sábado, 30 de outubro de 2010

Cada um, cada coisa

Cada coisa em seu lugar
Cada cueca na gaveta
Cada um em seu lugar
Cada verso em cada linha.
Cada coisa que se vê...
Cada um com seus ''pobrema''
Cada ator em sua cena,
Cadê minhas cuecas na gaveta?

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O esquecimento

Somente com o tempo
Traz novamente um vendaval
Cálido que cicatriza as velhas feridas
E cobre com bálsamo do esquecimento
Sem ficar nenhum escombro
Das ruínas que um dia fora civilização.
Onde o amor era lei
Mas por um desatino
Tornou-se bandido
Que na calada da noite
Roubava dos corações solitários
Um amor ainda não sentido.
O amor é uma impossibilidade
Num mundo que nega totalmente
As contravenções provocadas
Por uma vida injusta
Em que os pés pisam o concreto
Seco das lápides.

domingo, 17 de outubro de 2010

浄賢

Quando se tem os olhos transparentes
A mente permanece como um calmo lago
Imenso, eterno e imperturbável
E, nessa quietude, não há julgamentos
Na ausência de julgamentos, não surge a dualidade
Na não-dualidade, há apenas a sabedoria
Apenas a sabedoria existe
Sabedoria límpida e imaculada
Sabedoria pura.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Esperança também cansa

A esperança parece morrer jamais
Ainda que possamos desconfiar dela
Até mesmo contrariá-la por algum momento
Sempre ela retorna
Como retorna também o sorriso
Antes desaparecido da cara de tolo
Que pensa ser alguém especial.

Somente os tolos têm esperanças
Porque negam as relações interesseiras
Daqueles que sentem um medo profundo
De suas próprias emoções descontroladas
De um amor não resolvido
De uma vida em descaminho.

A esperança é uma droga que ingerimos
Para não morrermos de tédio.

Pela esperteza alguns morrem

Os espertos que me perdoem
Dessas de sobressair sozinho
Correr na dianteira como passarinho
Pode ser um grande desastre.

Quem anda na frente
Atrás de si uma multidão
Rola como rolo de compressão
Esmagando quem adiante se encontra.

Os espertos estão fadados
A serem atropelados.
Os espertos são tolos
Que pensam serem melhores
Do que os outros.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Expectativa infinita

Essa expectativa infinita
Foi derrubada pela música que meus ouvidos queriam escutar
Da sua boca fina
Poética e sábia
Que iluminou uma selva de conturbações
Abrindo caminha para eu enxergar
Que ela estava ali, sempre
No mesmo lugar
E que era eu que não sabia nem ler
Nem ver
Nem escutar

Acordes em desordem

Essas pequenas mãozinhas que escrevem
São fantoches de um mundo flutuante
Que não é habitado por ninguém
Só imaginado por alguém

Seus textos só são meros nomes
Enfileirados
Formando acordes
Desafinados

Que insistem em dizer que é verdade
Toda essa falsidade
De um mundo em desordem
Querendo impor ordem

Pois seus textos são só meros nomes
Enfileirados
Formando acordes
Desafinados

Que escrevem
Flutuantes
Por ninguém
Para alguém

Viver para perder

Você venceu
Ainda que use todos os argumentos
Ainda que use as armas que me restaram
Desarmado fiquei
Pois nenhuma arma é eficaz
Diante das falta de emoção
Desta armadura que traz
Envolta em seu corpo
Que rebenta as flechas envenenadas
Que um tolo ainda arremessa
Sabendo não ter efeito
Todo esforço só pode ser em vão
Toda paixão é uma batalha perdida
Num campo em que deita o trigo
Conforme a vontade do vento
Apenas do vento
Que brinca num passatempo
Qualquer
Sem respeitar a fraqueza
Dos eternos sonhadores
Que nada querem
Senão a liberdade de sonhar
Sem impedimento
Sem documento
Sem lei e sem rei
Numa terra de ninguém.

Insano momento insano

Ele atacou no interior
do interior
Das entranhas, viscerais
Sem deixar o controle
Nas mãos normais

Quem é ele não se pergunta
E sim de onde é ele
Que aferroa
Esquenta o sangue
Os olhos cegam
O corpo cai e definha
E a mente sai
Mansinha
Que no incontrole diz: saia! Não me atazane mais!
E então quer destruir o instante
E acreditando que é ali parada a sua salvação

Oh mente envenenada e inútil!
Que mal sabe o fim que terá
Se assim continuar
Embebedando e alimentando
Esse ser vulgar

domingo, 10 de outubro de 2010

L'Habanera

L’amour est enfant de Boheme
Il n’a jamais, jamais connu de lois
Si tu ne m’aime pas, je t’aime
Si je t’aime, prend garde a toi
Si tu ne m’aime pas, je t’aime
Mais, si je t’aime
Si je t’aime, prend garde toi
Si tu ne m’aime pas
Si tu ne m’aime pas, je t’aime
Mas, si je t’aime
Si je t’aime, prend garde a toi.

L’oiseau que tu croyais surprendre
Battit de l’aile et s’envola...

Carmen, de Georges Bizet

A modelo

O corpo macerado da modelo
Que revela nas profundas
Estradas da vida
De veias entrecortadas
A idade passando num instante
Não causa maior espanto.

Até mesmo a decrepitude
Da epiderme flácida
Possui em si mesmo
Uma beleza plástica
Que pára no tempo.

A crueldade da carne
Em constante transformação
De massa incerta que
Modelada nas mãos do artista
Ganha vivacidade por um momento
Para morrer no momento seguinte.

As lembranças insignificantes

Numa casa velha abandonada
Vivem minhas lembranças
Que se pudesse esquecê-las
E por mais que tentasse assim fazer
Nada aconteceria
Como pudesse mudar
O que já fora escrito
Por mim mesmo.
Como podemos jogar fora
Os encontros realizados
Os desencontros mal colocados
Em minha insignificante
Existência.
O que sobraria
Se nem lembranças pudesse haver
Mais
Numa caixinha de música
A tocar solenemente uma valsa
E uma bailarina dançar
A morte do cisne.

A reação química

Nem tudo o que o espírito reflete
O corpo sente
Pois o corpo possui sua própria linguagem
E se comunica com outro corpo
E sente o calor deste
Quando o que mais importa
É sanar a necessidade
Daquele corpo carente
Do atrito inquietante dos pelos eriçados
Do choque elétrico
Da reação química
Que explode como as bombas
De uma noite de são joão.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Os pecadores vão ao inferno

Os santos vão para o céu
Porque durante a vida
Nada fizeram de mal
E viveram completamente
Envoltos na própria ignorância
Sem provar o doce
Sem provar o salgado
Nem souberam o que era azul
Nunca olharam para o abismo profundo
Nem amaram suficientemente.

Mas outros
De pouca moderação vivida
Viveram intensamente os sentimentos
Mais profundos
Desceram ao abismo e queimaram no inferno
Sofreram horrores
Amaram intensamente as mulheres
De todas as procedências.

Não poderão jamais viver no céu
Devido sua monotonia insuportável
Para os de espírito irascível.
Rebelde a tal ponto que não suportariam
Toda ordem estabelecida
Nem a higiene dos anjos de branco
Cheirando ainda o perfume das lavanderias
De segunda mão.

Em silêncio

Por falar em amor
Melhor seria nada falaria
Que pudesse ser
Contravenção
Por si só
O silêncio
Sem explicação
Assim falaria
Sem fala alguma
Pela eternidade.

Vida não mais vivida

Que mistério te envolve
Que procura ocultar seu coração
Seja por precaução
Seja por medo de si própria
Uma modéstia sem razão alguma
Simplesmente para sobreviver
Às tempestades repentinas
Capazes de destruir os alicerces
Tão bem fincadas duma segurança
Contrária às aventuras libertinas
Do artista que procura todas as emoções
Para inventar a vida.

Não a sua
Sua vida não é inventada
Sua vida é uma trilha formada
Pelas condições das adversidades
Dadas pelo outro.

A tua é a vida
Do outro.
Por isso não pode viver
Sua própria vida.

A liberdade do poeta

Todos os poetas, porém, julgam que aquele que está deitado na erva ou numa encosta solitária, com o ouvido à escuta, aprende algo do que se passa entre o céu e a terra. E se experimentam ternas comoções, os poetas supõem sempre que a própria natureza está apaixonada por eles.
E que se lhe acerca o ouvido a murmurar coisas secretas e palavras carinhosas. Disso se gabam e se gloriam, perante todos os mortais. Existem tantas coisas entre o céu e a terra que só ao poetas sonharam.
E mormente no céu: porque todos os deuses, são símbolos e artifícios de poeta.

NIETZSCHE. Friedrich, Assim falou Zaratrusta, São Paulo: Editora Martin Claret, 2000, p. 106.

Luz e mistério

Composição: Beto Guedes / Caetano Veloso

Oh! Meu grande bem
Pudesse eu ver a estrada
Pudesse eu ter
A rota certa que levasse até
Dentro de ti

Oh! meu grande bem
Só vejo pistas falsas
É sempre assim
Cada picada aberta me tem mais
Fechado em mim

És um luar
Ao mesmo tempo luz e mistério
Como encontrar
A chave desse teu riso sério

Doçura de luz
Amargo e sombra escura
Procuro em vão
Banhar-me em ti
E poder decifrar teu coração

És um luar
Ao mesmo tempo luz e mistério
Como encontrar
A chave desse teu riso sério

Oh grande mistério, meu bem, doce luz
Abrir as portas desse império teu
E ser feliz

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Uma canção triste

Numa velha canção
Do cancioneiro japonês
Que ouvi criança
Dizia:
“A felicidade existe
Apenas acima das nuvens”.

Nada sabia daquilo
Apenas ouvia:
“A felicidade existe
Apenas acima das nuvens”.

Muito tempo depois
Ouvia com nostalgia:
“A felicidade existe
Apenas acima das nuvens”.

Ainda não entendo
Estas palavras
Mas
Em minha súbita melancolia
Apenas ouço bater
Em meu ouvido esquerdo
Esta canção de infância:
“A felicidade existe
Apenas acima das nuvens”.

Nos tempos do pica-pau

Minha musa de infância
Daquelas que anunciavam
Os desenhos do pica-pau
Apareceu num jornal de recordações.
Fiquei entusiasmado
Fiquei feliz
Para vê-la novamente.

Era outra pessoa
Totalmente diferente da outra
Nada lembrava aquela
Que usava mini-saia
Exibindo suas pernas grossas
Mas agora era
Uma velha senhora
De cabelos grisalhos
De pele enrugada
Que cuidava dos netos.
Fiquei assustado
Fiquei arrepiado
Não era ela.

O tempo passara
Maltratando a saúde
E pouco a pouco deteriorando
A pele aveludada
De pelos eriçados
De cor de trigo maduro.

O tempo tinha passado
A musa tinha passado
Eu também tinha passado
Menos a memória
Na qual ainda vivia
A jovem menina
Anunciando a próxima atração.

Vem pica-pau
Vem....

domingo, 3 de outubro de 2010

Morrer no silêncio

Nenhuma palavra a mais
Para ser dito
Maldito seria se
Uma palavra que seja
Fosse dito
Nesta hora inoportuna
Um sussurro que fosse
Levantaria poeira
Turvando toda a transparência
De seus olhos atlânticos
Em que naveguei pela primeira vez
E sofri a maresia
E por pouco não fui devorado
Pelas bruxas de Circe.

Não diga nada
As águas se tornam calmas
E até perigosas.

Não diga nada
As crianças que dormem à noite
Não devem ser importunadas.

Não diga nada...

Amar para morrer

Amar e desaparecer: são coisas que andam a par há eternidades. Querer amar é também estar pronto a morrer. Assim vos falo eu, covardes.

NIEZSCH. Friedrich, Assim falou Zaratrusta, São Paulo: Editora Martin Claret, 2000, p.102.

Salvando os monstros...

É preciso igualmente que esqueça a sua vontade de herói; deve ser para mim um homem elevado, e não só sublime; até o éter deveria elevar esse homem sem vontade. Venceu monstros, adivinhou enigmas; mas precisava também salvar os seus monstros e os seus enigmas; precisava transformá-los em filhos divinos.
O seu conhecimento ainda não aprendeu a sorrir e a não ter inveja, a onda da sua paixão ainda se não acalmou na beleza.
Não é certamente na sociedade que se deve calar e submergir o seu desejo, mas na beleza.

NIETZSCHE. Friedrich. Assim falou Zaratrusta, São Paulo: Editora Martin Claret, 2000, p.98,99.

Contradição da vida

A vida do homem é uma tentativa aleatória. Ela só é um fenômeno monstruoso. Por causa de seus números e de sua exuberância. É tão fugitiva, tão imperfeita, que a existência de seres e seu desenvolvimento parece um prodígio.

JUNG. Carl Gustav. Memórias, Sonhos, Reflexões, RJ: Editora Nova Fronteira, 2006, p.24

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Algo à espreita

Sem grandes alegrias
Caminha sorridente
O caminhante
Sem saber o que pode
Encontrar na próxima
Esquina de curva fechada.
Pode encontrar a morte
Nos lábios da mulher de branco
A qualquer momento.

Uma morte anunciada!
Nem temida
Nem buscada
Acontecida apenas.

Lançando dados

Enquanto perder nos jogos da vida
For motivo de sofrimento
Sofremos por algum momento
Depois nada disso
Terá importância
Suficiente para mudar
Seja nosso bom humor
Seja nosso mau humor.

Perder pode ser
Apenas uma circunstância
De uma vida
Que pode ser tudo.

Morrer de significação

Os poderosos mostram
Os dentes afiados e amedrontam
Aqueles que apenas se submetem
Sem desobediência alguma
E vivem sempre abaixando a cabeça
Pois precisam viver.

Os que não precisam viver
Estes vivem do perigo
E podem morrer
Por isso
Apenas por isso
Vivem intensamente
O momento vivido.

Os marinheiros vivem do mar
Como fossem morrer
Na próxima onda.

Os amantes vivem de seus amores
Como fossem morrer
No próximo encontro.

Mas aqueles que querem viver
Vivem com medo de morrer
Esquecendo-se que a vida é agora!

Quando será

Quando será que eu vou me libertar destes grilhões da esperança
Desse fim de filme, desse final certo e correto?
Quando será que me liberto das amarras de querer chegar à algum lugar
Pois ando, ando e ando e mesmo sabendo que não há lugar para chegar
Continuo a procurar um uma forma, um final ou um lugar

Quando será que deixarei de perguntar quando
A procura de respostas que respondam o que a ilusão de esperança quer ouvir?
Querer conhecer pra poder querer chegar
O cúmulo da ganância é querer querer para querer
E assim se perpetuar, talvez até sem querer

Quando vou deixar de me agoniar
Pra poder parar de andar
Poder parar de perguntar e questionar
E para de esperar
Uma paisagem que já está aqui
E que na verdade só me resta
Olhar