não tenho documento nem raça
nem casta, sou um cachorro preto
uma orelha cortada sem ponta
por baixo uma ferida aberta - sou pirata
a ponta branca de uma pata
a peste me ataca
deixando o pelo ralo
(o que me cura?)
moro num buraco de terra - sou vira-lata
estou vivo
e na trilha da montanha eu te acompanho
sou forte
sou pastor
sou um cão negro
sou sua sombra neste caminho sob o sol
nada mais me interessa
te acompanho
no caminho estreito
curvo e íngreme
me distancio e lá na frente
perto daquela nuvem
faço um cocô amarelo
sou cão
abano o rabo
deixo pendurada a língua no canto da boca
--
um espinho penetrando lento a carne
- uma dor me ataca no mais fundo do ouvido
balanço a cabeça violento
as orelhas batem - slept-slept
(só assim penso na cura)
me jogo no chão
solto ganidos
me arrasto com a cabeça
a se esconder no capim
até passar
até me deixar
até voltar
e então outra vez sou
- o cão negro
estou pronto
estou alerta
- sou todo atenção neste caminho -
e não precisa passar a mão na minha cabeça
afeto para mim é apenas a nossa presença - móvel
neste fim de terra e pedras
sou sombra e assim não vejo diferença
entre eu e você
quando você pensar em me acariciar
já sumi no caminho à sua volta
sou sombra de um ou de muitos
não importa, sou pastor, reuno
reuno a matilha nessa trilha de montanhas
assim sou feliz
sou cão
cão sem dono

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