domingo, 31 de julho de 2011

Um amor efêmero

Muito breve foi a florada
Que animou minha vista
Por alguns dias
Que tingiu minha vista
De intenso rosa
E ficou cor de rosa
Minha vida.

Depois o que restou
Foi somente
Foi um rosa
Que não me sai
Diante da vista
Que continuou
Florescendo
Sem se importar mais
Do velho pé de ipê
Que foi esquecido
Numa bifurcação da esquina.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Inventando a vida

Hoje, se me pergunto por que amo a literatura, a resposta que me vem espontaneamente à cabeça é: porque ela me ajuda a viver. Não é mais o caso de pedir a ela, como ocorria na adolescência, que me preservasse das feridas que eu poderia sofrer nos encontros com pessoas reais; em lugar de excluir as experiências vividas, ela me faz descobrir mundos que se colocam em continuidade com essas experiências e me permite melhor compreendê-las. Não creio ser o único a vê-la assim. Mais densa e mais eloquente que a vida cotidiana, mas não radicalmente diferente, a literatura amplia o nosso universo, incita-nos a imaginar outras maneiras de concebê-lo e organizá-lo.

TODOROV.Tzvetan, A literatura em perigo, Rio de Janeiro: Difel, 2010, p.23

Dança em roda

Dançando uma roda aqui
Ao terminar a dança
Uma outra dança
Se dança alí
Em roda sempre
Em volta do umbigo
Em volta de um lago
Sem se cansar nunca
Ainda que a idade venha
Ainda que o sonho acabe
Ainda que as dores lombares
Venham
Continua-se dançando
Sem ver outra coisa
Repetindo mesmos passos
Na mesma cadência
Monótona cadência
Como nada mais tivesse importância
Senão o de continuar dançando
Ao som da ilusão
De que se um dia parar
As pernas parem de andar
E toda dança não passará
De um movimento
Sem nenhuma razão.

Praça da matriz

Naquela praça de minha memória
Havia uma fonte com quatro sapos
De pedra
De suas bocas jorravam
Toda água benta
Da Igreja matriz
Em que banhei a minha alma
Mas descobri
Que alma não havia
Mas mesmo assim
Lavei naquele instante
As impurezas do mundo
Impregnadas então
Nas roupas negras
Das velhas em ladainha
Monótonas
Nas tardes de verão.

Na contramão do movimento

Quando todos trabalhavam
Os carros cruzavam as ruas
E a viatura fazia a ronda
O sinal vermelho anunciou
Parar!
Todos pararam
E o mendigo de sempre
No viaduto de sempre
Continuou dormindo
Ao lado da mulher
Ao lado do cachorro
Sem se incomodar
Que o mundo parara
Naquele instante.

De outros tempos

Em algum canto deste mundo
Ainda vive um menino
Numa sala de aula havia
Dois
Diferentes
Tão diferentes
E tão iguais
Suficientemente diferentes
Um era negro
Outro era eu
O negro chamavam Pelé
O outro chamavam japonês
Ainda que quisesse ser igual
Aos outros
Que comiam macarronada
Aos sábados
Nunca fui igual
Nem queria ser igual
Pois sabia usar hashi
Comer sushi
E não repartir com ninguém.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Catador de papelão

Empurrando carroça acima
Não desanima jamais
Carroceiro desta vida
Levando papel papelão
Carrega o mundo todo
Todos os pensamentos
Bandidos e mocinhos
Dançarinas de cabaré
Mulheres negras da igreja

Só não carrega mais
O sonho que se esvaiu
E caiu num ralo
E se foi
Em redemoinho...

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Redemoinho de sal

Que restaram dos campos de arroz
Quando as águas de sal
De um mar revolto pelas terras
Entraram
Levaram enfim uma multidão
De sonhos plantados
Das curvas das costas
Das mulheres que cantavam
Sucesso de uma colheita farta.

Veio a destruição
Em ondas gigantes
E a dor foi imensa
Que ainda pode ser ouvida
No silêncio das noites altas
Em que as crianças choram
Os adultos também
Também os cachorros e os gatos.

Prostrada Fukushima
Espera o sol esquentar
Alisando a pele das meninas
Para que esqueçam logo
Da água salgada
Que salgou toda a terra
Sem que um verme sequer
Fosse salvo.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Ao cair da tarde

O chá um tanto morno
Não espanta o frio que percorre
As artérias das pernas
Que cruzadas
Descansam sobre a almofada.

Assim fazendo
Milhares de anos se passaram
E milhares de livros lidos
Sem que nenhum conhecimento
Fosse realmente adquirido
E assim sinto-me
Como o mais inútil
Dos mendigos
Que pelo menos
Não se envolveram
Com o sonho sinistro
Das ruas e casas de janelas fechadas.

Alguma palavra que escrevesse
Nenhuma certeza havia
Senão a de nada dizer
Do que uma palavra esquecida.
Ainda assim
Sem a esperança de dizer
Continuei escrevendo
Nas paredes descascadas
De uma casa abandonada
Quem sabe
Alguém pudesse passar por ali
E curiosamente
Ler e sorrir
De felicidade suponho
De ironia de minha angústia
Suponho.

domingo, 17 de julho de 2011

Uma vida errada

Pelas ruas de minha vida
Perdi uma vida inteira
Por não juntar figurinhas
Como fazia minha vizinha.
Ao invés
Preferi caçar passarinhos
Perdi a vida inteira
Fazendo isso
Fazendo aquilo
Que não me convinha
Aquilo que convinha às convenções
Aquilo que dava taquicardia
E passei a sofrer
De rinite aguda
Que nos dias de inverno
Incomoda a alma inteira.

Conheci Rita
Que me colocou no mal caminho
Que se foi sem dizer adeus
E nunca mais escreveu
Mas ainda assim
Nunca mais saiu de minha vida.

Que seria de mim
Se não tivesse me perdido
Nesta vida!

No lodo da civilização

Há muito me perturba
O homem de lodo anoitecendo
Nas beiradas do rio Amazonas
Como surgindo de um pântano
com seus olhos sem expressão
com seus braços de borracha
negros como a fuligem dos pneus
sem nada falar
falava em sua mudez
a falta de humanidade
dos homens da grande cidade
que não se importam
da boa amizade
dos velhos amigos
que envelhecidos
nada mais fazem
do que matar a saudade
de uma memória fugidia
que ainda resta na réstia
de uma vida
que valha a pena
Ser vivida.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Cidade de Escher

A cidade se constrói
Na nossa frente
Como nas obras de Escher
Onde o chão é o teto
E o teto é as paredes
Altas e maciças de concreto armado
Que armam o cenário
No palco do dia-a-dia
Construindo e desconstruindo nossa visão
Do nosso próprio ambiente
Com suas possibilidades e limitações
Lógicas e paradoxais
Que encontramos na Avenida Paulista

17h43

17h43
Banha de ouro
Todos que se colocam sobre o solo
Na cidade do Eldorado