terça-feira, 27 de setembro de 2011

A vida engraxando

Os meninos engraxates
Disputam sapatos
Para polir
Os meninos engraxates
Havia aos montes
Naquela praça
Brincavam de polir
Repicando na caixa
Na lata de graxa.

Quando cresceram
Os sapatos desapareceram
E os meninos engraxates
Tornaram-se parte apenas
De minha memória.

Praça da Liberdade

Numa mesa de bar
Havia
Na Praça da Liberdade
Havia
Mulheres sexagenárias
Usando chapéu
Luvas longas nos braços pálidos
Misturando suas tristezas
Nos goles fartos
De uma cerveja doce.

Quem eram aquelas mulheres
Livres
Livres demais
Com semblantes orientais
Saídos de um filme
Surrealista
Demais.

Quando todos trabalhavam
Elas viviam intensamente
Numa mesa de bar.

A folha cai

Sem nada esconder
A folha que despenca
Ao final do inverno
Revela
A frente e o verso
O verso e a frente.

Que lado realmente
Revelamos?
Se fingimento fosse solução
Toda mentira seria sustentável
Suave é a mentira que agrada
Os bem educados!

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Amigo de verdade

Era na praça da matriz
em que descobri meu primeiro
animal.
Era de estimação.
Era um sapo de cimento que
esguichava água pela boca.
Nunca me esqueci dele
meu primeiro amigo
que jamais me abandonou.

Que se deu com Graziela

Havia na terra em que nasci
Graziela
nem bonita era ela
nada tinha de interessante
senão o nome
Graziela.
O que teria acontecido com ela
nem sei por quê falar dela
mas ficou apenas a lembrança
de seu nome
Graziela.
Mas quando penso em
Graziela
retorna-me em instantes
um rosto comum
sem importância alguma
em sua vida sem importância
mas agrada-me simplesmente
dizer
Graziela.
Se Graziela não existisse
pelo menos ficaria o nome
que poderia ser de qualquer uma.
Prefiro que não seja de nenhuma
pois nenhuma pode se chamar
Graziela.

Último clarão na Paulicéia

Quando a tarde chega devagar
por entre as alamedas
uma sombra do passado
também descansa por entre
bancos de metal que o tempo
deixou de devorar.

Mesmo que nenhuma presença
seja sentida
toda presença se faz necessária
para que a vida continue a vicejar
e nunca a alegria desapareça
daquele rosto comum
perdido na multidão.

Por onde quer que se vá
errando pelos meandros
das esquinas sujas
disputadas pelas prostitutas
e bêbados vagabundos
uma solidão estampada
nos gestos lânguidos
pelos desiludidos da vida.

Nenhuma esperança existe
suave esperança
dos que esperam
ajuda divina.
Se divino fosse seria
humanamente imperfeito
e São Paulo seria
a terra em que sempre vivi.

Ainda que desconheça as faces
que encontro pelas ruas
sempre as conheci
cumprimentei às vezes
não reconheci às vezes
em insípido desprezo.

Antes que a noite venha de vez
e a lua venha dançar uma valsa
que as casas de baile deixaram de ter
o que restou do amor
senão o testemunho dos muros
que se calaram para sempre.
Em nenhum outro lugar
sinto-me como aqui
Nunca saí daqui
em que plantei sonhos
que pensei serem realidades
foram com o vento passageiro
e também o tempo se foi
passageiro também
foram-se alguns amigos
que juntos sonhamos.
Desistiram da vida
e pararam de sonhar.
Por teimosia insana continuo
a sonhar com os amigos
que restaram
outros amigos que somaram
aos mesmos sonhos
sonhados por mim.
Esta cidade cabe dentro
de um mesmo sonho
que outros também sonham.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A falta de importância

Quando nada mais há
para se fazer
nada se faz senão
contemplar a vida continuar
sem se deter
um instante sequer
indiferente a tudo
que possa acontecer.

Eu posso gritar
posso também criticar
inclusive deixar de respirar
mesmo assim
indiferente a mim
aquilo que penso
nada disso parece
importar.

Mas o que importa?
se algo realmente importa
que de importante se faz
a custa do vento que traz
uma força que roda
com força
o roda-moinho
de uma página virada
do Don Quixote.

Quando nada mais há
para se fazer
pelo menos continuamos
a viver.
Viver apenas num sonho
sem se importar se existe
algo que seja importante.
Importante é deixar de lado
toda a importância
e com toda a falta de importância
possamos caminhar pelas trilhas
inventadas pelas nossas pernas.

Se foi com a florada do ipê

Era primavera quando ela se foi
foi junto com a florada do ipê
imenso ipê amarelo.

Depois o ipê emudeceu
perdeu todas as folhas
ficou sem as flores
sem nada ficou.
Assim se foi...

Mas toda vez que chega
a primavera
de novo o ipê amarelo
amarela de novo
e amarelo fica
toda a rua amarelada
imenso tapete amarelo.
E aquela que se foi
não volta mais...
(amarelou)
Que me importa isso
se o importante é o ipê florescer.

Se ela não aparecer
fica a esperança
suave e ingênua esperança
que retorna toda vez
que o ipê florescer.

A lembrança que fica

Nas águas correntes banhei-me um dia
nas mesmas águas correntes banhastes um dia
não consegui um momento sequer
deter daquelas águas
que agora correm somente
nas correntezas de minha mente.

Nem por isso a tristeza me aflige
se não posso mais
usar daquela água
que se foi para sempre
desembocar no mar
e se tornar um imenso mar
com todas as águas derramadas
das lágrimas e lamentações
da lembrança que fica
adormecida fica
no fundo
no mais profundo
redemoinho
perdendo-se
enfim
num montículo de areia
que se forma
que logo se transforma
naquilo que sempre foi.

domingo, 11 de setembro de 2011

Perdidos apenas

Amigos de anteontem
Onde andarão?
Por um momento foram
Mesmos os caminhos tomados
Quem sabe os caminhos cruzaram
Depois descruzaram
Para não se cruzarem mais.

Amigos de anteontem
Onde andarão?
Quem sabe morreram
Quem sabe viveram por outras causas
Em terras distantes
Do outro lado do bairro
Desta mesma cidade que habito
Paulicéia enlouquecida
Pelos destinos mal traçados
Das amizades feitas
Depois desfeitas
Por não se interessarem mais
Pelas brincadeiras de antes.

Amigos de anteontem
Onde andarão?
Quem sabe:
Apenas em minha memória
Na memória dos outros
Esquecidos.

sábado, 3 de setembro de 2011

Espelho de pedra

Não quero ser monge
monge com estilo
monge deste ou daquele tipo
Sou assim, assim sem princípios
que ao pegarem meus pés
agarrem os cabelos