quinta-feira, 17 de junho de 2010

Nada me tem, nem sou

Sou negro, sou pastor, nasci por aí
não tenho documento nem raça
nem casta, sou um cachorro preto
uma orelha cortada sem ponta
por baixo uma ferida aberta - sou pirata

a ponta branca de uma pata
a peste me ataca
deixando o pelo ralo
(o que me cura?)
moro num buraco de terra - sou vira-lata

estou vivo
e na trilha da montanha eu te acompanho
sou forte
sou pastor
sou um cão negro
sou sua sombra neste caminho sob o sol
nada mais me interessa
te acompanho
no caminho estreito
curvo e íngreme

me distancio e lá na frente
perto daquela nuvem
faço um cocô amarelo
sou cão
abano o rabo
deixo pendurada a língua no canto da boca

--

um espinho penetrando lento a carne
- uma dor me ataca no mais fundo do ouvido
balanço a cabeça violento
as orelhas batem - slept-slept
(só assim penso na cura)

me jogo no chão
solto ganidos
me arrasto com a cabeça
a se esconder no capim
até passar
até me deixar
até voltar

e então outra vez sou
- o cão negro
estou pronto
estou alerta

- sou todo atenção neste caminho -

e não precisa passar a mão na minha cabeça
afeto para mim é apenas a nossa presença - móvel
neste fim de terra e pedras

sou sombra e assim não vejo diferença
entre eu e você
quando você pensar em me acariciar
já sumi no caminho à sua volta
sou sombra de um ou de muitos
não importa, sou pastor, reuno
reuno a matilha nessa trilha de montanhas

assim sou feliz
sou cão
cão sem dono

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