outono
logo se nota
na cara da moça ao lado.

Seus óculos escuros
receando a luz
preferindo o escuro
ao fundo das bolas dos olhos.

O dia esconde
enquanto a noite revela
mas a luz do agora
respiro sem pensar
vivo milhões de anos
em cada pulsar.

Esqueço por momentos
a moça se foi
nunca mais a encontrarei
que ônibus ela tomará
nunca saberei.

A vida é acidente
os encontros pedras atiradas
ao vento
se voltam não sei.
A vida é lamento
num fado português.

Pelas trilhas erradas


Por onde se
dirigem
estes pés sujos
além de dar voltas
nas ruas de sempre
sempre e incessante
caminhar?

Pés vagabundos
que caminham
pelas ruas perdidas
do centro da cidade.
Cidade perdida
no desencontro dos
caminhos.

A fonte


Uma fonte
continua a jorrar
um constante  murmúrio
num bairro da cidade.

Uma fonte jorrava
por toda cidade
toda água do Eufrates
saciando a sede
dos que não tinham água.

O instante de outono


Pelas manhãs de outono
os braços do sol
se estendem em direção
às pernas peludas
enfiadas nas bermudas
enquanto a vida passageira
passa devagar
esquentando a alma
incendiando a pele.

Sem passado
passageiro se foi.
Sem futuro
que não chegou.
O que se tem
apenas esta morada
a ser inventada
em cada esquina
da existência.

Inventada
destruída em seguida.

O vento arrasta as folhas
secas
sem utilidades
arrasta também
os corpos secos
dos homens vividos
muitos iludidos
que brincam de guerra.

Perdemos a inocência


Quando passamos
a dizer
“com certeza sabemos”
as incertezas se tornam
sabedorias de ontem
em cujos sonhos
deixaram de ter importância.

A vida se endurece
bem como os rostos
emoldurados numa cera
cada vez mais dura.
Passamos a ser o outro
por capricho talvez
por perder o gosto
deste sonho vivido
todos os dias.

Viagem ao torrão natal


Ao retornar
ao ponto de origem
um encontro desajeitado
em nota de jornal.
Fulano de tal
que me lembra
outros dias
foram anos
mais de uma década
duas
três
nem sei mais.

Convite para a missa
de sétimo dia.

Reflexo nos olhos


Vista da janela
estendem-se pelas bordas
um morro lotado
de favelas
telhados de zinco
telhados sem telha
cinza e azuis
cor de rosa e cimento.

Vista da janela
a vida se reproduz
imenso formigueiro.

Vista da janela
a vida emoldurada
numa pintura surreal.
Janela dos olhos
que vê adiante
a beleza de ver
o céu azul acima
abaixo a favela
salpicada de cores.

Caminhar preciso


 Por onde quer que
se vá
não saímos do lugar
os caminhos conduzem
numa única direção.

Ninguém deixa
ninguém sai do caminho.
O cafezinho deste instante
saboreado incessantemente
é amargo e doce
como nunca foi antes.

As palavras ditas


Não tenho que agradar
nem escrevo para desagradar.
Não sei se realmente escrevo
pois as minhas mãos escrevem
uma escritura de sensações.

Não sei quem sente
sei que não sou eu.

Não sei quem sou eu
a navegar nas ondas
de uma ventania
de palavras ao relento.

Sou a folha seca
neste momento em que
vivo o outono.
É o outono que vive em mim
tornando os dias
mais claros
os dias mais curtos.
Pudesse ser também
a palavra não dita
bendita sejam as mulheres
de fé
que creem na Virgem Maria.

terça-feira, 30 de abril de 2013

Pobre demônio

Um demônio esmolava
Na porta da igreja
Ninguém percebia
Ou fingia não ver
O demônio que havia
Em seus corações.

Quem entrava
Não via
Quem saia
Não sabia.

Ao entardecer


Mais escuro fica
o vão dos viadutos
num lento fim do dia.

Outono vai-se tornando
quando as sombras
se debruçam
nos rostos iguais.

Rostos de mendigos
sujos de graxa
fuligem que exalam
os escapamentos dos carros
deste pulmão de aço
em constante pulsar.

As paredes silenciam


O que nos revelam
estas paredes
sujas pelo tempo?

Serão as vaidades
ocultas
nos olhos que não querem
ver.
Pode ser a vergonha
de ser o outro
que mente para si
mesmo.

As paredes
silenciam...

No exato momento


Num só balanço
o braço direito
brande
um sino pequeno.

Alguém nasce
neste momento.
alguém morre.

Alguém vê
a rede de maya
sendo tecido.

Pelo regato correndo
as águas murmuram
a ladainha de sempre
ao bater nas pedras
nas paredes de terra
nos montes de piçarra.

A palavra que falta


Nenhuma palavra
incerta esta
acerta
naquilo que queria dizer
senão dizer
o que não pode ser dito
maldito seja
os santos benditos
tão distantes
dos homens
que silenciosamente
encantam
em caras de abnegação.

Sem velas
sem incenso
continuam sorrindo
infinitamente
dormindo.

Caminhos fora de rumo


Por onde nos levam
estes ônibus da periferia
avançando quebradas
subindo e descendo
sem destino certo?

Até as juntas
desjuntadas ficam
enquanto a alma
vaga
perdida pelas ruas.

Artérias que se expandem
para outros domínios
criados  por consciências
sem ciência alguma
de existências
abaixo dos trópicos.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Anoitecer em outono


este constante
anoitecer
alongam as ruas
centrais da cidade

outono nos olhos
imensos na agitação
que deixaram-se de incomodar

lentamente
as sombras surgem
marcando outros domínios
cobrindo a impureza das
paredes

qualquer ruído
como o sussurro das asas
de um anjo torto
anuncia a calmaria
de uma eternidade
além de toda ilusão















As vias férreas


cada vez mais calosos
estes pés
costumaram-se ao concreto
que tanto pisado
deixaram marcas
que outros pés também
por aqui pisaram

ao caminhar
pelas trilhas marcadas
não sei se os pés caminham
não sei se os caminhos
por si só
são os que caminham
indeterminadamente

se pararmos
continuamos caminhando
sem que realmente
alguém pare de
caminhar

como fosse
possível

Excesso de realismo


mil são os rostos
mil são as bocas
que na multidão confundem-se
num ruído de abelhas
ao repetir gestos
que poucos dizem
senão um  lamento conformado
por falta
de companhia

anônimos somos
mergulhados mais fundo
nas telas de plasmas
fantasmas alimentando-se
dessa apatia transparente
das relações virtuais
sem qualquer envolvimento
orgânico
sentimental
carnal
visceral
cujos instintos de sobrevivência
perderam importância

Balada ao cair da noite


Após tempos passados
novamente o encontro passado
saboreando será
a bebida destilada
num copo de bar.

Aproximo apressado
escolhendo palavras
nem mais belas
nem menos feias
será desespero
penso e calo.

Bebe sozinho
em seu recolhimento
filosófico demais
que me incomoda
por dentro.

Perdido na noite
que avança
que continua a beber
o gosto insosso
da boca amarga.


terça-feira, 9 de abril de 2013

Os passos arrastam


Para onde arrasta
a sola dos sapatos
nesta calçada imensa
esparramada pela cidade.

Estes passos apressados
que vão em direção
incerta
que nunca chegarão
calcando na argila
as marcas de uma vida
pisada firmemente.

Num soprar do vento


As sensações alegres
se foram num soprar
as sensações tristes também
nada mais restando
do que os olhos vivos
e um sorriso nos lábios
de um dia ter vivido.

Os rastros
o vento desmanchou
enquanto a lembrança
restou num monte de fotos
que ninguém quer mais ver.

Numa praça


Vendedor de miudezas
nos pontos de confluência
nada vende de útil
senão o pó-de-arroz
que serve para esconder
os sulcos no rosto
marcados pelo tempo
tempo bom de chuva
tempo bom de seca.

Zona norte


Estas casas de paredes
nuas
sem pintura
sem acabamento
aumentam na periferia.

Aumenta a população
de migrantes vindos de outros
pontos
bolivianos
nordestinos
cujos destinos
vão criando
nos porões secretos
da batida contínua
das máquinas de costura.

A vida numa esquina


Um pé de mamão
havia
numa esquina
sem que ninguém notasse
sem importância alguma
como pudesse alegrar
alguma alma boa
desses olhos sensíveis
ao ver numa esquina
um pé de mamão.

Há de dar um dia
frutos maduros
e alguém virá recolher.

Só resta a esperança
sem nenhuma certeza.

Ônibus da vida


 Estes caminhos longos
são artérias conduzindo
passageiros
moradores das zonas
periféricas da cidade.

São horas vivendo
em conduções
que demoram para chegar
alongando a vida
nos pontos de espera
alongando a vida
nos pontos de chegada.

Os rostos não se cruzam


O homem do boné preto
mantém-se anônimo
entre outras caras
também anônimas.

Cidade de inúmeras caras
que não se olham
não sorriem mais
não vivem mais
qualquer alegria.

O cimento das caras
acabou secando.
As caras endurecidas.

Sem adiantar


Espera na fila
dos ônibus
é longa.
Mas por quê apressar
o dia de nossa
morte?

Deixe a vida passar
deixe a vida ficar
deixe o ônibus chegar.

A vida de alguns


Aqueles que vivem à margem
nas margens dos viadutos
padecem do esquecimento.

Seus chinelos gastos
gastos também suas vidas
perdidas pelos cantos
da cidade que maltrata
os derrotados
lunáticos que sonham
com a vida sem razão.

Se a vida com razão
fosse realmente importante.

sábado, 9 de março de 2013

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Uma canção que vem fundo


“Em tempos de chuva
pare de chover
chuva agora
cesse de uma vez”
cantava assim o menino.

“Boneco de pano
Teru Teru Bozu
peço a você
que pare de chover”
cantava assim o menino.

Ainda ouço esta canção
que vem de algum lugar
nem sei se vem de mim
se vem de outro lugar
sei que vem bem baixinho
bem devagarinho
sonolento
até que o menino
de olhos pesados
cai num sono profundo
e lá no fundo de sua alma
alguém continua a cantar

“Boneco de pano
Teru Teru Bozu...”


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Nas ruas que jamais andei


Nunca andei naquelas ruas
da cidade em que percorri
de calças curtas.
Nem as calçadas
me reconhecem mais
as pedras em que marquei
um dia
cuja pisada penetrou fundo
mas outras pisadas do tempo
acabaram por apagar
os rastros que desapareceram.

As casas desapareceram
em que bebi em cada cortina
o cheiro de café quentinho
coado em coador de pano.
Não ficou a saudade
de uma cidade desconhecida
e das caras que vejo agora
quem serão realmente?

Gerações passadas
quando as caras também
foram mudando
e desconhecendo as caras
do passado.
Quando passeio
pela sacada nada mais tenho
nem amigos do passado
nem o passado existe mais.

Meus pais velhinhos
me convidam a retornar
sem que nada mais me
leve a voltar para lá.
Senão por eles
único sinal que um dia
vivi naquele lugar.

Assim posso andar
sem reconhecimento algum
sem ser reconhecido
transparente aos olhos alheios
como fantasma.
Talvez seja eu o único fantasma
que do passado saltou
e se assusta por não conhecer
ninguém.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Avenida Paulista

Caminha a Avenida Paulista
Num derradeiro caminho da multidão
Que se confunde e se funde
Nas múltiplas caras desta cidade.

Vieram de outro país
Mas aqui
Ninguém se importa com os sons
De suas palavras
Imigrantes do outro lado do oceano
Da Muralha da China
Dos confins da Conchinchina.

Sobremaneira as emoções
Explodem além das janelas
Em que se ouve tocado nas ruas
Uma melodia das grandes cidades:
Blues.
Enquanto na banca de jornal
A notícia marcada de sangue
Acaba em instantes.

Se as mágoas existirem
São esquecidas
Entre os ruídos de carros
Freando inesperadamente
Numa curva da esquina.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Rede que balança


Escurece em instantes
dias de tempo instável
em que da parede
da vizinha de cima
uma rede é balançada
produzindo ruídos
do ferro esfregado.

Neste momento
nada mais existe
do que o som
monótono como chuva
penetrando na pele
e a esfregar junto.

Sou a rede que
balança.

Vizinhos da frente


Entre sussurros
os espelhos do elevador
não escondem os rostos
e a voz que ouço
infantil
diz
quem é este japonês?

Incômodo do outro


Ninguém se importa
com a presença
do mendigo
nem se trata
de um problema.

O problema
se trata
do mendigo que se
importa
com a indiferença
de todos.

O problema
é sempre do mendigo.

Os falsos pudores


Não são loiros
a loira tingida
mas que importa
se a vida não passa
de dissimulação.

Sem apegos


Livre para caminhar
onde as calçadas conduzem
seja nos becos
desses becos imundos
em que cães vadios
fizeram morada
seja nas avenidas
amplas de asfalto rosa
não importa onde seja.

Livre para sentir o
aroma dessas árvores
sem nome
as axilas das morenas
banhadas com água
de cheiro.

Livre para morrer
quando a morte chegar
num beijo frio
de despedida.

As paredes falam


Que procuro afinal
pelas paredes da zona norte
pudera fosse encontrar
um registro perdido
mas
sem nenhuma importância.

Se importante fosse
importante seria esta vida
vivida intensamente
em cada esquina.

Se (des)importante fosse
saborear então a brisa
que ligeira passa
entre os fios de barba
em semiconsciência.

À frente perdedores


Alguns são perdedores
por perderem
nada mais tem por
perder.

Nem perdem a vida
nem a morte
nem a noite
nem o dia.




Os passageiros de taxi


As quaresmeiras tingem
por instantes
os olhos no fundo
em que a cidade
inteira inicia janeiro.

A brancura dos carros
são taxis
conduzindo passageiros
que conduzem desejos
alguns esquecidos
outros nem tanto.

Os loucos perambulam
com suas mortalhas
a cobrir corpos chicoteados
pelo vento
ventania de paus
da segurança que guarda
segredos da casa em que vende
vinhos raros.

Pela contramão
uma ambulância avança.

Pela contramão
a vida passa ligeira
até que chega
passamento
passageiro do tempo
cansado de caminhar
seus pés machucados.

Pela contramão!

Sem muito mais


Um homem passou
levando uma marmitinha
tudo que tinha
cabia no fundo
no fundo da marmitinha.

Nada mais tinha
tinha o mundo inteiro
o céu e os mares
a amor das mulheres
das feias e  lindas
solteiras e casadas.


-         Que mais queria ter
se tinha
tudo
numa marmitinha.

Os descaminhos da cidade


Naquela praça em que multidões
se formam
não se formou hoje.

Os uniformes cinzas da
polícia reúnem-se
no silêncio do dia
enquanto a cidade rumina
o gosto amargo do fumo.

Enquanto um sorriso
de pedra
da estátua do lado
traz encantamento
nos olhos de peixe
que se esparramam
pelas correntezas dessas
ruas que levam
a lugar algum.

Cidade que me consome
que mata a fome
no êxtase da cafeina
ainda borbulhante.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Levando a tiracolo

Por onde andará
A dona desse silêncio
Como que isso importasse
Que pudesse incomodar
Ou mudar alguma coisa.

Sem importância alguma
Ainda resta alguma lembrança
Que haverá de desaparecer
Um dia?

Mas o que poderá ser de mim
Se não tiver lembrança alguma?
Uma única lembrança
Carregada numa vareta
Levada aos ombros
Em derradeira viagem.

Ainda que esta lembrança
Seja um imenso vazio
Que fala todas as vozes.

Salve São Paulo

Pelas ruas sujas do centro
Ainda uma nostálgica visão
Toca incessante
Os olhos acostumados
Ao cimento armado
Dos edifícios que desmaiam
Sobre os viadutos serpenteando
Os sentimentos dos usuários
De ônibus que atrasam
Em tempos de chuva.

Maldita cidade
Que vai minando os poros
De um suor infestado
De gases carbônicos
De ácidos exalados
Dos canos desses motores
Que levam e trazem
Diariamente.

Bendita cidade
Que transforma o sofrimento
Em combustível
Que queima nos corações
Carburadores
Que criam energia
Elétrica
Atômica
Numa luta apaixonada
Em realizar a vida
Conquistada a duras penas.

Amada sobretudo
Pois odiada seria
Destruída por ela.
Amada simplesmente
Pois viver é necessário
Amada para ser amada
Também por ela.
Cidade madrasta
Cidade da mulher do lado
Em que os santos dormem
Ao lado das libertinas.
Benditas sejam
As pecadoras
De almas puras
Que nunca pensaram
Em ir para o céu.



domingo, 13 de janeiro de 2013

Ruas de minha vida

Nestas ruas em que andava
Nem restaram as paredes
Em que rabisquei poemas
Num momento de tristeza.
Foi-se a tinta impregnada
De uma nata
Transbordante de emoções
De um passado
Destruído em instantes.
Ruas que deixaram de existir
Ruas que fizeram parte de
Minha vida
Enterrado nos escombros
Numa explosão de dinamite.

domingo, 23 de dezembro de 2012

Final dos tempos

Que verdade há
Afinal
Na linha final
Do final do ano?
Se em janeiro continua
O verão
Derramando águas
Lavando as almas
Da fuligem do tempo!
Se começo
Nada mais acontece
Do que outros começos
Que acontece
A qualquer tempo!


As luzes desencantadas

Um faiscar desdenhoso
lâmpadas natalinas
derramando um leite
caudaloso
que sem gosto
deixou de agradar.

Ano Novo bom


Ao passar este ano
Ano Novo é desejável
como que o novo fosse acontecer
pudera que fosse verdade.

Esta febre que me acomete
que a minha pele não revela
mas presente nas entranhas
desconhece
que o Ano Novo acontece.

Que sinal revela
esta água que baixa
pelos canos do nariz?

Esta água que lá fora
inundou o jardim
prenuncia janeiro
transbordando pelas ruas
a invadir bueiros
e a desalojar os ratos.

O que parece novo
não se trata de uma esperança
uma esperança envelhecida
mas uma  ilusão
que se renova.

Os poetas mortos

Estes amigos poetas
morreram todos
sem companhia para
poetar
minha companhia
com quem não converso
espera alguém
que pare de vez
de poetar.

Enquanto alguns esperam

As noites alongadas
pelas mesas dos bares
ficam cheias às sextas-feiras
ficam de bebedeira
os desiludidos
enquanto os iludidos
esperam o amanhã chegar.

Como que amanhã pudesse existir!

Queima a mata

Os bicos de fogo
continuamente acesos
em toda Mata Atlântica
queima metais pesados.

E a fumaça branca
num rastro ascendente
confunde-se com as nuvens
que começa a arder numa
chama sulfúrica
a queimar a ponta das folhas.

E a fumaça negra
num tropel de cavalos selvagens
 a pisotear corpos
que perderam a natureza humana.

O túnel

Estes túneis que cortam
a serra
é uma viagem
nas próprias entranhas
silencioso e mudo.

O mar

Quero ver o mar
e desesperadamente mergulhar
meu corpo insalubre
e lavar a alma.
Pudesse lavar
por um instante que fosse
meus karmas
de um passado inglório
em que bebi de licores
coloridos da ilusão!

Tempestade

Em cavalos negros
as nuvens de dezembro
cavalgam tempestades.

O que cavalgo neste momento
senão o dorso em febre
de meu próprio pensamento
que divagante conhece
o vento cortante
e a dureza das pedras.

Assim caminhava

Um andor do Senhor
dos Milagres caminhava
nos ombros de homens
que carregavam pesado
num andor carregado
de fé
de calor.

Homens que carregavam
o andor do Senhor
enquanto mulheres lamentavam
deixando um rastro de incenso
no ar carregado de sofrimento.

Homens que carregavam
todos os pecados do mundo.
Homens que pediam
um milagre
um andor do Senhor
dos Milagres caminhava.

De um bar do Peru

Este vozerio que espalha
pelas mesas do bar
tem o cheiro das sardinhas
que senti pela primeira vez
dos barcos a descarregar
suas redes carregadas
que vinham do mar.

Estas vozes que ouço
vem de um bar
vem de um cargueiro
dos pescadores solitários
que deixaram mulheres em terra
amores nas montanhas
nas planícies imensas
de areia e sal
que salgou todo o Peru.

Este sal que sopra
vem do mar.
Este vozerio vem
das mesas de um bar.

Os cristais partindo

Estes copos de champagne
transparentes
enfileirados
brilham uma brancura
de cal.

São tão irreais
derretendo ao calor da noite
em movimentos glaciais
corpos de uma mulher
prestes a partir um trincado
que se foi alongando.

Quando o tempo passa

Esta sensação de acabamento
do ano passado que passou
deixou pelos cantos
um rastro de poeira
que não se levanta
nem por encantamento.

Sem tempo para tristeza
que tomou rumo inesperado
foi-se de vez
para as águas profundas
lá no fundo do esquecimento.

Pudera em silêncio
descansar a cabeça aflita
docemente pairar nas velas
perdidas em alto mar.

Pode-se no mar
e embarcar nos redemoinhos
e girar a terra
e girar o sal
e tornar-se lama a ser moldada
de novo!